Novos Caminhos

O Terno faz retrato da emancipação de uma geração em novo disco

'Temos uma geração que trabalha muito com a superfície, mas o que fica represado no profundo?', diz Tim Bernardes sobre disco d'O Terno, 'atrás/além'

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 06/05/2019 às 9:18
Foto: Biel Basile/Divulgação
'Temos uma geração que trabalha muito com a superfície, mas o que fica represado no profundo?', diz Tim Bernardes sobre disco d'O Terno, 'atrás/além' - FOTO: Foto: Biel Basile/Divulgação
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O trio paulista O Terno já é bem referenciado como um dos nomes mais interessantes do rock nacional contemporâneo. Agora, seu último álbum, atrás/além, lançado na última semana, deixa mais difícil colocá-los em uma moldura de gênero tão fechada assim. Tal momento costuma ser um bom indicativo de que frutos musicais estão amadurecendo, sendo sintomático que o novo disco da banda seja justamente sobre envelhecer e colocar as expectativas do passado em perspectiva com as realizações do presente. Aqui, Tim Bernardes, Guilherme D’Almeida e Gabriel Basile parecem deixar as guitarras um pouco de lado para reforçar mais a amizade com o piano, o violão e as orquestrações.

Das poucas constâncias, uma delas está em cantar a fase que se vive. Bernardes, compositor das letras, se aproxima dos 30 anos, o que lhe impulsiona a falar sobre a chegada da vida adulta, dialogando também com o envelhecimento do público. Entretanto, entender o que é a vida adulta para um jovem brasileiro em 2019 carrega tantas particularidades que certamente não estamos falando de letras carregadas de certezas. "É uma época de muita velocidade, mídias sociais. A imagem é manipulada, o tempo é curto, temos uma geração que trabalha muito com a superfície, mas o que fica represado no profundo? Fazemos um retrato desse momento de emancipação, de entender o que a gente queria da vida e o que realmente fizemos", elabora Tim.

"Preocupado, viciado/no ritmo frenético/de um jovem anos 10/ não sei como parar", diz os primeiros versos de Pegando Leve, faixa leve e animada, ilustrando bem os rumos temáticos. Já Nada/Tudo, mais densa sonoramente, fala em "não tem como prever/ e idealizar/ serviu para eu me prender/ e me paralisar", abraçando a citada ideia das expectativas confrontadas com o que foi realmente concretizado. Assim como atrás/além, faixa homônima ao álbum, e Nada/Tudo, o disco ainda conta outras dualidades expostas em títulos, como em Profundo/Superficial e Passado/Futuro. Não se trata de choques, mas de coexistências.

"Esses contrastes são simultâneos e não uma coisa de escolher um ou outro. Não é um disco alegre ou triste, engraçado ou sério, mas um disco alegre e triste, engraçado e sério. Eu gosto muito, por exemplo, quando um filme é sobre nada, sem ser uma comédia ou drama, porque ele está filosofando sobre a vida em geral. Queremos romantizar a vida dessa forma e não romantizar só um polo da coisa", explica Bernardes.

Um novo meio caminho

Essa lógica, de certa forma, se reflete na sonoridade alcançada. A bem sucedida busca por um meio caminho entre uma formação de banda e uma orquestral foi por essa lógica de não-exclusão. Na verdade, O Terno já fez experimentações pontuais com texturas que se assemelham bem com a atrás/além, como pode ser escutado em canções como Desaparecido, do álbum homônimo de 2014, e Depois Que a Dor Passar, do Melhor do Que Parece, de 2016. "A grande diferença desse disco é ter uma safra de canções da mesma época, em torno de um assunto e apostando na unidade, não na variedade. Não é só porque somos uma banda de muitos volumes de decibéis na mão que iremos usar tudo”, conta o vocalista.

O esquema criativo continuou com Tim trazendo as composições em voz e violão, só que agora houve uma tentativa de manter a "crueza" dessa criação simples, mas com a potência de ter uma talentosa banda por trás. Diferente dos outros discos, em que o músico tinha uma ideia de como queria que tudo soasse, atrás/além não teve esse apego, foi construído com o tempo em um ano de estúdio. Nesse ponto, ele se comunica mais uma vez com as temáticas das letras, em relação a expectativas de um projeto e o que acabou sendo o resultado final.

Nesse viés de se experimentar e tocar não o que se espera, mas o que se tem vontade, surgem composições carregadas na poesia existencial, mas também há momentos mais dissonantes, como Bielzinho/Bielzinho, um sambinha bem Jorge Ben da década de 1960, mostrando o virtuosismo da banda e a manutenção de sua capacidade de brincar consigo mesmo. "A gente foi se apresentar fora do país e vimos como esse tipo de samba é algo que gostamos. Fizemos essa brincadeira que homenageia o Biel (baterista da banda), ele até ficou sem jeito, mas decidimos que a música precisava estar no disco, pois é sobre nós. Nós temos muito disso, de não se levar a sério, mas também não só se zoar", diz.

No final de tudo, mesmo com esse afastamento da linguagem mais rock, não fica dúvida de que trata-se de um disco d’O Terno. A banda mostra não se prender nos casos bem sucedidos do passado, mas ainda assim, preservar uma essência. Talvez ela esteja amarrada pelos diversos talentos que há lá, seja na versátil voz de Bernardes ou na capacidade do grupo em desenvolver belos arranjos para as mais diversas sonoridades. O trio mostra uma ampla consciência sobre o que está fazendo e amadurecer enquanto canta o amadurecimento é um sintoma disso.

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