DISSENSO

Tantão é profeta do caos no álbum 'Espectro'

Membro da seminal banda carioca Black Future lança seu primeiro álbum solo

GG ALBUQUERQUE
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GG ALBUQUERQUE
Publicado em 27/08/2017 às 10:00
Foto: Gabraz Sanna
Membro da seminal banda carioca Black Future lança seu primeiro álbum solo - FOTO: Foto: Gabraz Sanna
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Carlos Antonio Mattos pode não ser um nome muito conhecido na música de Pernambuco ou do Nordeste, contudo, a influência do surrealismo suburbano de Tantão (a sua persona artística) e as combinações do Black Future (banda com a qual lançou apenas um álbum, incluindo o anti-hino carioca Eu Sou o Rio) permeiam o som de uma série de artistas – dos aclamados Planet Hemp e Chico Science & Nação Zumbi até os novos experimentos sônicos do coletivo multimídia DEDO e os artistas do Chelpa Ferro.

O homônimo álbum do Black Future (1988) contava com a participação de alguns nomes centrais da cena post punk – Edgar Scandurra (Ira!), Paulo Miklos (Titãs), Edu K (De Falla) e Alex Antunes (Akira S e as Garotas que erraram) e produção de Thomas Pappon (Fellini) – e incensou a iniciante carreira dos cariocas, elogiados pela revista Bizz e outros veículos da imprensa. Mas vieram os anos 1990: “A banda acabou, eu não tava naquela onda dark, embarquei na eletrônica, na acid house”, conta Tantão. Ele montou a John Merrick Experience, que não vai muito além de demos caseiras e acaba deixando a bateria eletrônica e sintetizadores para trabalhar em um estaleiro em Niterói.

Entre uma série de idas e vindas, Tantão voltou ao Rio, estabeleceu-se como pintor (com residências na Europa e expô individual em Amsterdã) e realizou shows esporádicos no underground carioca. Mas só agora sai o disco que completa este ciclo de um poeta “maldito”: Espectro, com Tantão na voz e Os Fita (isto é, os produtores Cainã Bomilcar e Abel Duarte) nos arranjos.

Lisergia fantástica e violenta

Sob beats pesados e ruídos d’Os Fita, Tantão vocifera letras de um delírio fantástico. Estes versos – que vão do faraó Akhenaton à performer Márcia X, do pintor Leonilson à física quântica com a maior naturalidade – são característicos dele, que os cria durante a lisergia das apresentações (ele confessa que “não dá para fazer show de cara”). Na faixa título, ele viaja pelo espaço: “Além do alcançe dos olhos/ Barra de estrelas/ Barra pesada/ Buraco negro/ Medida de segurança (...)/ Ondas de densidade/ Espectro/ Eletromagnético Radioastronomia”. “Meus amigos físicos acham que eu entendo do assunto, mas a história dessa música é que um amigo meu dava aula de física avançada para leigos. Eu ia lá, ficava ouvindo ele falar aquelas coisas de buraco negro… Para mim aquilo é poesia”, diz, explicando a história da música enquanto dá risada.

Apesar de toda loucura, há também um muito consciente na poesia, na música e em toda produção de Tantão. Os versos são espontâneo, surgem no calor do improviso, mas ele também os anota, repete, modifica, aperfeiçoa e molda a todo momento. Os versos são mínimos, enxutos e com precisas associações de palavras que proliferam uma diversidade de imagens, cores, sons, sentimentos. É o caso do desespero apocalíptico de Portal: “Inventamos/ Abrimos um portal muito perigoso/ Portal, letal, perigoso, maravilhoso, barra pesada”. Ou ainda a aflição de Refugiados: “Sem porto para atracar/ Somente o mar/ Navegar”.

A música de Tantão é uma espécie de partícula-síntese que contém em sua forma uma série de contradições e absurdos, como é a figura mítica do próprio Tantão, o junkie, o gênio ainda não reconhecido. Espectro é um trabalho que potencializa todas estas incertezas, um álbum próprio do dissenso, que causa mais confusão na mente do ouvinte. E um “retorno” de ouro de um grande artista que, na verdade, nunca esteve fora de cena.

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