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Ortinho canta o amor em primeiro álbum de trilogia

Disco é estreia de Jorge duPeixe como produtor

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 23/05/2019 às 14:28
Foto: Hugo Sá
Disco é estreia de Jorge duPeixe como produtor - FOTO: Foto: Hugo Sá
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Nas Esquinas do Coração é o primeiro disco de Ortinho em nove anos. O anterior foi Herói Trancado, de 2010. O hiato entre um e outro não se deve a um vazio criativo, mas a tempo em que ele, pela primeira vez, procurou se conhecer, tentar modificar sua forma de ser. “Eu precisava sair do Recife, porque quanto mais tempo passava aí, mais metia meus pés na lama. Passei uma fase muito difícil, me separei, logo depois minha mãe morreu. Isto e outras coisas mexeram com a minha cabeça. Vim para São Paulo, me casei novamente uma pessoa ótima”. Nesta busca, Ortinho foi até a Amazônia peruana, rituais com ayahuasca mostraram-lhe caminhos, afirma. “Passei um tempo viajando. Fui pro Peru, tomei a ayahuasca, tive umas alucinações. No primeiro dia, uma voz me dizia que o amor era o sentido de tudo. Outra voz me disse que a coragem era a paz, e uma terceira que o respeito era o caminho da estrada que está sendo construída”.

Ortinho decidiu que dos três preceitos faria uma trilogia, iniciada em 2016: “Fiz uma pré-produção, queria um disco diferente. Mas foi um processo lento. Depois Jorge du Peixe, que produziu, é um cara muito ocupado. Engraçado é que em todos os meus discos eu me meto, não deixo só com o produtor, acho que só não fiz isto no primeiro. Neste agora deixei tudo com Jorge. Yuri Queiroga foi quem produziu meu primeiro CD, Kastrup me produziu também, mas Jorge foi o melhor produtor com quem trabalhei”, elogia Ortinho.
Nas Esquinas do Coração iria ser lançado em 2018: “Mas foi um ano muito perturbado, este momento político não estava em sintonia com o disco, cujo tema é amor, não por outra pessoa, mas amor em geral. O segundo será sobre respeito, e o último um disco com mais regionalismos”, diz Ortinho, que é de Caruaru, de uma região em que a cultura regional é de uma contundência que marca os artistas que convivem com a cidade. “De Caruaru, em mim, ficou a doidice, e o que nunca saiu: o gosto pela música regional. Na adolescência curti muito coco, muita ciranda, que não é do Agreste, mas sei que tocava muito no São João”.

Com fama de brigão, inquieto, anárquico, Ortinho, no entanto, acumula bem mais amigos do que desafetos. O que prova as ficha técnicas de seus discos. Na estreia solo, Ilha do Destino (2002), toca com uma banda base formada por Guilherme Kastrup na bateria e percussão, Paulo Moreira no Baixo, Marcelo Jeneci no teclado, e Adriano Pessoa, nas guitarras. Em Nas Esquinas do Coração está com Otto (voz), Junio Barreto (voz), Pupillo (bateria), Guilherme Kastrup (bateria), Toca Ogan (percussão), Thiago Duar (baixo, guitarra e cavaquinho) e Marcelo Monteiro (sax barítono, sax tenor e flauta), além de Jorge du Peixe, que toca órgão e teclados em algumas faixas. Pupillo (ex-Nação Zumbi), toca bateria em sete das oito faixas.

A “brodagem” estende-se ao projeto de capas (LP e CD ostentam embalagens diferentes), assinado pelo artista plástico Flávio Emanuel, com fotos de Valente William: “Nas Esquinas do Coração só ia sair em vinil, o CD já passou, pouca gente está comprando. Mas aí acabei mandando fazer porque Fábio, da Passa Disco, me encomendou. Já está na loja, tanto o CD quanto o vinil. Só não sei quando vou ao Recife para um lançamento. Há um bom tempo que não me chamam para show por lá. Me inscrevi para o São de Caruaru, mas não sei se a proposta foi aprovada”, comenta Ortinho.

Em 2010, quando lançou Herói Trancado, ele manifestou a vontade de trocar o nome para Ortton (chama-se Wharton Gonçalves), que achava parecido com nome de pagodeiro. Consultei a numerologia e me resolvi por Ortton. Desde que sai do Querosene Jacaré queria mudar o nome. Troquei e vi que não adiantou porque as pessoas continuaram a me chamar de Ortinho”.

DISCO

Astronauta, que abre o disco, já lançada como single, é assinada apenas por Ortinho, e define a sonoridade imprimida por Jorge du Peixe, que emoldura a canção com sintetizador e casiotone. Na verdade, Ortinho tem estilo e poética formatada desde o início da carreira. É roqueiro, mas crescido com a literatura oral nordestina, de emboladores, repentistas e vendedores de cordel, que nas feiras liam o folheto em voz alta atraindo compradores. Sua música, portanto, ampara-se muito na letra, no que tem a dizer. Curioso quando dois artistas de estilos próprios e diferentes armam parceria. Um Samba, de Ortinho com Jorge duPeixe, tem melodia facilmente reconhecível como sendo de Du Peixe. Ortinho explica a música como “um samba hidropônico, que tem raiz, mas uma raiz que flutua”. Embora sinta-se a forte presença de Jorge du Peixe, ainda é mais uma música de Ortinho. Já Na Fé, cantada com Otto, poderia ser tomada por uma nova canção do Nação Zumbi. Não por acaso, além de ser mais uma parceria com Jorge du Peixe, tem Pupillo na bateria e Toca Ogan na percussão (sem esquecer que Otto também passou pela Nação Zumbi, ainda com Chico Science).

O roqueiro visceral que se sobressaiu no Querosene Jacaré nos anos 90, reaparece em Apenas Goste. Uma batida à Rolling Stone, guitarra, baixo, bateria, teclado e percussão, uma sonoridade suja. Os acordes básicos, e um refrão que pega: “Não precisa me amar/apenas goste”. Um disco em que todas as faixas se encaixam, sem espaço entre si, cabendo o regional, em Menina Sibilariam, uma ciranda, mais uma parceria com Jorge Du Peixe, que toca guitarra nesta faixa, com Toca Ogan na percussão, Kastrup na bateria, e Thiago Duar, guitarras e baixo.

Um álbum curto, de 25 minutos de duração, com ordem equilibrada no repertório, não há lugar aqui para a monotonia. Depois da ciranda, o álbum acaba com um de seus melhores momento, Com Uma Dor, assinada por Ortinho, Jorge du Peixe e Arnaldo Antunes, cantada por Ortinho e Junio Barreto. Ortinho reafirma-se como um continuador da morbidez romântica que Jards Macalé andou pregando no idos de 1972, um faquir da dor, assim como Ortinho quando canta o amor

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