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Banda Baleia canta conflito existencial com o mundo no álbum 'Atlas'

Sexteto carioca mostra amadurecimento em seu segundo disco, que será apresentado no Coquetel Molotov

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 28/09/2016 às 9:08
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A cidade nunca foi gentil. Nas ruas se estende um progresso senil que revira os seres em apatia afônica. Este é o cenário montado em Atlas, álbum que os cariocas da banda Baleia apresentarão no palco do Coquetel Molotov, em outubro.

Enquanto na mitologia grega Atlas é o titã condenado por Zeus a sustentar eternamente o mundo em suas costas, em Atlas, o disco, esse conflito se dá na relação com a cidade. Esta não é propriamente a urbe, o espaço urbano. Não é o local de ocupação, nem de figuras peculiares – é não por exemplo, a cidade dos versos de Siba ou Passo Torto. Ela se apresenta como uma simbologia do Outro, da subjetividade exterior. É uma personagem que aparece intensivamente em quatro das oito músicas do álbum: Véspera, Duplo-Andantes, Hiato e Estrangeiro. Nesta última, percebe-se como o conflito é a parte constituinte do ser: “cidade, um triz/ um mau festim/ ciscando em si um triz de mim”.

“Em Quebra Azul a gente filosofava muito sobre o Eu consigo mesmo, o que acontecia no interior. Em Atlas, parece que essa mesma pessoa foi pro mundo e foi pro embate com o mundo. É a relação do Eu com o exterior. A cidade funciona também como um personagem e também como a incorporação do mal-estar”, diz Gabriel Vaz, um dos vocalistas, explicando a transição entre o primeiro e o segundo álbum do sexteto. Ele observa ainda a ligação com o trabalho gráfico do disco: “Há um prédio com mãos e pés, com pessoas dentro e você não sabe se elas são parasitas ou reféns”.

De acordo com Gabriel, a construção poética teve influência marcante do livro A Desumanização, do escritor português Valter Hugo Mãe. “Uma amiga nossa deu de presente pra minha irmã. Ela começou a ler e me recomendou. Eu li um parte e logo tive que comprar um pra fazer meus rasbicos. Eu não conhecia o Valter Hugo Mãe. Ele tem uma abordagem interessante de prosa e poesia que é uma coisa muito misturada. A Desumanização fala sobre uma menina de 11 anos de idade. Ela é a narradora e ela vê o mundo de uma maneira muito bonita, inocente, despida de cinismo. É como se o livro fosse dessa maneira sem filtro, e eu já achei muito bonito”, conta. “Esse mundo [de Atlas] foi surgindo muito a partir das ideias e do jeito que a menina vê o mundo. É a nossa versão fantasiosa, meio mitológica de um mundo ‘real”.

Com produção do pernambucano Bruno Giorgi (que já assinou discos de Lenine, seu pai, e Duda Brack e toca na pernambucana Rua), o trabalho foi gravado em maio do ano passado, em um isolamento da banda em um sítio na Serra das Araras, em apenas dois meses. “O conceito do Atlas foi meio que um produto do momento difícil pelo qual muitos integrantes estavam passando, e mesmo a realidade do País e da humanidade como um todo. A gente sente que isso transparece no disco de um jeito mais agressivo. De certa forma ele é mais intenso mesmo, tem um embate com o Outro e elementos mais combativos”, comenta ele.

A Baleia despontou na cena independente da zona sul carioca ao lançar, em 2013, o seu primeiro álbum, Quebra Azul, que os levou a abrir o Lollapalooza Brasil do ano passado. Em Atlas, a sonoridade acabou sendo conduzida por outros caminhos. O cerne continua sendo um pop de ambições sinfônicas, mas ao invés de arquitetado pelas cordas, o alicerce musical de Atlas são camadas de vozes e coros. Junto à isso, somam-se ritmos intricados. Uma arquitetura ambiciosa dentro da canção.

“A produção foi bem intensa. Umas músicas já estavam rolando, um mostrando a demo pro outro. Só que no momento que a gente se reuniu pra gravar, tentamos muitas coisas na hora. O disco é muito no instinto também, feito com impulso”, diz Gabriel. Quanto aos padrões rítmicos, ele diz: “A gente sempre trabalhou com o ritmo. Gostamos muito de pensar em como soar uma música minimamente pop com ritmo esquisito”.

GRAMMY LATINO

Concebida em diálogo com a ilustradora Lisa Akerman, a edição física de Atlas é um projeto digno de nota. Trata-se de um álbum-livro, que funciona como uma enciclopédia de um mundo imaginário, com oito universos e oito personagens habitantes. “Queríamos fazer mais do que colocar o CD em uma caixa. A ideia foi criar uma enciclopédia misteriosa, da qual ninguém sabe quem é o autor e que contém estudos sobre uma terra desconhecida”, explica Gabriel.

Edição física de 'Atlas' é um CD-livro, com letras e ilustrações -
A ideia foi criar uma enciclopédia de um mundo imaginário, com oito personagens, um pra cada faixa -
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O trabalho rendeu ao grupo uma indicação ao Grammy Latino na categoria Melhor Projeto Gráfico de um Álbum, concorrendo com Love os Lesbian (El Poeta Halley), Bareto (Impredecible), Melnik (Umbral) e Mario Diníz (Relevante). 

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