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Projeto audiovisual Coroa reflete a memória do blues da prisão negra

Músico e produtor André Édipo processa e improvisa sobre gravações de domínio público

GGabriel Albuquerque
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GGabriel Albuquerque
Publicado em 19/10/2016 às 9:51
Foto: Jack Delano/ Reprodução
Músico e produtor André Édipo processa e improvisa sobre gravações de domínio público - FOTO: Foto: Jack Delano/ Reprodução
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Em 1947, o etnomusicólogo e folclorista Alan Lomax foi à Penitenciária do Estado do Mississippi e gravou os cantos de trabalho dos negros encarcerados. As prisões dessa época, principalmente no sul dos Estados Unidos, eram uma fonte de trabalho manual para o governo. Trabalhando em plantações e ferrovias, eles eram submetidos à condições de semiescravidão. Os registros de Lomax foram agrupados no álbum Negro Prison Songs, que registra a dor dos negros em canções cruas e insólitas.

Mais de seis décadas depois, em 2008, o músico e produtor olindense (radicado em Madri, Espanha) André Édipo deparou-se com as gravações de Lomax – que também registrou bluesmen como Muddy Waters e Leadbelly. Daí surgiu o embrião do Coroa, projeto audiovisual que apresenta em show gratuito amanhã (20), às 20h, no Edifício Texas.

“Morando na Espanha, sem muita relação com as pessoas, conhecendo pouca gente, eu voltei a escutar esse disco. Eu tinha um plano de fazer um projeto baseado em loops, mais experimental, sem pensar em canção e eu tocando só. Apareceu lá um edital relacionado a copyleft e domínio público e montei o Coroa”, conta André. Ele recorta, sampleia e improvisa com teclado, eletrônicos e guitarra sobre os cantos dos presidiários. A música é acompanhada por projeções de vídeo manipuladas ao vivo, nesta ocasião, pelo VJ Mozart.

Narrativa

André explica que a apresentação do Coroa traça uma linha narrativa. “É um arco que começa bem cru com No More, My Lawd, que é basicamente o cara dizendo ‘eu não aguento mais’. É a música mais dura dele e faço pouquíssimas interferências. Então eu vou entrando, transformando e trazendo mais pro hoje. Chega um momento que é claramente um beat de hip hop. E a ideia é voltar e terminar novamente com a mesma música”, detalha.

O projeto utiliza-se apenas das gravações dos presidiários negros, mas é uma metonímia da opressão e da escravidão, em sua raiz e também os desdobramentos modernos. Ali também podemos ver e ouvir os cantos das lavadeiras, os vissungos (cantos de trabalho dos escravos mineradores da região de Diamantina), o blues do delta do Mississippi e até o rap e o funk atuais. “A letra que o cara tá querendo passar é a mesma realidade que os caras passam hoje. É preconceito em qualquer lugar”, pontua.

André adianta que não pretende fazer de Coroa um disco, mas que tem a intenção de registrar alguns vídeos. “A ideia é que seja algo estritamente ao vivo”, afirma. Ele está no Recife para gravar um novo álbum, com quatro canções instrumentais, e aproveita para divulgar o projeto. “Ainda tem possibilidades de apresentar em São Paulo e Curitiba”, adianta.

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