Disco

Tom Zé regasta parcerias dos anos 80 com Elifas Andreato

Sem você não A é um disco para crianças e adultos

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 22/10/2017 às 8:58
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Sem você não A é um disco para crianças e adultos - FOTO: foto: divulgação
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“É o batuque vitaminado dos moleques e, para equilibrar o planeta, as meninas chegam com o pitibiri”. Assim é que Tom Zé abre o disco Sem você não A – um fábula alfabética, de Tom Zé e Elifas Andreato. Não é um início convencional de um disco para crianças. Mas Tom Zé tampouco é convencional. Sem você não A foi lançado na semana do Dia da Criança, no Sesc Pinheiros em São Paulo, porém não foi concebido visando a data.

 Ele acertou um projeto com o Sesc, o Estudando Tom Zé, realizado durante o mês de outubro (encerra-se dia 29) e lhe foi sugerido alguma coisa para crianças. “Quando veio o ‘alguma coisa pra criança’, pensei que poderia ser um papo, mas não me veio mais nada. Então Paulinho (Lepetit) me mostrou uma fita de que eu não lembrava mais”, conta Tom Zé. Tratava-se de canções compostas em parcerias com Elifas Andreato em 1988, um musical infantil.:

 “Ele me mandou as letras e fiz as melodias em pouco tempo. Na época, a gente não tinha condições para gravar independente. A gravadora tinha ainda muita importância. Elifas ficou com este projeto nas mãos dele e fui para outras lutas. Isto aconteceu antes do acidente, ou da sorte, do David Byrne ter escutado meu disco e me procurado. No tempo em que eu não tinha pai nem mãe, Elifas me ajudava muito. Qualquer showzinho que eu fizesse na Praça da República, pela prefeitura, uma simples participação, ele botava na Globo”, recorda.

 Tom Zé e Paulo Lepetit consultaram Elifas sobre recuperar o projeto e ele disse que topava. Mas, explica Tom Zé, não podia ser um projeto que envolvesse muita gente. Queria um disco comum, modo de dizer, que com Tom Zé, não há isso de comum: “Demos sorte de ter pego aquelas vozes femininas tão bem combinadas, de Luanda e Andreas Dias. Então fizemos o disco em um mês, numa carreira inacreditável, em dois estúdios. Paulinho ficava em um gravando percussão, sopro e cordas, depois da base feita; e eu aqui em casa gravando com as cantoras. Daí em diante, a gravação foi um prazer, o próprio Elifas ficou muito contente”, conta o filho mais famoso de Irará.

 Ao longo destes quase 40 anos, o projeto ficou na gaveta, mas nem sempre repousando. Tom Zé usou pelo menos duas canções abrigadas naquela fita cassete. Sem você não A foi gravada como Sem a letra A, em The Hips of tradition (1992, Luaka Bop) com o qual ele voltou à tona da MPB, e tornou-se conhecido mundo afora. A outra foi Curiosidade, que está em Com defeito de fabricação (1998, Trama). “Na fita cassete tem versões com violão, e é até curioso. Eu faço uma segunda voz, e sou ruim em segunda voz, também nem sei onde arranjei gravador, um violão muito mal tocado. Aí teve um episódio curioso: os filhos de Elifas, na época crianças, levaram para a escola e lá os outros colegas aprenderam e cantavam como o diabo as músicas. Eu fui lá para ver, foi ótimo”, lembra.

COMPLEXIDADE

 Curioso que as crianças tenham apreendido tão fácil as canções de Tom Zé e Elifas Andreato porque a história é complexa. Envolve desde linguística até política. Além do exercício de mexer na estrutura das palavras, acrescentando-se ou subtraindo-se letras, a fábula tem ainda dois personagens que têm a ver com o contexto político da época: o Silêncio, que seria a censura, e a Curiosidade, criatura questionadora e criativa.

 “Aí é que está outro problema. Aquilo não é para criança assim, sem mais nem menos. Se fosse botar idade no show, era crianças de 14 a 18. Os pais, que gostam de nós, vão trazer os filhos e, naturalmente, vão dar uma ajuda para eles entenderem. Na forma como Elifas queria fazer, cheio de atores, talvez ficasse mais fácil”, diz. Mas, as crianças entenderam o roteiro com o cantor e seu grupo, sem ajuda dos pais. “Tive uma reunião com a banda. Pedi para que se lembrassem de tudo de curioso que a gente já tinha feito no palco. No Pirulito da Ciência, tem uma cena em que eu e Jarbas (Mariz) ficamos batendo no capacete um do outro. Vasculhamos o guarda-roupa procurando roupas antigas. Daí eu, suicidamente, me lancei lá como um aventureiro. Comecei a desafiar as crianças, a escrever palavras sem a letra a. No princípio todos erravam mas, depois de certo tempo, acertaram, usaram até o nome Tom Zé”. Elifas Andreato queria que um livro acompanhasse o disco, mas Tom Zé acha que isso encareceria o projeto, bancado às próprias custas. Resta agora saber como Sem você não A será levado aos palcos pelo Brasil, com a crise que teima em encurtar o dinheiro do publico, mesmo com o governo anunciando números otimistas.

 “Veremos como será feito. Sei que não posso levar um show com seis elementos, mais duas pessoas nos acompanhando. Fica um grupo de oito, nove pessoas. Vamos pensar em versões simplificadas. Topo até com só com Daniel (Maia, guitarrista), ele e Jarbas Mariz já dá pra fazer qualquer disco. Mas só em lugar fechado, num lugar aberto só com banda”, explica.

 DISCO

 As dez canções de Sem você não A não perderam o frescor depois de quase 40 anos de compostas. Pelo contrário, a sonoridade é atual, até porque a gravação do disco é recente. Os arranjos são simples e engenhosos, acrescido de efeitos sonoros. As melodias são cativantes, com predominância do xote.

 Pelo malabarismo constante com as palavras, as letras aparentam ser difíceis, sobretudo para crianças, mas são facilmente assimiláveis. Lembram o célebre repentista pernambucano Lourival Batista, o Louro do Pajeú, o “Rei dos Trocadilhos”. A um cantador que citou “dragão” em um desafio, Louro rebateu: “Para Dragão, estás errado, /pois Lourival já te explica: /tira letra, apaga letra/bota letra e metrifica:/ tira o ‘d’, apaga o ‘r’ /bota o ‘c’, vê como fica”.

 Estes versos de Louro eram entendido facilmente pelo sertanejo, muitas vezes analfabeto. Em Sem Você Não A, as boas melodias de Tom Zé são um reforço para que se apreendam sem  esforço os engenhosos versos de Andreato.

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