Lançamento

Show de Almério e Mariene de Castro vira disco

Gravado pela Biscoito Fino, garavação aconteceu na Casa do Choro, no Rio de Janeiro

Bruno Albertim
Cadastrado por
Bruno Albertim
Publicado em 24/09/2018 às 17:30
Ana Migliari / Divulgação
Gravado pela Biscoito Fino, garavação aconteceu na Casa do Choro, no Rio de Janeiro - FOTO: Ana Migliari / Divulgação
Leitura:

Na última segunda-feira (17), as portas fechadas, para sempre, do centenário Bar Luiz denunciavam: violento e em crise, o Rio nunca teve um ocaso tão grande em sua vida noturna. Mas o burburinho diante do sobrado 38 indicava que alguma luz havia na histórica Rua da Carioca. Instituição dedicada à pesquisa, registros e apresentações de música de fino trato, o anfiteatro da Casa do Choro sediava a gravação, ao vivo, de Acaso Casa, o disco decorrente do elogiado show da baiana Mariene de Castro com o pernambucano Almério, apresentado, meses antes, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Com a quantidade de profissionais, críticos, alguns amigos e personagens importantes da cena musical carioca, o show que serviu para a gravação do disco confirma a estrela ascendente de Almério. De prestígio consolidado, Mariene já tem trânsito cativo na ambiência musical carioca. Almério acaba de ser consagrado como Cantor Revelação no último Prêmio da Música Brasileira (PMB) e ungido pela crítica nacional com seu último disco.

“Desempena tem cacife para projetar Almério Rodrigo Menezes Feitosa muito além das fronteiras de Caruaru (PE), cidade onde o artista entrou em cena a partir de 2003 com estilo performático e um canto andrógino que faz ecoar o nome de Ney Matogrosso entre outras referências menos óbvias, mas até mais pertinentes”, tingiu-lhe o tarimbado Mauro Ferreira (G1).

Sob direção de José Maurício Machline, criador do PMB, o disco traz a espontaneidade bem ensaiada do show que une, sem diluição, as personas artísticas de ambos. Em princípio séria e reverente, depois densa e ao mesmo tempo brincalhona como na sala de casa, vestido solto de muitos babados como uma capa interiorana, pés descalços, cabelos leoninos, Mariane canta com autoridade de orixá – confirmando a influência matricial de Clara Nunes. De um canto ambíguo, sinuoso, cristalino e laminoso, Almério ilumina com aboios muito particulares tudo o que canta. Impressiona não apenas pelo timbre raro, mas pela dicção precisa.

Com coordenação e produção executiva de Tadeu Gondim, da Atos Produções Artísticas (PE), e da carioca Rinoceronte Produções, a gravação e lançamento são da Biscoito Fino, gravadora carioca que reúne o último rincão de grandes estrelas na MPB no elenco, como Chico Buarque e Maria Bethânia.

Com sonoridade delicada, minimalista, impressa acorde a acorde, o disco terá as vozes dos intérpretes à frente. A cama instrumental é garantida por um trio. Juliano Holanda, com seu violão narrativo; Pedrinho Franco com suas cordas impetuosas, responsáveis pela marcação. A textura sonora mais constante é da sanfona urbana, sofisticada, de Geo Barbosa.
No repertório, Álmerio e Mariene afirmam, linda e poeticamente, ausências, dores e orgulhos do sertão de cada um: o recôncavo da baiana, o brejo e o existencialismo urbano de Almério. Nem Chico César, o autor da canção, aliás, poderia ser tão épico como Almério na interpretação da pujante Perto de Mais de Deus (“... Essa gente é o diabo, e faz da vida de Deus um inferno”), que deixou Mariene e o teatro boquiabertos. Antes, como preâmbulo, a baiana canta, densa, Deus Me Proteja, também de Chico César.
São 22 canções, pouquíssimas do repertório habitual de ambos. A idéia é reforçar o ponto de intersecção entre as duas personalidades – bem indicada no tema de abertura, Lamento Sertanejo (Gil e Dominguinhos), informando bem os arquétipos que serão acionados nas vozes alternadas de ambos. Depois, Mariene assume o microfone, meiga, em Foguete (Roque Ferreira e Jota Veloso).

COICE

O disco-show reassume o arco da urgência quando Almério volta ao microfone e solta, rascante, Na primeira manhã (Alceu Valença); irônico, em Salão de Beleza (Zeca Baleiro) e agudamente vertiginoso com Fala, clássico do repertório dos Secos & Molhados cuja versão já ganhou elogios do próprio Ney Matogrosso. De seu repertório, Almério comparece apenas com Segredo e São João do Carneirinho, ambas de Isabela Moraes, e nesse show de andamentos um pouco mais velozes, apagando algumas nuances das versões originais. Já definitiva, a versão em blues de Januário aparece na voz do cantor com a força de um clássico.
Mariene fica em casa quando canta os sambas Ser de Luz, Saudade Louca e as espirituais Águas de Oxum em medley com Tirilê, de domínio público. “Não me sinto mais só nesse mundo, parece que tem alguém que entende o que eu entendo”, derramava-se a baiana sobre o parceiro. “Você, pra mim, será sempre essa deusa na terra”, devolvia Almério antes de encerrarem a apresentação, em dueto, com Canto de Ossanha, de Vinícius, o que rendeu um dos momentos engraçados da noite. Ao encostar as testas para dar mais tensão à interpretação, Almério acabou dando uma “cabeçada” em Mariene. “Vai ter troco, se prepare para o coice, viu, Almério”, avisou a baiana, arrancando gargalhadas gerais, antes de repetirem a música para melhor captação de áudio.

 

 

Últimas notícias