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Antonio Carlos Tatau um bem guardado tesouro da Bahia

Aos 61 anos, músico de Juazeiro lança o disco de estreia

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 23/07/2017 às 12:52
foto: Divulgação/Flávia Almeida
Aos 61 anos, músico de Juazeiro lança o disco de estreia - FOTO: foto: Divulgação/Flávia Almeida
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Na história da MPB são vários os exemplos de cantores e compositores que só chegaram ao disco depois da meia-idade, Nelson Cavaquinho, aos 59 anos, Cartola, aos 66, e Clementina de Jesus, aos 64 anos. O baiano, de Juazeiro, Antonio Carlos Tatau chega ao primeiro CD aos 61 anos. No entanto, além da demora na estreia, e os elogios com que o trabalho tem sido recebido, as comparações param por aí.

 Enquanto os três nomes citados saíram do morro, do lúmpen carioca, foram descobertos por jornalistas ou produtores, e estiveram à margem do mercado involuntariamente, o baiano Antonio Carlos Tatau, de classe média, interrompeu a carreira no início por vontade própria: "Eu mexi com música até 1976, aí parei. Neste período todo foi só pro gasto doméstico, tocando e compondo em casa. Chegando aos 60 anos, decidi que era hora de registrar este trabalho e me permitir viver este outro lado da música, então parti pra fazer o disco", explica Tatau.

 Luizão Pereira, o irmão mais novo, músico, compositor, produtor, que foi da banda Penélope, hoje no duo Dois em Um, foi fundamental para a estreia temporã de Tatau. "Por algum tempo, Luizão vinha conversando comigo, me convencendo a fazer o trabalho. Por volta de 2015, mais ou menos, começamos, aos poucos, trabalhando nisso, enfim, aí saiu o disquinho". Quem o escutou e se entusiasmou foi o petrolinense Zé Manoel, que conheceu Luizão Pereira quando os dois foram contemplados pelo projeto Natura Musical.

 Zé Manoel fez o contato com o DJ Zé Pedro, da gravadora Joia Moderna, que lançou A Lida dos- Anos, o álbum de Antonio Carlos Tatau. Até então, apenas duas composições tinham sido gravadas, pelo sambista Ederaldo Gentil (tio dele) e, em 2013, pelo Dois em Um, o que é curioso, porque Tatau nunca deixou de compor, de tocar em reuniões de amigos, em Juazeiro, e na vizinha Petrolina, onde participou de festivais nos anos 70. "Naquela época, eu era muito ativo, trabalhava com música, teatro, artes plásticas. Um período muito interessante com o grupo Exodus, formado por muitas pessoas, umas 12 ou 13. Uma diversidade muito grande, muito rica esta troca de experiência, de vivência, foi muito interessante este período", relembra o artista.

 As primeiras pessoas que escutaram o disco de Antonio Carlos Tatau imediatamente fizeram a ligação entre ele e o também juazeirense João Gilberto. Ele não se incomoda com as comparações, até porque há mais diferenças do que semelhanças entre os dois. Tatau se diz a soma das muitas influências que sofreu do muito que escutou de música, crescendo num ambiente bastante musical:

 "Em minha casa sempre se ouviu muita música, minha mãe tocava acordeom, meu pai gosta bastante de música. Ouvi muito MPB, principalmente, Caymmi, Ataulfo, Noel Rosa, e claro João Gilberto. Minha família era de Salvador. Meu pai veio para Juazeiro em 1952, minha mãe, em 1954. Durante um determinado período, meu pai foi médico da família de João Gilberto. Ele acompanhou João desde o lançamento, até pela proximidade física, a família dele era quase vizinha da minha casa. Ouvi João desde pequeno. Teve outras influências, você acaba sendo o resultado daquilo tudo que você ouviu", diz ACT.

 Ele revela que, pela proximidade das famílias, se tornou amigo de João Gilberto, em suas discretas visitas à cidade natal: "Tive oportunidade não só de ouvi-lo tocar em caráter privado, como também de tocar pra ele. Mas isso foram poucas vezes. Tivemos um período de conversas, mas muito pelo telefone. É inegável que ele é uma influência".

Embora confiante na qualidade do que compunha, Antonio Carlos Tatau surpreendeu-se pela acolhida que o álbum A Lida dos Anos recebeu, com acolhida unânime da crítica, pelo empenho dos músicos - alguns dos quais nem conhecia - em acompanhá-lo. " Eu sempre tive uma autoproteção, então não esperava muito do disco. Fazia o meu trabalho sempre com aquele espírito: é o meu trabalho, e é assim o que eu sei fazer. Fiquei surpreso pela receptividade. Está sendo muito gratificante este carinho todo. É até meio difícil se falar, mas estou muito feliz, não só pelo resultado do trabalho em si, da forma como ele foi finalizado tão brilhantemente por Luizão", diz o artista.

 "A produção foi realmente primorosa, cuidadosa. Houve toda uma preocupação em preservar o meu som como ele sempre foi. O próprio Zé Manoel foi de um carinho extremo com a música, foi carinhoso no piano, foi muito bom este processo todo, todas as pessoas que participaram do disco também sempre me passaram um aconchego muito bom. Para mim tem sido muito prazeroso", comenta Tatau, em entrevista por telefone.

 Fala com entonações à João Gilberto, pausado, de sotaque pernambucano, direto e afirmativo, desarma o interlocutor, rindo, de repente, das próprias respostas ou de um elogio. Foi difícil escolher o repertório do álbum pela quantidade de músicas acumuladas, afinal, Tatau afastou-se dos palcos (com raríssimas "recaídas"), em 1976, aos 20 anos. "O baú está recheado. Não só com coisa prontas, mas com outras a serem finalizadas, há muito rascunho. Lançar o primeiro disco foi determinante para que, daqui pra frente, a gente faça outras coisas. Tem muita coisa que precisa ser cantada", afirma

DISCO

Antonio Carlos Tatau é da melodia, versos não são com ele. Todas as dez faixas de A Lida dos Anos têm parceiros, apenas um deles bem conhecido, o fluminense Ronaldo Bastos, um dos mais festejados letristas da MPB. Parceria nascida sem que se conhecessem pessoalmente. "(Meu irmão) Luizão tem uma aproximação com Ronaldo. Num determinado dia, Ronaldo foi ao apartamento dele e ele acabou ouvindo minhas músicas. Tinha uma que não tinha letra, ele gostou do trabalho e meio que se ofereceu para fazer. Um grande letrista como Ronaldo tem seu peso, pra mim foi muito bom".

 Tatau diz que não gosta do que escreve, prefere cantar versos alheios. "Tenho um parceiro muito constante, Expedito Almeida. Tem seis letras dele no disco, é um excelente poeta e a gente tem muita coisa pronta e outras por terminar. Théa Lúcia também está no disco. Costumo dizer que ela me desvirginou para a música. Foi quem realmente despertou em mim o desejo pela composição. Também tem o Mateus Borba. A primeira música que fizemos está no disco. Tem também Euvaldo Macedo Filho, que já se foi há muito tempo e era fotógrafo. No disco, tem uma música com ele e Marcos Roriz".

 Já nas primeira faixas de A Lida dos Anos, a música de Tatau faz lembrar João Gilberto, embora sua interpretação não seja tão intimista e preciosista, nem as harmonias tão complexas. Lembra pelo violão. Por mais e melhores músicos que participem do disco, Zé Manoel, Gustavo Ruiz, Régis Damasceno - responsáveis por piano, programações eletrônicas, cordas e sopros -, sente-se, assim como no primeiro disco de João, que os dois, cantor e violão se bastam.

 Voz e instrumento, também feito em João, por vezes caminham em compassos diferentes. Tatau chega mais perto de João Gilberto na faixa Canção para o João (com Euvaldo e Marcos), uma das composições mais antigas do disco, e distancia-se dele por não emular a batida que foi rotulada de bossa nova. A batida de Tatau é pessoal. Em baladas, boleros e sambas, a música flui como um regato tranquilo.

 Minha Vida (com Ronaldo Bastos) é um samba-canção leve, sem tristeza, nem passionalidade, com o piano de Zé Manoel discreto, ao fundo. Em Um e Outro, um samba de timbres eletrônicos, escuta-se menos o violão. A Lida do Tempo, de capa assinada por Tatau, parece que tem bem menos do que os seus exatos 36 minutos, como acontece com todos os grandes discos.

 

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