Entrevista

Milton Nascimento celebra o Clube da Esquina

Disco de uma época de censura e incertezas

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 30/07/2019 às 12:47
Foto: Léo Siqueira/Divulgação
Disco de uma época de censura e incertezas - FOTO: Foto: Léo Siqueira/Divulgação
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Há 47 anos Milton Nascimento e Lô Borges lançaram um álbum que marcaria a MPB, Clube da Esquina, que teve uma sequência 1978, creditada apenas a Milton. Os 40 anos do segundo volume ensejou uma turnê com Milton Nascimento cantando um repertório de ambos os discos, realizados em dois momentos distintos do país. O primeiro veio no auge da enrijecimento do regime militar. O segundo, quando, no fim do túnel, se delineavam as luzes da anistia e do fim da censura prévia. Milton Nascimento concedeu entrevista ao JC sobre os dois álbuns clássicos, com que está viajando pelo país e Europa, e com que aterrissa no Teatro Guararapes, no dia 24 de agosto. Os ingressos para o aguardado show Clube da Esquina, aliás, esgotaram mais de um mês antes da apresentação. Iniciada em março deste ano, a nova turnê de Bituca tem sido ovacionada pela crítica e aplaudida por um público imenso, que vem lotando os shows pelo Brasil e exterior.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO – Clube da Esquina é uma faixa do álbum Milton, de 1970. Até onde esta canção, sua com Lô e Márcio Borges, inspirou o álbum Clube da Esquina, que seria o seu disco seguinte?
MILTON NASCIMENTO – Foi minha primeira música com o Lô. E isso tem um significado muito grande pra gente, é o começo de tudo, né? Nossas parcerias, nossa amizade, e tudo isso foi o que resultou nos dois discos do Clube.

JC – Depois do Clube da Esquina terminado, caiu a ficha de que tinham realizado uma obra-prima, que o álbum teria a repercussão que reverbera até quase cinquenta anos depois?
MILTON – Que nada, bem longe disso. Após o lançamento do Clube a gente não tinha certeza de nada, até porque o disco teve várias críticas na época. Muita gente da imprensa falou mal...

JC – O primeiro Clube da Esquina é um álbum duplo, na época não eram comuns os álbuns duplos. A gravadora aceitou de boa lançar o álbum, ou houve alguma reação para que fosse simples? Até porque naquela época MPB ainda não vendia tanto.
MILTON – Teve pressão de todo lado. Primeiro porque eles tiveram um estranhamento logo de cara quando eu disse que o disco seria meu e de um rapazinho de 17 anos chamado Lô Borges. Mas o nosso anjo da guarda dentro da EMI se chamava Adail Lessa, que era conhecido como o “pai dos músicos”. Foi ele quem bancou a nossa história, e nos deu liberdade total pra fazer tudo que a gente quis. E tem mais, o Lessa não foi fundamental somente para o Clube da Esquina, sabe que se não fosse por ele o primeiro disco do João Gilberto com Chega de Saudade também não teria sido gravado.

JC – A maioria das canções foi criada numa época mais dura do regime militar, quando vários dos seus contemporâneos da era dos festivais saíram do País. Você foi um dos poucos que continuaram aqui. Como foi enfrentar a barra pesada, se submeter obrigatoriamente a censores, e ainda criar tanta música de altíssima qualidade?
MILTON – Olha, foi um lance bem ruim mesmo. Mas o fato de a gente ter ficado foi bravo também porque ninguém conseguia trabalhar. Não tinha show, não tinha concerto, não tinha nada. E não se podia fazer nada. Era muito difícil viver de música, e pra minha sorte eu tive ajuda dos estudantes. Eles me levaram pra tocar em centros escolares e eventos universitários no Brasil inteiro, se não fosse essa força eu não imagino como seria.

JC – Houve canções que não foram liberadas pela censura, ou que tiveram que ser modificadas por causa de vetos?
MILTON – Teve muito. Meu disco de estúdio de 1973, Milagre dos Peixes, por exemplo, teve praticamente todas as letras censuradas. Inclusive, estava tudo acertado pra eu fazer um dueto com Dorival Caymmi em Hoje é dia Del Rey, mas como eles cortaram a letra inteira que o Márcio Borges fez, aí perdeu o sentido gravar com Caymmi.

JC – Será que se vocês tivessem ido para a Europa teriam feito estas músicas?
MILTON – Não sei, é difícil dizer isso depois de tanto tempo.

JC – Aliás, você poderia ter ido, porque foi teve um reconhecimento internacional muito rápido, logo depois de Travessia?
MILTON – Na verdade eu saí do Brasil logo após Travessia, fui para os Estados Unidos em 1968. Passei uma temporada em Los Angeles gravando o disco Courage para A&M Records, com arranjos de Eumir Deodato e supervisão do Rudy Van Gelder. A gravadora tinha todo um plano pra eu que ficasse, mas eu decidi voltar.

JC – Quando vocês fizeram o segundo Clube da Esquina, seis anos depois, o primeiro já era um clássico. Mais ou menos como se os Beatles fossem fazer um Sgt Pepper’s 2. Houve alguma reunião entre você e parceiros sobe a responsabilidade de dar sequência a uma obra-prima?
MILTON – Aconteceu de forma muito natural, as gravações e tudo. Obviamente que a primeira pessoa que eu procurei para fazer o Clube 2 foi o Lô Borges, e não tinha como ser diferente. Tinha que começar com ele.

JC – Uma das canções mais conhecidas do Clube da Esquina 2 é Canção Amiga, melodia sua nos versos de Drummond. Vocês chegaram a conversar sobre a parceria. Como surgiu a ideia de musicar o poema?
MILTON – Sim, houve uma troca de cartas entre Drummond e eu. Me lembro bem que logo depois que essa música foi gravada ele recebeu o disco com a nossa parceria e me mandou uma carta muito carinhosa.

JC – Qual, pra você, a diferença, e também as semelhanças, entre o primeiro e o segundo volume do Clube da Esquina? Inclusive o segundo agrega muito mais participações, Chico Buarque, Elis, Azimuth. Os discos foram realizados em climas políticos diferentes. O primeiro em plena ditadura Médici, o segundo às vésperas do fim da censura prévia, da Anistia.
MILTON – Pois é, nós abrimos mais né? Mas não tinha jeito, todo mundo que participou ali tinha um papel muito importante em tudo na minha vida. As gravações seguiam num clima de muita irmandade mesmo, um dando força pro outro o tempo todo.

JC – No show, as canções dos dois álbuns se entrelaçam, ou são mostradas em blocos separadas?
MILTON – Meu filho, Augusto, foi quem fez a direção artística desse show. E a gente optou por entrelaçar as músicas dos dois discos pra contar uma mesma história, a história do Clube, um lance de amizade mesmo, sabe? É disso que a gente fala nesse show, amizade

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