Brega

Orlando Dias, o primeiro, e esquecido, Rei do Brega

No palco chorava, rasgava a roupa, e arrebatava plateias

JOSÉ TELES
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Publicado em 11/09/2017 às 8:28
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No palco chorava, rasgava a roupa, e arrebatava plateias - FOTO: foto: reprodução
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O nome de batismo, José Adauto Michiles. Nome artístico Orlando Dias. Um cantor recifense de quem poucos conterrâneos, com menos de 50 anos, se lembram. Quem cultua brega, e considera que o baiano Waldick Soriano ou o também recifense Reginaldo Rossi são os dois maiores ícones (empregando um termo que se tornou brega) do gênero, deveriam conhecer um pouco de Orlando Dias. Ele é uma lacuna na grande maioria dos livros, dissertações de mestrados e afins que se escrevem sobre o brega.

 É até estranho que Orlando Dias seja ignorado. Entre 1960 e 1965, ele foi um dos maiores vendedores de discos do país e frequentador assíduo das paradas com bolerões passionais, tangos, sambas-canção, além das marchinhas carnavalescas, que o tornaram um dos campeões do carnaval. Mas era nas performances de palco que incendiava plateias e insuflava a ira dos árbitros do bom gosto contra ele, mesmo assim copiado por muitos.

 Cinco anos antes de Roberto Carlos, Orlando Dias lançou um LP com o título de O Inimitável. Chegou a afirmar que o Rei também o imitava quando gravou, em 1968, Ciúme de Você, de Luiz Ayrão, não por acaso no LP igualmente intitulado O Inimitável. Tenho Ciúme de Tudo (1962, Waldir Machado) foi um dos maiores sucessos de Orlando Dias.

 “Minhas queridas fãs”, “Fãs do meu coração”, “Meu coração é de vocês”, “Devo o meu sucesso a todos os meus queridos fãs”, alguns dos bordões que Orlando Dias bradava durante as apresentações na TV, no rádio ou ao vivo. Para mostrar sua devoção aos admiradores, ajoelhava-se em pleno palco, abria a camisa, desabotoando-a, dramaticamente, rasgava paletós e lançava-os na plateia. Fazia o mesmo com lenços com que enxugava as lágrimas, quando se emocionava em demais com determinadas canções, como Maior Amor da Minha Vida: “Tu és o maior amor da minha vida/ tu és uma estrela guiando meus passos/ nas horas boas/ nas horas tristes/ minha querida/ tu és o maior amor da minha vida”. “O cantor que morre no palco” um de seus epítetos.

 Em junho de 1960, programa Parada Feminina, apresentado pela atriz Lourdes Mayer, na Tupi, depois dos obrigatórios salamaleques aos fãs, Orlando Dias canta mais um bolero de sucesso: “Você ainda há de chorar por mim, mete a mão no bolso e saca um lenço, finge que chora, abre os braços, ameaça abrir a camisa. A plateia vai à loucura. Uma fã não gostou e mandou-lhe uns conselhos, através do Jornal das Moças (do Rio): “Meu caro Orlando, você causou tanta hilaridade, que eu cheguei a ter pena. Quer um conselho? Coloque suas mãos em posturas físicas educadas. Os gestos são apropriados para cantores líricos e, mesmo assim, são comedidos”.

 Contenção de gestos e de tons altos não constavam no cardápio que Orlando Dias servia às suas adoradas fãs. E ele estourava nas paradas exatamente quando a contida bossa nova era a grande novidade da música brasileira, que tornava demodé o bolero, o samba-canção e a interpretação arrebatada. Era agora de bom tom o cantar intimista, exigia-se um fiozinho de voz do intérprete. Não para Orlando Dias, que lançava, em 1960, Tu Hás de Pensar em Mim, o segundo naquele ano. O LP emplacou vários sucessos, os boleros Nunca Mais, Espera Um Pouco Mais e O Que me Importa (todas de Waldir Machado).

Nessa última, antecipa-se a Odair José, lixando-se para o que digam sobre a mulher ama: “ Que me importa que outros digam que te quero/ que me importa que outros falem mal de ti/ o eu me importa é ser teu amor sincero”. Bolerões assim o tornaram um dos mais populares artistas do cast da Rádio Nacional e o maior vendedor da Odeon. No citado Jornal das Moças, um comentário sobre o astro pernambucano: “Bossa nova de cantor é o que tem feito Orlando Dias em todos os auditórios. Ele faz uma porção de coisas enquanto está no palco. Até canta”

PERNAMBUCO

Quando estourou no Brasil no começo da década de 1960, Orlando Dias já estava com muitos anos de estrada. Começou no Recife ainda de calças curtas, com um conjunto vocal mirim, A Turma dos Onze (o onze, pela idade dos integrantes). Apresentavam-se por dinheiro, em troco de comida, em reuniões de família e clubes sociais. Em 1940, estava na Rádio Clube de Pernambuco como parte do Conjunto de Anjos Rebeldes.

 Tentou lançar-se como cantor, mas foi gongado, interpretando uma valsa. O público protestou, ele voltou a cantar a mesma música e ganhou o primeiro lugar. A família no entanto não via com bons olhos sua inclinação pelo rádio. O pai, que trabalhava na alfândega, o queria também funcionário público. Certamente profissão mais estável do que de cantor, no Recife, onde, até 1948, só havia uma emissora, a Rádio Clube, e nenhuma possibilidade de gravar um disco (a Rozenblit só seria criada em 1954).

 “A minha vida no rádio, em Pernambuco, foram dez anos de esforços perdidos, tive que vencer a resistência da família para conseguir mudar-me para o Rio em busca de uma carreira sólida”, comentou ele, numa longa matéria na Revista do Rádio, em 1954, já relativamente famoso, mas ainda distante do auge. Quem continuava no auge ainda era o rádio, cantores e cantoras eram disputados a peso de ouro, a concorrência entre eles era igualmente grande.

Orlando Dias sobressaiu-se pela performances histriônicas, que levavam cronistas a duvidarem de sua masculinidade (ele casou jovem e enviuvou cedo). Quando, em 1967, apresentou na TV Excelsior o programa A Hora do Sino, ao lado de Ary Leite (ocupando o horário vago com a saída de Chacrinha da emissora), na revista O Cruzeiro saiu o comentário: “Seus animadores são o que existe de pior em matéria de loucura em televisão. Mil vezes o Chacrinha com suas baboseiras. No primeiro programa Orlando Dias ficou muito empolgado e mostrou que o lugar ideal dele é mesmo Petrópolis. Lá não faz calor. É mais fresco.”

 Ele foi contratado da Odeon (chegou a gravar alguns 78 rotações pela pernambucana Rozenblit, nos anos 50), durante mais de 15 anos, mesmo que os sucessos tenham minguado por volta de 1968, com a mudanças de gosto do público. Seu último sucesso nacional foi Com Pedra na Mão (parceria com Maury Câmara), já num estilo mais apelativo, feito a Eu Não Sou Cachorro Não, de Waldick Soriano (que não costumava compor músicas neste nível).

 Quando morreu, em 11 de agosto de 2001, aos 78 anos, em consequência de mal de Parkinson, ou talvez outras enfermidades que a familia não informou, Orlando Dias estava esquecido. Na imprensa, seu obituário foi curto. Somente no Jornal do Brasil ele foi lembrado como “O primeiro rei dos bregas”.

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