Mimo 2018

Musicalidade incendiária dos palestinos da 47 Soul toma conta de Olinda

Noite de sábado do festival teve também show antológico do rapper Emicida

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 25/11/2018 às 1:25
Divulgação/Mimo 2018
Noite de sábado do festival teve também show antológico do rapper Emicida - FOTO: Divulgação/Mimo 2018
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Noite do sábado. Praça do Carmo com uma densidade demográfica digna de Carnaval de Olinda. Uma lua gigante no céu, nenhuma lembrança da chuva da noite anterior e, no palco, o que pôde, de fato, ser considerado um acontecimento - não apenas da noite, mas de toda a edição de 15 anos do Mimo: a presença da banda palestina 47 Soul.

Baseada em Londres, sem autorização legal para entrar em território palestino, símbolos e consequência do endurecimento de fronteiras no mundo globalizado e virtualizado, herdeiros afirmativos da gente da região, a banda dos quatro rapazes é celebrada em alguns dos principais festivais do mundo como a ponte mais afiada entre as remotas tradições palestinas e o melting pot sincrético do século 21.

Com um discurso potente sobre pertencimento, desterro, migrações, identidade e liberdade, o grupo do vocalista Walaa Sbeit foi, no palco, pura vertigem. O público não sabia se entregava o corpo à dança ou ficava paralisado, bebendo cada som ou palavra.

Numa combinação incinerante de posicionamento político e afirmatividade sobre umas das questões histórico-geográficas e sociais mais simbólicas e ainda trágicas desde o conturbado século 20 e o despudor do hedonismo festivo do 21, a 47 Soul fez um show histórico. Difícil explicar e resistir àquele turbilhão de sopros palestinos num liquidificador de rock, reggae e hip hop - no mundo inteiro, eles são apresentados como uma banda palestina de hip hop. A maior delas. "Nossa música é contra o fascismo, contra o racismo, contra o apartheid e pela libertação da Palestina", disse o vocalista, seguido dos gritos do público: "Free, Palestine!".

PERIFERIA NO CENTRO

Depois dos palestinos, a noite teve como estrela o rapper brasileiro Emicida. Postura calculadamente combativa como seu discurso, a presença do rapper paulistano Emicida num festival como o Mimo - que, apesar das dificuldades de realização, chegando a ter uma de suas edições suspensas há três anos por falta de apoios, tem patrocínio de órgãos oficiais e de um dos principais bancos privados do País - mostra como estamos revendo nossas noções de centro e periferia. A música de Emicida não é só para o corpo. Emoldura os discursos e discussões do contemporâneo: feminismo, violências, racismo. E nem fica restrito à moldura mais tradicional de rap. Incorpora, como marca do contemporâneo que é, doses fartas de semba, fank de morro, percussões baianas de Olodum e até o pagodão mais comercial.

Mais cedo, o festival teve a cortina sonora de Egberto Gismonti, um veterano do Mimo, com nove participações. Dentro da Igreja da Sé, Gismonti promoveu sua liturgia num passeio por seus mais de 60 álbuns que, além do magnetismo, contribuíram para a hoje tão decantada diluição da fronteira entre o erudito e o popular. Um encontro raro com um músico que, celebrado mundialmente, toca pouquíssimo no Brasil.

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