Disco

Edu, Dori & Marcos, a segunda geração da bossa nova reunida

Um encontro despretensioso, único, e requintado

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 10/07/2018 às 11:53
Foto: Clara Nascimento/Divulgação
Um encontro despretensioso, único, e requintado - FOTO: Foto: Clara Nascimento/Divulgação
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Edu, Dori & Marcos. Soa como início de um livro que conta a história de três amigos de infância, digamos, que se afastaram em determinado momento da vida, e se reencontram no outono da existência para relembrar experiências de seis décadas atrás. Troque-se livro por disco e o restante pode-se permanecer igual. Edu Lobo, Dori Caymmi e Marcos Valle são três cariocas, nascidos no mesmo ano, 1943, e que saíam da adolescência quando a bossa nova surgiu pelas mãos e voz de João Gilberto.

Edu Lobo e Marcos Valle estudaram no mesmo colégio, o Santo Inácio, e Dori Caymmi conheceu Marcos por meio de Edu.
Pois é, não fossem as inovações de João Gilberto todos aqueles grandes compositores não teriam muito em comum entre si. Quem ligou Tom Jobim, Carlos Lyra, Bôscoli, Menescal e Newton Mendonça foi João Gilberto. Ele era a bossa nova. Algo tão forte que Edu Lobo conta que passava férias no Recife, em 1959, quando escutou João pela primeira e teve um susto. Depois que soube do que se tratava, tornou-se fissurado naquela sofisticada variação do samba. De uma forma ou de outra aconteceu o mesmo com Dori Caymmi e Marcos Valle.

Edu e Dori são filhos de músicos, nomes bem conhecidos no Rio, o pernambucano Fernando Lobo e Dorival Caymmi (a mãe de Dori, Stela Maris, foi cantora de talento), respectivamente. Assim, tiveram mais facilidade de conhecer os papas da bossa nova. Edu Lobo tornou-se um dos “parceirinhos” de Vinicius e, em 1965, uma canção dos dois, defendida por Elis Regina, ganhou o primeiro Festival da Música Popular Brasileira, da TV Excelsior. Pode ser considerada o marco zero do que se convencionou chamar de MPB, música popular brasileira feita por artistas de nível universitário para ser consumida por um público de igual nível. Claro, não tão estritamente segmentada. Arrastão tocou muito no rádio e foi cantada em todas as classes sociais.

A segunda geração da bossa nova criou a música mais sofisticada na história da música popular brasileira, e esses três amigos estão na linha de frente desta geração. Em 1961, a trinca formou um trio de bossa nova, mas logo seguiram caminhos próprios. Marcos Valle, compondo com o irmão Paulo Sérgio Valle, foi o primeiro a estourar no exterior com Samba de Verão. Dos três foi o primeiro a se internacionalizar, quando a faixa estourou mundo afora inicialmente com o grupo de Sérgio Mendes (receberia cerca de 80 regravações).

Edu Lobo foi o que mais tempo permaneceu no Brasil, embora quando a barra tenha pesado, depois do AI-5, tenha ido para Los Angeles, onde se aperfeiçoou em arranjos e orquestração. Dori Caymmi, arranjador requisitado desde meados dos anos 1960, também viveu nos EUA. Enfim, feito num enredo de cinema, os três amigos se reencontram, só que num disco embalado por uma bela capa de Nana Moraes, Edu, Dori & Marcos.

São quatro faixas pra cada um. Edu Lobo abre com uma parceria de Dori Caymmi com Fernando Pessoa, Na Ribeira deste Rio (lançada, em 1985, no álbum A Música em Pessoa, tributo ao poeta português). Dori, por sua vez, é intérprete de Bloco do Eu Sozinho, parceria de Marcos Valle e Ruy Guerra de meio século atrás, faixa do LP de estreia de Joyce Moreno, que acaba de regravá-la num remake deste álbum. Saveiros, parceria de Dori com Nelson Motta, que ganhou o 1º Festival Internacional da Canção, fica a cargo de Marcos Valle.

REUNIÃO

Às vezes amigos de infância se reencontram num esbarrão casual em uma rua qualquer. Os três “esbarraram-se” num palco, mas não em um qualquer. Dori Caymmi e Edu Lobo participaram no Rio, em 2016, de um show em que Marcos Valle celebrava 50 anos de carreira com a cantora americana Stacey Kent. A sugestão para o disco foi de Edu Lobo. Um trabalho mais despretensioso, na medida em que músicos feito estes conseguem ser despretensiosos. Cada um escolheu uma música do amigo de que gostava. Viola Enluarada, de Marcos e Paulo Sérgio Valle, por exemplo, foi regravada por Edu Lobo, com arranjo de Cristóvão Bastos.

Nenhum participa da gravação do outro, embora os três praticamente empreguem os mesmos músicos, a nata de instrumentistas da cena carioca, veteranos que tocam há anos com o alto escalão da MPB, como o baixista Jorge Helder, o baterista Jurim Moreira, o violonista Lula Galvão, o saxofonista Marcelo Martins, enfim, só cobra criada.
Não por acaso, o disco tem selo da Biscoito Fino, que abriga essa seleção de biscoito finíssimos da MPB: canções como não se fazem mais, mas que continuarão sendo lembradas, executadas pelos séculos afora, feito a dos grandes mestres da música erudita – que já foi popular em sua época.

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