Disco

Carlos Lyra e Roberto Menescal lançam discos

Ele é autor de boa parte dos clásicos da bossa nova

JOSÉ TELES
Cadastrado por
JOSÉ TELES
Publicado em 17/07/2019 às 6:33
Foto: Divulgação
Ele é autor de boa parte dos clásicos da bossa nova - FOTO: Foto: Divulgação
Leitura:

Grava-se mais bossa nova fora do Brasil. Para boa parte dos músicos jovens brasileiros bossa é música ambiente, para elevador, ou trilha de cocktail party careta. Lá fora, o repertório clássico da BN foi incorporado à biblioteca internacional de standards da música popular. Todos os anos são feitos álbuns com música dos autores do gênero, alguns surpreendentes, feito o recente Quatro (bossa nova Deluxe), com a nigeriana Douyé.

 No Brasil, bossa nova é área onde geralmente só transitam artistas veteranos, ou os que a criaram. Dois dos criadores estão nas lojas, físicas e virtuais, com álbuns novos. Carlos Lyra, com Além da Bossa (MCK), e Roberto Menescal, com um disco em que celebra os 80 anos com atraso de dois anos.

 Tem uma historinha da bossa nova envolvendo Carlos Lyra, Tom Jobim e Brigitte Bardot. Então a mais badalada atriz do mundo, la Bardot veio para o Rio, em 1964, e escolheu a praia de Búzios para se esconder do mundo. BB era também cantora, e de bons predicados vocais. Queria fazer um disco de bossa nova, com os Beatles, a novidade musical do planeta. Autores de BN foram convidados a visitá-la em seu refúgio num recanto de Búzios. Alguns deles aceitaram o convite.

 Brigitte atendia os compositores numa das salas da casa, onde se hospedava. Tom Jobim entrou lá para mostrar suas canções. Demorou-se tanto que Carlos Lyra foi até a porta sondar o que acontecia. Deparou-se com Tom tocando pra BB Minha Namorada (de Lyra e Vinicius). “Mas esta música é minha”, interrompeu Carlos Lyra”. E Tom: “Suas músicas são melhores do que as minhas pra pegar mulher”. Pode ser apócrifa, mas é ótima, e mostra a admiração de Jobim por Lyra.

Carlinhos Lyra, segundo o próprio Tom, foi o grande melodista da bossa nova. Os três primeiros álbuns de João Gilberto trazem faixas assinadas por Lyra. Ele gravou dois LPs solo em 1960, no terceiro, em 1963, já está adiante da bossa, direcionando-se à música engajada. Nem se admite, no título, que aquele seja bossa nova: Depois do Carnaval – O Sambalanço de Carlos Lyra. E a primeira crítica aberta à jazzificação do samba, em Influência do Jazz. Sambalanço já era Carlos Lyra além da bossa.

Com a quantidade de clássicos que assina, ele está de volta com um disco chamado Além da Bossa (MCK), o primeiro de inéditas em 25 anos. Poderia marcar os 60 anos da bossa nova regravando canções fundamentais – Marcha da Quarta-Feira de Cinzas, Você e Eu, Coisa mais Linda, Influência do Jazz, Maria Ninguém, Canção que Morre no Ar, Minha Namorada,Lobo Bobo, Se é Tarde Me Perdoa. No entanto, aos 86 anos, o “parceirinho” de Vinicius de Moraes está em forma, tanto na composição, quanto na voz, e optou por retornar ao disco com músicas já gravadas, mas não por ele, e outras registradas pela primeira vez.Uma única, Onde Andou Você, foi gravada em 1960, por ele mesmo.

 CONCEITUAL

 Além da Bossa é um disco conceitual. Nele, Carlos Lyra acentua o que, em sua opinião, é bossa nova, e que ela vai além do samba tocado à maneira de João Gilberto, conforme assinalou numa recente entrevista à revista Bravo: “A mídia convencionou que bossa nova é o samba bossa nova que o João Gilberto toca e para o qual ele sintetizou a batida do samba que nós todos procurávamos. Mas bossa nova não é só samba. É qualquer ritmo, desde que a composição/ interpretação se encaixe na sua estética”.

Bossa nova seria, pois, uma forma sofisticada e cool de se interpretar e arranjar uma canção, independente do gênero. E aí vale até um tango. O disco é encerrado com Tango Suburbano. Mas envereda por searas diversas, e até por uma variante do samba, o de breque, com Achados e Perdidos, composto no início dos anos 70, bloqueado pela censura e, até agora, engavetado.

 Um disco de muitas parcerias, com Marcos Valle, João Donato, e que se estende a melodias sobre textos de escritores como Castro Alves e Machado de Assis. Problemas no ombro impedem que Carlos Lyra, um dos principais violonistas da bossa nova, cante se acompanhando. Quem toca violão em Além da Bossa é Flávio Mendes (Bossacucanova).

Além da Bossa é um disco à moda antiga. Melodias caprichadas, letras feitas com esmero (As Duas Flores é uma adaptação de um poema de Castro Alves, por Cyro Aguiar), um trabalho na contramão do que pede o mercado. Se bem que Carlos Lyra nunca se rendeu às exigências do mercado.

Embora fosse o segundo autor mais bem sucedido da bossa nova (logo atrás de Tom Jobim), ele fez parte da dissidência do movimento já em 1963, e de enfrentamento ao regime militar, como um dos fundadores do CPC da Une, o que o levou ao primeiro auto-exílio em 1964.

MENESCAL 80

 Roberto Menescal, capixaba da turma de 1937, foi o principal responsável pela associação da bossa nova com o mar, com suas composições ensolaradas, as mais conhecidas com letras de Ronaldo Bôscoli. O Barquinho (com Bôscoli) tornou-se uma música símbolo da BN, e criticada pelos adversários como exemplo de versos alienados: “Tudo isso é paz/tudo isso traz/uma calma de verão/e então/o barquinho vai/e a tardinha cai”.

O Barquinho é uma das faixas de Roberto Menescal 80 anos (Som Livre), com participação de Fernanda Takai. Ao contrário de Carlos Lyra, o disco de Menescal é releituras de músicas bem manjadas, recheado de participações. Ney Matogrosso está em Nós e o Mar (com Bôscoli); Lenine em Adriana (com Lula Freire); Wanda Sá em Telefone e Leny Andrade em Rio (ambas parcerias com Bôscoli).

A bossa nova foi considerada alienada e de vida breve, por causa de músicas feito O Pato (Jaime Silva/Neusa Teixeira), ou Lobo Bobo (Bôscoli/Menescal), mas continua muito viva 60 anos depois que João, Tom, Vinicius, Carlos Lyra, Menescal interferiram na música popular do século 20.

Últimas notícias