Entrevista/Joquinha Gonzaga

30 anos sem Gonzaga: Joquinha representando a tradição do forró

Ele segue as lições do seu tio Gonzagão

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 02/08/2019 às 9:22
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Ele segue as lições do seu tio Gonzagão - FOTO: Foto: Divulgação
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Neste dois de agosto se reverencia Luiz Gonzaga pela passagem de 30 anos de sua morte. No evento que acontece hoje, no Cais do Sertão, vai estar presente o forrozeiro Joquinha Gonzaga, um dos dois últimos remanescentes do núcleo dos Gonzaga, a partir de Januário e Santana. Todas as irmãs e irmãos de Gonzagão já faleceram. Da terceira geração, restam João Januário, o Joquinha, e Fausto “Piloto” Maciel, o irmão, que abandonou a música e mora em Petrolina. Joquinha, que nasceu no Rio há 67 anos, vive em Exu e é artista desde os 15 anos, com uma obra já extensa. Ele concedeu entrevista ao JC para falar sobre o tio, com quem conviveu, cotidianamente, até a sua morte. Poucos conheceram a lenda Luiz Gonzaga tão bem.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO – Da família, só você e seu irmão Piloto tocaram com Gonzaga?

JOQUINHA GONZAGA – Representando a cultura da família Gonzaga, só tem eu. Toco sanfona, canto os forrós, uso chapéu de couro, vivo da música. Fui apresentado por Tio Gonzaga para ser representante da cultura da família. Não para ser o Rei do Baião, mas para dar continuidade. Dos que trabalharam diretamente com Tio Gonzaga só tem vivos eu e Piloto, meu irmão, que tocava zabumba, dirigia, foi empresário. Trabalhamos com ele até sua morte em 1989. Muitos trabalharam com ele, localmente. Ele saia do Exu ia ao Recife passear. Chamavam pra fazer um show, ele arrumava um zabumbeiro, um sanfoneiro, um triangulista. Esses aí existem muitos, em muitos lugares. Mas dos que trabalharam com ele direto, só nós dois. Antes teve Azulão, tocou na zabumba, Toinho, Xaxado, o anão, Aluísio, irmão dele. Tocou antigamente com uns que nem conheci: Catamilho, Zequinha, Cacau, todos esses infelizmente Deus já levou.

 JC – Grava-se cada vez menos Luiz Gonzaga porque sua música tem liberação cara pela editora. Isso não concorre para enfraquecer sua memória?

JOQUINHA – Se for partir pra CD oficial, pra liberação, o preço depende da editora e da música, pode ser barato. Porém tem umas que não valem a pena porque são caras. As pessoas ainda gravam muito, mas não em CDs oficiais. No meu caso, eu às vezes arrisco. Vou pelo parentesco, se houver alguma coisa falo com Rosinha, com Daniel Gonzaga. Só que eles sozinhos não podem liberar, porque tem a parceria. Procuro pegar as músicas do meu tio mesmo. Mas, infelizmente, composições do meu tio, sozinho, são poucas. É muito complicado isso de liberação de músicas. Tem a RCA, a Copacabana, que está com as últimas que ele gravou com João Silva. Tem umas bem antigas, que são mais difíceis, tem que ir lá na editora tentar a liberação. Quem pode, pode, quem não pode vai no queimado mesmo.

JC – Já pensou em escrever um livro de memórias?

JOQUINHA – Tenho muita coisa na memória. Ameacei muitas vezes sentar e escrever. Tenho um caderno que tem alguns títulos de algumas histórias, de 20 a 25 títulos. Pra não esquecer esses episódios. Realmente convivi muito com ele. Convivência de trabalho, e como família, em casa no Rio. Tio Gonzaga era uma pessoa difícil, sistemático. Tinha horas que ele estava legal contigo. Tinha horas que não batia com ninguém. Quando era para apanhar dinheiro dele, tinha que saber o dia legal. Quando eu sentava na mesa, dependendo do olhar dele, não pedia nada, deixava pro outro dia. Às vezes chegava, e ele perguntava se estava tudo bem, se eu queria alguma coisa. Eu aproveitava para pedir. Era uma pessoa difícil, estranha, e em dois minutos mudava. Tinha vez que pensava que ia levar esporro e ele elogiava. Algum amigo da gente pedia pra apresentar a Luiz Gonzaga. Eu dizia que ele era complicado. Eu levava e dizia tu vai levar um esporro. Chegava lá, ele mandava sentar, vamos conversar. Quem é você? O amigo estranhava, eu dizia que foi porque ele chegou num dia bom.

JC – Mas se sabe que ele foi uma pessoa muito generosa.

JOQUINHA – Ele tinha o lado humano, gostava de ajudar. Aos fãs que chegavam e pediam alguma coisa, ele dava tijolo, cimento. Aqui em Exu era considerado o segundo prefeito. Quando o povo sabia que ele tinha chegado, no outro dia estava lá, com receita de remédio, material escolar, o dinheiro pra completar a compra de um terreno. A família, quando precisava, recorria a Luiz Gonzaga. Ele podia estar em qualquer lugar. Quantas vezes a gente passava aperto em Santa Cruz da Serra, não tinha telefone, ia lá na Ilha do Governador, pegar o ônibus pra falar com tia Helena. Pra ela ligar pra tio Gonzaga. Ele ordenava Tia Helena dar o dinheiro, ou senão dizia que estava chegando e iria resolver. No mesmo dia ia lá em casa. Neste ponto era muito generoso. Tinha vez que, dependendo da pessoa, ele ajudava, porém primeiro dava um esporro, mas dava o dinheiro.

JC– Quando você entrou na carreira, qual foi a reação de Gonzaga?

JOQUINHA – A minha educação artística foi feita pelos conselhos que ele me deu, os ensinamentos. Na maneira de tocar, ensinava a puxada de fole, que era uma característica dele. Sempre procurava ter como exemplo o pai. Fazia comparações, contava histórias de vida, dele e do pai. Tinha um trauma de bebida. Um irmão mais velho, o Joca, morreu por causa de bebida. Tinha tanto trauma que desprezou João Silva por causa de bebida. Numa fita que tenho até hoje, de uma gravação que fiz com ele, fala contra beber cachaça. Uma das coisas fortes, que me chamou muita atenção, foi para respeitar os colegas artistas. Ele dava conselho pra ser mais humilde, que procurasse fazer o bem. Não gostava de confusão. Se houvesse alguma confusão, eu dizia: “Tio Gonzaga vamos chamar a polícia”. Ele dizia: “Pode deixar que eu mesmo resolvo”.

JC – Você acha que se tem feito justiça à memória de Luiz Gonzaga?

JOQUINHA – A maioria das cidades do Nordeste presta homenagem a ele. Muitos e muitos grupos defendem a cultura gonzaguiana. Estou sempre presente, fazendo shows nos eventos. Em algumas cidades, feito o Recife, são ações mais isoladas. Tem este contraste, na cidade grande fazem alguma coisa, mas só na época. No interior acontece mais. Em compensação, nas festas é difícil ter música de artista que reverencie Luiz Gonzaga. Eles aderem mais às bandas que se chamam de forró. Roubaram o nosso nome e não tem diabo que tome de volta. A mídia está fortalecendo isso. Os prefeitos também, mudando o conceito do São João, da cultura gonzaguiana. Mas acho que Luiz Gonzaga é um forte, mais prestigiado no estrangeiro do que no Brasil. Estou chateado porque não tem ninguém no Sul representando o forró. Não tem um forrozeiro tocando em televisão, em programas de lá, feito Silvio Santos, TV Globo, até alguns artistas que têm oportunidade de se apresentar não tocam nosso forró.

SHOW E HOMENAGENS 

Hoje, data que marca os 30 anos da morte de Luiz Gonzaga, o projeto Tengo Lengo Tengo, realizado pelo
Governo do Estado de Pernambuco, promove, a partir das 18h, shows gratuitos em comemoração ao legado
deixado pelo Rei do Baião. E como não poderia ser diferente, o forró é a grande estrela da programação. O
Quinteto Violado, grupo fundado há 47 anos tendo como inspiração o trabalho de Luiz Gonzaga, comanda o
tributo que acontece no Centro Cultural Cais do Sertão, no Bairro do Recife. Sobem ao palco ainda os
sanfoneiros Joquinha Gonzaga e Terezinha do Acordeon, a cantora Bia Marinho e um coral infantil com 100
participantes.

Para a apresentação, o grupo levará ao palco o show Quinteto Violado – 30 de Luiz Gonzaga, todo montado
com base da importância que o Rei do Baião ocupa na história da banda. Uma relação que permeia toda a
existência do Quinteto, com destaque para a década de 70, quando Gonzagão e o grupo pernambucano
realizaram o Circuito Universitário, levando forró para todo o Brasil.
A abertura será com a música Hora do Adeus, que fala exatamente sobre a partida de Luiz Gonzaga. Em
seguida, o repertório segue pelas canções mais marcantes do Rei do Baião, passando por hinos como A Voltada Asa Branca, Sala de Reboco, É Proibido Cochilar, Xote das Meninas, Pisa na fulô, Sabiá e muito mais.

Um coral com 100 crianças cantando Asa Branca com arranjos do Quinteto e sob regência do maestro
Fernando Furtado, do Colégio Real, encerra o show.

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