MÚSICA

Psicodelia brasileira é resgatada em disco tributo e livro

Alceu Valença, Ave Sangria, Flaviola, Lula Côrtes, Marconi Notaro e outros pernambucanos são reverenciados pela nova geração

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 30/08/2016 às 9:00
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Alceu Valença, Ave Sangria, Flaviola, Lula Côrtes, Marconi Notaro e outros pernambucanos são reverenciados pela nova geração - FOTO: Foto: Reprodução
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Entre o final dos anos 1960 e meados dos anos 1970, a cena musical do Nordeste viveu um momento de efervescência histórica. Passada a ingenuidade da Jovem Guarda, o rock foi tomando corpo, tornando-se uma linguagem mais consistente e densa. No contexto da publicação do Ato Institucional Nº5 da ditadura militar brasileira, artistas respondiam de forma subversiva em sua música, influenciando-se pela poesia marginal beatnik, a eletricidade de Jimi Hendrix, Beatles e a geração Woodstock, a cultura popular regional e revoltas políticas e intelectuais como a de maio de 1968 em Paris.

Se a Tropicália e discos de Caetano Veloso, Mutantes, Gilberto Gil, entre outros, tornaram-se clássicos absolutos da música brasileira, outros muitos ficaram esquecidos e passam agora por uma fase de redescobrimento. Partindo dessa ideia, o jornalista Leonardo Paladino, do blog Tramp, organizou uma homenagem à música psicodélica de Pernambuco. No dia 22 deste mês, ele lançou na internet No Abismo da Alma — Um Tributo ao Movimento Udigrudi, com releituras de Alceu Valença, Ave Sangria, Flaviola e o Bando do Sol, Phetus, Marconi Notaro, Banda de Pau e Corda, Lula Côrtes, entre outros.

“Minha vontade de homenagear o Udigrudi surgiu em 2013, quando ouvi uma coletânea em homenagem ao Cazuza (Projeto Agenor, de Zé Pedro)”, diz Paladino. “Sempre curti a música psicodélica e nordestina. Com o boom de bandas como Tame Impala, Boogarins, entre outras, achei que o pessoal mais novo precisava saber que no Brasil já havia rolado algo muito foda nos anos 70”, explica.

No Abismo da Alma reúne 19 faixas recriadas por 19 artistas. Os participantes do tributo são alguns dos principais nomes do cenário do rock independente atual. Muitos deles (como os indies Supercordas, Luneta Mágica, Vitor Brauer e Meneio) não refletem diretamente a influência do udigrudi, mas suas interpretações demonstram a relevância e o grande impacto artístico de álbuns como Satwa, Paêbiru, Ave Sangria, Molhado de Suor.

“A curadoria começou com o André Prando, Jan Felipe e Erick Omena (Luneta Mágica), que são meus amigos. Foram os primeiros que falei do projeto. Como eles toparam de cara, eu fiz o convite para outras bandas que acho o som parecido, como Tagore, Almirante Shiva, Bike, etc. E mais outras vieram com o boca a boca”, conta Paladino.

“Já conhecíamos o movimento, mas muito mais pela parte audiovisual do que musical. Como estudamos cinema aprofundamos bem nesse movimento e nos filmes e autores dele”, diz Juliano Parreira, baixista da banda instrumental Aeromoças e Tenistas Russas, banda instrumental paulista que regravou Planetário, de Alceu Valença, composição incluída em Quadrafônico, seu álbum de estreia junto com Geraldo Azevedo.

“Achamos que a música tinha bastante a ver com a estética do nosso último álbum, Positrônico. A referência espacial e o tom psicodélico fizeram toda diferença”, comenta Juliano.

Os pernambucanos Tagore e Graxa interpretam, respectivamente, Borboleta, de Alceu Valença, e Geórgia, A Carniceira, do Ave Sangria. “Pensei nessa música porque ela é pancada e legal, não tem muita firula. O baterista (Gilvandro Régis) disse que era manjada. Eu disse que precisamos de sucessos”, brinca Graxa.

LIVRO COMPILA OS 100 MELHORES PSICODÉLICOS

A psicodelia brasileira também é tema de Lindo Sonho Delirante: 100 Discos Psicodélicos do Brasil 1968-1975, primeiro livro do jornalista, pesquisador e colecionador de discos Bento Araújo.

“Para preparar este livro eu passei mais de um ano reouvindo, analisando, compilando e até contextualizando aqueles que eu considero os 100 maiores álbuns e compactos da psicodelia brasileira lançados entre 1968 e 1975”, diz Bento, que por 13 anos editou o fanzine Poeira Zine. “São álbuns que mudaram pra sempre o jeito de pensar e fazer música no Brasil e também na América do Sul. Também mergulhei fundo em livros, revistas e jornais da época pra garimpar ideias, informações, curiosidades sobre um dos períodos mais criativos da música brasileira – porém, ainda muito negligenciado”, explica.

Com textos em inglês e português, a publicação abrange desde clássicos dos Mutantes, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Gal Costa a pérolas obscuras como supergrupo Brazilian Octopus, que lançou um único álbum (relançado este ano) e tinha em sua formação Hermeto Pascoal, Lanny Gordin, Olmir Stocker, entre outros. 

O autor também conta a história de Som, da banda Persona. O trabalho foi concebido como um “disco/jogo” concebido durante a XII Bienal de Arte de São Paulo pelo artista plástico Roberto Campadello com trilha sonora desenvolvida pelos futuros integrantes do Tutti-Frutti – futura banda de apoio de Rita Lee.

O título do livro vem do compacto homônimo que o paraguaio Fábio (nome artístico de Juan Senon Rolón, conhecido por sua posterior associação com Tim Maia) lançou em 1968.

Bento Araújo resolveu montar uma campanha de financiamento coletivo para levantar os R$ 45 mil necessários para a tiragem inicial de mil cópias do livro. Acabou arrecadando quase o dobro: R$ 84 mil. O livro tem previsão de lançamento para outubro.

Lindo Sonho Delirante na verdade é um presente à memória da música brasileira e àqueles artistas que expandiram a mente em nome da arte – isso numa era de sangrenta repressão militar e extremo preconceito social”, conta ele no vídeo da campanha. “O que eu espero é produzir um trabalho que se torne não somente referência aos pesquisadores e aos colecionadores, mas também que preencha uma série de lacunas sobre as trajetórias desses artistas e bandas em meio àquele vácuo dos exílios, das prisões e também ao silêncio da censura”, conclui.

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