Entrevista/Pinduca

Pinduca, o eterno Rei do carimbó, faz a festa em Olinda

Aos 83 anos anos, ele continua viajando e grava CD este ano

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 16/05/2018 às 14:37
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Aos 83 anos anos, ele continua viajando e grava CD este ano - FOTO: Foto: Divulgação
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Muito antes que a aparelhagem, o tecnobrega e a guitarrada atraíssem as atenções para a música paraense, houve Aurino Quirino Gonçalves, conhecido por Pinduca, que disseminou o então pouco divulgado carimbó pelo País, criou a lambada (ou pelo menos foi pioneiro em gravá-la) e estilizou outros ritmos do Pará, como o siriá e o sirimbó. Nos anos 1960, já era bastante popular em seu Estado e na Amazônia, mas somente gravaria nos anos 1970, quando o carimbó se tornou uma mania nacional. Pinduca passou a ser chamado de O Rei do Carimbó, e está para este gênero assim como, por exemplo, Claudionor Germano está para o frevo.

Ele, que atribui a efervescência musical de Belém à inclinação dos seus conterrâneos por festas, é cultuado pelas novas gerações da música paraense e interage com ela. Quarenta e cinco anos depois de lançar o primeiro álbum, continua reinando no ritmo, em que a rainha é Dona Onete: “Na minha opinião, o carimbó continua numa boa, eu trabalho o carimbó sempre, nunca parei. Atrás de mim apareceram outras pessoas que vão trabalhando. Mas todo mundo vem atrás do Pinduca. Aqui em Belém se toca e se curte tudo quanto é ritmo brasileiro. Sertanejo, samba, frevo, tudo o que aparecer o paraense gosta. É um povo muito festivo e festeiro. Tem um brega paraense, que é uma adaptação do bolero, tem uma rapaziada que inventou uma nova batida e com isso vão se dando bem. Dona Onete está trabalhando bem o carimbó”.

Aos 83 anos, Pinduca tem uma vitalidade invejável. No ano passado foi indicado ao Grammy, na categoria Melhor Álbum de Música de Raízes, pelo disco No Embalo de Pinduca. Neste sábado, O Rei do Carimbó e banda apresentam-se no Clube Atlântico, em Olinda, no Arraial da Venda de Seu Biu, festa que terá também como atrações o Forró na Caixa, o grupo Dirimbó e Dinda Salú & Trio Praíba. Prometendo “botar quente” no show em Olinda, onde tocou muitas vezes, nos anos 1980, quando o lugar se chamava Forró Cheiro do Povo, Pinduca conversou, por telefone, sobre sua carreira, e sobre a música paraense, enfatizando, claro, o carimbó.

Ele ressalta que o carimbó não é criação sua, como muita gente imaginou quando ele se tornou um sucesso nacional em 1974: “O carimbó eu apenas modernizei, é uma música de raiz, como o forró de pé de serra daí. Modernizei o carimbó e todo mundo seguiu minha linhagem. Cantei também o sirimbó, siriá e lambada. A diferença entre eles é a velocidade do ritmo. O sirimbó é mais acelerado, o carimbó é mais lento. Porém eu trabalho os dois na mesma velocidade de andamento. Faço também o merengue, que não é música daqui. Mas quando viajo para fora do Pará não canto merengue, só as minhas músicas. A lambada é uma criação minha, mas quem se deu bem com ela foi o Beto Barbosa”.

Nascido em Igarapé-Mirim (a 78 quilômetros de Belém, também a cidade natal de Dona Onete), filho de pai professor de música, Pinduca (o apelido vem de um personagem de quadrinhos) começou na música aos 14 anos, na percussão (toca diversos instrumentos). Chegou a dirigir e foi também crooner numa orquestra com 12 músicos, se garantindo com o salário da Polícia Militar, de onde se reformou como tenente. Na PM também trabalhava com música, dirigindo a banda da instituição:

“Quando estourei, que precisei viajar, sempre tive apoio, todos os meus superiores me apoiavam porque eu estava fazendo um trabalho cultural. O carimbó era uma música que ninguém conhecia, eu abracei a causa de fazer o carimbó se tornar conhecido através do meu trabalho. Antes de mim, tiveram outros, como o mestre Lucindo, um dos pioneiros do carimbó de raiz. Já falecido, tocava aquele carimbó de 100 anos atrás. O carimbó só veio aparecer quando comecei a gravar, criei uma nova batida, botei instrumentos para modernizar. O carimbó é afro-brasileiro, com influencia indígena e portuguesa. Quando houve a colonização do Estado do Pará, nos roçados dos canaviais, faziam aqueles festinhas, cantando e batendo tambor. O carimbó usava o curimba, um tambor, reco-reco, chocalho, e o banjo, às vezes uma flauta ou um clarinete, se não era na base da cantarola mesmo”.

Pinduca e sua banda, nos anos 1960, tocavam os sucessos das paradas – boleros, calipsos, chá-chá-chá – e ousavam incluir os ritmos locais no repertório, o que não era bem aceito nos clubes chiques do Pará: “Não gostavam. Me proibiram de tocar carimbó nas casas, nos clubes, mas eu insisti, até que consegui, isso nos anos 1960. Eu já tinha um conjunto musical com guitarra, contrabaixo, mas não gostavam por ser carimbó, música que vinha lá do interior, Marapanim e Irituia. Onde eu nasci, no Igarapé-Mirim, tinha o bambuê, mas não o carimbó. Então quando cantava carimbó era muito criticado, xingado. Nos clubes me davam vaias, mas eu não dava confiança. No Recife, jogaram cerveja na minha cara, num clube que nem lembro o nome, era uma festa de jovens. Um camarada não gostou da música e fez isso comigo. Nunca liguei pra essas coisas, não estava nem aí, eu tinha que fazer o que pretendia”, conta Pinduca, cujo irmão Mário Gonçalves foi músico e pioneiro no gênero que ficou conhecido como guitarrada.

É de Mário Gonçalves o contagiante riff de guitarra da primeira lambada gravada, faixa do disco No Embalo do Carimbó e Sirimbó, Volume 5, de Pinduca (Copacabana 1976). A bem da verdade, em 1975, Nicolino Copia, ou Copinha (1910/1984), gravou uma música intitulada Lambada, no álbum Jubileu de Ouro (Som Livre), com ritmo mais próximo do maxixe. Mário Gonçalves especializou-se em lambadas. Seu disco de estreia chama-se Guitarrando na Lambada. Apesar do pioneirismo, ele raramente é lembrado quando se citam nomes da escola paraense de guitarristas: “Isso de guitarrada é invenção do paraense, que cria ritmos e dá nome. Meu irmão Mário Gonçalves era solista de guitarra, gravou disco com o nome de Guitarrada. Naquele tempo tinha também Vieira, o Lobato. Mas Mário Gonçalves simplesmente parou de tocar. Abriu um negócio caseiro de padaria. Sei que se deu bem no comércio e saiu da música”.

ELIANA PITTMAN

Eliana Pittman, hoje pouco lembrada, é uma cantora, filha de um saxofonista americano, Booker Pittman, que veio para São Paulo e casou com uma brasileira. Nos anos 60, Eliana fazia dupla com o pai (o disco de estreia dos dois, de 1963, tem selo da Mocambo/Rozenblit). Era uma cantora eclética (para alguns demasiadamente eclética), que cantava os mais diversos ritmos, e em vários idiomas. Em 1973, Eliana Pittman conheceu Pinduca e o carimbó. Seu LP de 1974, Tô chegando, Já Cheguei (Phillips), poderia ter o destino dos seus outros discos: vender bem, mas não o bastante para que a gravadora fizesse dela uma prioridade.
O álbum é basicamente de sambas. Como um estanho no ninho, a sétima faixa fez um pot-pourri de canções gravadas por Pinduca: Mistura de Sirimbó, Sinhá Pureza e Carimbó do Mato. Pela primeira vez, Eliana Pittman estourou de Norte a Sul do país. No álbum seguinte, Pra Sempre, a cantora repetiu a fórmula. Mais um pot-pourri de carimbó, também sucesso, e que fez os ritmos paraenses se tornarem febre musical. Quem vai Querer (1978), foi o terceiro e último disco de Eliana Pittman, com um pot-pourri de carimbó, que sairia da moda, com o surgimento de um ritmo dançante importante, a discoteca:
“Eliana veio aqui, conheceu a música gravou, fez sucesso e depois deixou o carimbó. Mas é sempre assim. Quem fica rico como cantor é o pessoal do Rio e São Paulo, aqueles, sim. Aqueles gravam qualquer coisa ficam logo ricos. Nós, do Norte e Nordeste, damos só sustentação pra eles. Direito autoral só rende pra gente da Bahia, Rio e São Paulo. Nós só recebemos o troco”, comenta Pinduca, que não se queixa, pelo contrário, diz que não é rico, mas tem uma vida regular:
“Minha carreira está disparada, estou cheio de programas aí fora: Manaus, São Luís, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife. Lancei Cavalo Velho no Recife, foi o maior sucesso. De repente, os meus empresários envelheceram e não quiseram mais trabalhar”.

Para o show em Olinda, ele virá com banda e com os trajes que se tornaram marca registrada sua. Roupas de tecido brilhante, cores fortes e o chapelão, com a aba fartamente decorada: “É um chapéu muito grande, de pescador, enfeitado com miniaturas de artesanato do A-Ver-o-Peso, o mercado daqui. Pesa um pouco, mas já estou acostumado, todos esses anos. Tenho um kit dele, é só despachar no avião, sempre chega bonitinho. Mas não uso o mesmo chapéu há anos. Aquilo é um produto descartável, tem uns meses de duração. Depois de três, quatro meses, eu mando fazer outro. Complementando, promete cantar os muitos sucesso que amealhou numa discografia de 36 discos (pretende começar a gravar mais um no segundo semestre).

FORRÓ E CARIMBÓ

O carimbó e o forró caminham juntos desde que o ritmo paraense virou a dança da moda. Abdias, o tocador de oito-baixos, que produzia o forró da CBS, reuniu alguns dos forrozeiros em evidência, em 1974, e gravou com eles a coletânea Seleção de Carimbó, que teve dois volumes e participações de, entre outros, Messias Holanda, Elino Julião e Marinês. Os forrozeiros passaram a incluir os ritmos cearenses em seus discos. Portanto, esta união que acontece Clube Atlântico tem uma história já longa.

As atrações que dividem palco no Clube Atlântico com Pinduca não vão só de forró. O grupo Forró na Caixa, por exemplo, vai também de cavalo-marinho, coco, e os vários ritmos abrigados no balaio a que deram o nome de forró, xote, baião, arrasta-pé. A Dirimbó, uma banda em plena ascensão, navega nas mesmas águas amazônicas de Pinduca. Formada por Rafa Lira (vocal e guitarra), Milla Bigio (vocal e percussão), Vitor Pequeno (guitarra), Mário Zappa (baixo), Bruno Negromonte (percussão) e Alberto Ramsés (bateria), a Dirimbó imprimiu o sotaque pernambucano aos ritmos paraenses. Por sua vez, Dinda Salú & Trio Praíba vão de forró rabecado, com cavalo-marinho, na mesma linha do pai, o Mestre Salustiano.

l Arraial da Venda de Seu Biu, sábado, Clube Atlântico de Olinda, telefone: 9 9504.6213

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