Entrevista/João Gordo

João Gordo: 'Minha família me salvou'

Ele garante que enquanto estiver com saúde continuará nos palcos

JOSÉ TELES
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Publicado em 01/02/2018 às 18:32
foto: Wander William/divulgação
Ele garante que enquanto estiver com saúde continuará nos palcos - FOTO: foto: Wander William/divulgação
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Gordo e Ratos de Porão balançam o coro dos contentes há 35 anos. É o que pode se chamar de “lenda viva” do rock nacional, punk pioneiro. Depois de entrar e sair de todas, se jogar valendo, João tornou-se pai de família dedicado, caseiro, vegano, perdeu cem quilos, largou males e vícios, menos a estrada. Nesta sexta, ele e Os Ratos de Porão fazem dois shows no Recife, no espaço Estelita, no Cabanga; Região Central da Cidade, com ingressos esgotados. 

João Gordo, concedeu entrevista ao Jornal do Commercio. Falou da atual conjuntura política e cultural, de ditadura e do futuro do rock e dos Ratos de Porão.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO – Os Ratos de Porão vinham com mais frequência para o Recife. O que houve? A banda está fazendo menos shows agora, ou o público hoje está menos interessado pelo rock e suas vertentes?
JOÃO GORDO – A gente costuma tocar quase todos os anos em Recife e Recife sempre estará em nossa rota enquanto o RDP existir. Conforme a idade chega, problemas também aparecem fazendo com que a gente pise no freio naturalmente mas temos sorte por termos fãs fiéis por onde passamos.

JC –Os Ratos de Porão, você em particular, investiam contra as mazelas da sociedade, questionavam as autoridades e tal. Você acreditava que com música mudaria o mundo, ou as pessoas?
JOÃO GORDO – Quando era moleque e inocente, sim. Mas a gente vai ficando velho e percebe que o mundo é um lugar escroto

JC – Você hoje acredita em alguma coisa? Que futuro nos espera? Ou o futuro é isso que tá aí?
JOÃO GORDO – Eu não duvido que a suástica vire moda daqui a alguns anos... o brasileiro é completamente manipulado e os idiotas com pensamento fascistas se juntaram e mostraram a cara.

JC – Era mais difícil ser punk no final ditadura militar ou nesta “democraria” que temos atualmente?
JOÃO GORDO – Hoje em dia é mais difícil porque na ditadura sabíamos quem eram nossos verdadeiros inimigos.

JC – Falando em democracia, qual tua opinião sobre todo este rolo, de Lava Jato, corrupção, impeachment, indiciamento de quase tudo que é político?
JOÃO GORDO – Tudo isso é um grande teatro. Não dá para acreditar no legislativo, no judiciário... tudo é uma grande farsa.

JC – Alguma luz no fim do túnel?
JOÃO GORDO –Talvez ir embora do Brasil... não dá para saber como o país estará daqui a alguns anos e tenho filhos para criar.

JC – E a música brasileira? Como você vê esta dominação do sertanejo em todo país?
JOÃO GORDO – A indústria acabou com o rock porque o rock estimula a reflexão e contestação. Hoje em dia existe um boicote a qualquer forma de arte que envolva o senso crítico. Para a indústria, quanto menos pessoas pensando e contestando, melhor... é mais fácil de vender.

JC – Você que já tem tatuagens há tanto tempo, como vê esta coisa de tatuagem passar de uma transgressão à moda de sertanejos?
JOÃO GORDO – Cada um faz o que quiser com seu corpo. Faço tatuagens porque eu gosto e elas têm significado para mim. Tatuagem é uma forma de arte. A parte boa de ver esse monte de sertanejo com o corpo tomado de tatuagens é que o preconceito contra pessoas tatuadas está caindo drasticamente.

JC – A juventude hoje está mais conformista?
JOÃO GORDO - Não é que ela está mais conformista... a juventude hoje em dia está estagnada pela quantidade de informação disponível. As pessoas não dão valor quando se consegue tudo de forma fácil.

JC – Será que nas bocadas, nas periferias, está surgindo novos rebeldes, transgressores, para tentar gritar contra as mazelas do seu tempo?
JOÃO GORDO – Sempre existirão pessoas conscientes e inconformadas em qualquer lugar, em qualquer país. Convenhamos que hoje em dia elas são minoria, mas elas nunca deixarão de existir. São pessoas conscientes, que dão valor para a educação, que estão de saco cheio e que param para pensar.

JC – Tem aquele velho ditado, que diz incendiário na juventude, bombeiro na meia-idade. Você está bem casado, é um bom pai, vegano. Chegou sua fase de bombeiro, ou ainda tem instiga para tocar fogo no mundo?
JOÃO GORDO – Minha família me salvou e estou muito mais tranquilo com um milhão de responsabilidades. Criar filhos adolescentes é uma tarefa que exige muito a minha presença. Todos da banda têm trabalhos paralelos para conseguirem se manter, afinal as contas não param de chegar embaixo das nossas portas. Hoje em dia, a vida é diferente e fomos obrigados a crescer a partir do dia que nossos filhos nasceram.

JC – Na cerimônia recente do Grammy ninguém tocando guitarras está entre os premiados. Só dá rapper e cantor e cantora pop. O rock tem futuro?
JOÃO GORDO – No caso do RDP, sei que fazemos músicas para um tipo específico de público e temos um público fiel justamente porque estamos na estrada faz mais de 35 anos. Sabemos que é uma minoria que ouve nossas músicas mas é isso que nos faz continuar.

JC – E os Ratos de Porão até quando continuarão zoando pelo Brasil e pelo mundo?
JOÃO GORDO – Enquanto tivermos saúde, continuaremos tocando pelo Brasil e pelo mundo, seja em festivais grandes ou casas do underground. Cantar é meu vício! É lógico que a tendência é diminuir o ritmo mas continuaremos até o dia que nossos corpos nos permitir.

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