História

Geoff Emerick é um a menos na história dos Beatles

Do produtor George Martin a amigos de infância, muitas baixas

José Teles
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José Teles
Publicado em 07/10/2018 às 10:44 | Atualizado em 07/10/2021 às 12:23
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Do produtor George Martin a amigos de infância, muitas baixas - FOTO: Foto: divulgação
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Geoff Emerick, o engenheiro de som dos Beatles, em praticamente todos os discos, faleceu em 3 de outubro, aos 72 anos, de um ataque cardíaco. Menos um na corte que circulava em torno do quarteto mais famoso do mundo nos anos 1960. Restam poucos. Afinal descontando a fase iniciante, não totalmente profissional, é muito tempo. Contados apenas partir do primeiro compacto pela Parlophone, são 57 anos. Norman Smith, que foi substituído por Geoff Emerick, por exemplo, morreu há dez anos. Ele foi o engenheiro de som titular de Please Please me a Rubber Soul, quando foi promovido a produtor, na EMI.

 Curioso é que Smith também era músico e compositor. Quando deixou de trabalhar com os Beatles resolveu gravar uma canção que tinha feito para John Lennon, que a recusou. Com o nome de Norman Hurricane Smith, ele estourou mundo afora, em 1971, com Don’t Let it Die. Seu chefe, George Martin, viveria um pouco mais do que Smith (que morreu aos 85 anos). O mais célebre produtor de música pop do século 20 foi um sortudo. Quando os Beatles foram fazer um teste na Parlophone, George Martin por pouco não dispensa a banda. Aceitou o quarteto porque os integrantes era bem humorados e espirituosos. De humor Martin entendia.

 A Parlophone era um selo vinculado a EMI especializado em discos de humor, enquanto os melhores humoristas da Inglaterra vinham do Norte em geral, e de Liverpool em particular. Sua morte aos 90 anos em 2016 foi um baque para os dois remanescentes dos Beatles, até para Ringo, que foi preterido por George Martin na primeira gravação do grupo, e substituído por um baterista de estúdio, o escocês Andy White, que tocou em Love Me e P.S. I Love You. White morreu em 2015, com a mesma idade de Norman Smith, 85 anos.

AMIGOS

 Esses nomes citados, inclusive o próprio George Martin, não faziam parte do círculo mais íntimo dos Beatles, composto, em sua maioria por amigos de infância. Um destes, Neil Aspinall, colega de classe de Paul McCartney, e amigo de infância de George e John, desempenharia mais tarde papel importantíssimo nas finanças do grupo. Antes disto, foi o cara quebra-galho, de motorista da van ao responsável por conseguir as fotos das personalidades na capa do álbum Sgt Peppers.

 Em 1968, Aspinall começou a dirigir a Apple Corps, e acabou se tornando o mentor financeiro dos Beatles, o que fez até o final da vida. Esteve à frente dos relançamentos, dos vários processos contra a Apple, a megacorporação de iPhones, notebook, iPods. Foi ele também quem coordenou a série Anthology. Em 1962, todavia, Neil Aspinall por pouco não deixa de trabalhar com os Beatles, quando Pete Best foi substituído por Ringo Starr. Ele namorava com a mãe de Best (17 anos mais velha que ele).

 Quando assumiu a Apple Corps, Neil Aspinall trouxe para a empresa o ex-assessor de imprensa Derek Taylor, que deixou o grupo para trabalhar em Los Angeles, com os Byrds e outros astros da Costa Oeste. Taylor esteve no círculo intimo dos Beatles de 1968 até 1970, e é o autor do release que oficializa o fim da banda. O texto tem uma abertura que merece se transcrita: “A primeira vera chegou, o Leed via enfrentar o Chelsea amanhã, Ringo, George e John e Paul estão vivos, e passando muito bem, e cheio de esperanças. O mundo continua girando, como estamos nós e estão vocês. Quando parar de girar – será o momento de se preocupar. Não antes disto”. Derek Taylor colaborou com George Harrison na autobiografia I Me Mine, e escreveu um dos melhores livros não apenas sobre os Beatles, como também sobre os anos 60: As Time Goes By: Living in the Sixties (Rock and Roll Remembrances Series No 3), publicado em 1990, e relançado em 2017, nos vinte anos da morte de Derek Taylor, falecido de câncer aos 65 anos.

Do círculo inicial de amizades fazia parte Peter Shotton, um dos integrantes dos Quarrymen. A bandinha colegial que se tornou o embrião dos Beatles, teve John, George e Paul entre seus membros. Shotton, falecido de um ataque cardíaco em 2015, aos 75 anos, foi o grande amigo de John Lennon. Uma das raras pessoas que os Beatles permitiam que permanecesse no estúdio enquanto ele gravavam.

 Peter Shotton às vezes ia, além disso. Lennon compunha uma canção quando recebeu a visita de Shotton, e lhe pediu uma ajuda na letra, sugerindo que ele lembrasse os antigos versinhos com que brincavam na escola, e ele citou estes: “Yellow matter custard, green slop pie/All mixed together with a dead dog’s eye”, acrescentado por John em I’m the Walrus. Financiado por John Lennon, ele abriu uma bem-sucedida cadeia de restaurantes Fatty Arblucke’s.

 O empresário Brian Epstein faleceu jovem, aos 33 anos, de uma overdose de remédios pra dormir, em um momento crítico na carreira dos Beatles, em 1967, quando eles tinham decidido a abandonar os palcos. O segundo empresário, o americano Allen Klein, viveu até os 78, e quando morreu sofria de Alzheimer. Ambos desempenharam papéis antagônicos na carreira do grupo. Enquanto Epstein preparou o caminho que o quarteto seguiria até se tornar o maior nome do show business mundial, o segundo explorou a marca até disseminar a confusão entre os integrantes, e contribuiu para o final dos Beatles (foi processado por todos os quatro).

 Foram muitas as baixas na longa e tortuosa estrada de John, Paul, George e Ringo, incluindo ainda Linda McCartney e Maureen Cox, mulheres de Paul e Ringo, respectivamente, não excetuando obviamente, a morte de dois deles, John e George (e ainda a de Stuart Suttclif, o primeiro baixista, no limiar da fama do grupo, em 1962). Porém uma das mais sentidas e estranhas foi a do super-roadie Mal Evans.

 Um gigante de mais de dois metros, Evans começou a trabalhar com o grupo ainda nos tempos do Cavern Club. Foi de carregador de instrumento a participações especiais nas gravações. Quando os Beatles debandaram, ele continuou trabalhando para a Apple Corps até ser demitido por Allen Klein.

 Em meados dos anos 70, estava, como quase todo mundo, em Los Angeles, morava num duplex e escrevia suas memórias, Living the Beatles Legend. Uma noite, em janeiro de 1976, discutiu com a namorada e apanhou um rifle, que nunca se soube se estava carregado. Ao ver o homenzarrão armado, a polícia pediu para ele largar a arma. Não foi obedecida, os policiais atiraram para matar. O cantor Harry Nilsson, na época amigo de farra de John Lennon, encarregou-se de mandar as cinzas de Mal Evans para a família na Inglaterra.

 As cinzas sumiram. Foram descobertas, em 1980, no arquivo das correspondências devolvidas dos correios, e finalmente entregue aos parentes de Evans. Em 2015, um escritor chamado Peter Lee escreveu um dos mais interessantes livros sobre os Beatles, de ficção, à maneira de Stephen King, The Death and Life of Mal Evans. Na história, em vez de morrer, Evans volta a 1969, e tenta evitar que os Beatles morram, enquanto ele procura escapar da própria morte pela qual é acossado o tempo inteiro.

 

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