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San-São Trio, guarânias e projeto feminino, novidades na MPB

Três discos que só ratificam a riqueza da música brasileira

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 03/12/2019 às 14:12
Foto: Jorge Bispo/Divulgação
Três discos que só ratificam a riqueza da música brasileira - FOTO: Foto: Jorge Bispo/Divulgação
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Apesar de dois ou três gêneros musicais com predomínio na TV, no rádio e nos festivais, continua-se fazendo-se música com melodias bonitas, harmonias sofisticadas e excelência instrumental. Faz-se samba sem resvalar para a facilidade do pagode romântico. É um nicho pequeno, com um público fiel. Três títulos deste tipo de música que persiste e resiste são: Novos Caminhos (Maritaca), do San-São Trio; Recuerdos, de Tetê Espíndola e Alzira E, e o projeto Eu Sou Mulher, Eu Sou Feliz, iniciativa de Ana Costa e Zélia Duncan, com intérpretes femininas (Biscoito Fino). Todos lançados nos formatos digital e físico.

MANIFESTO

Com um marmanjo, aqui e ali, como coadjuvante, Eu Sou Mulher, Eu Sou Feliz agrega 19 cantoras, mais o coletivo Slam das Minas RJ, um grupo feminino de poetas. Todas as faixas são assinadas por Zélia Duncan e Ana Costa. Bia Paes Leme (do grupo de Chico Buarque) se encarregou dos arranjos, além de tocar e cantar no disco. “Este projeto é a vontade de ser antídoto para o gesto absurdo e naturalizado de agressão contra a mulher. E festa porque a alegria é sempre poderosa arma contra qualquer ódio”, diz o texto, na contracapa, escrito por Zelia Duncan, acentuando o caráter de manifesto feminista do álbum.

Depois de uma abertura, que diz a que veio o disco, Alcione canta Uma Mulher, primeira parceria de Zélia e Ana para o projeto: um sambão com acompanhamento de regional. Alcione evita os excessos de firulas vocais. Num disco de gêneros variados, Elba Ramalho canta a toada Sou a Lua do Sertão, com a voz emoldura pelo bandolim de Pedro Franco. Simone se encarrega da faixa que dá nome ao disco, um samba que lembra os que Ivan Lins compunha nos anos 70, e se encaixa como uma luva na voz da cantora, que tem no corinho Júlia Vargas, Lucina, Zélia Duncan, Ana Costa e Bia Paes Leme.

O elenco é quase inteiro de cantoras da MPB, de gerações diferentes, Leila Pinheiro, Cida Moreira, Daniela Mercury, Lan Lan, as irmã Mart’nália e Maíra Freitas, Áurea Martins, Fernanda Takai, cada vez menos do pop/rock, e a Nath Rodrigues, que, em 2019, lançou ótimo disco solo, Fractal. Além, claro, de Zélia Duncan e Ana Costa. Um repertório engajado, mas sem radicalismo. A temática não atrapalha as canções.

RECORDAÇÕES

No Centro-Oeste há uma música muito rica e peculiar, enriquecida pela proximidade com o Paraguai e Bolívia (Mato-Grosso faz fronteira com a Bolívia, enquanto o Mato-Grosso do Sul limita-se com Bolívia e Paraguai). As irmãs Tetê Espíndola e Alzira são mato-grossenses. Trouxeram para São Paulo um matulão cheio de canções do Estado natal e dos países vizinhos.
Em 1998, Tetê e Alzira gravaram o álbum Anahí (Dabliú Discos) com parte de suas lembranças afetivas sonoras. Registro de um show no Itaú Cultural, é um disco elogiado que ganha a sequência intitulada Recuerdos, pelo selo Sesc.

O conterrâneo Ney Matogrosso (de Bela Vista, fronteiriça com o Paraguai) participa da faixa de abertura, Meu Primeiro Amor (Lejania), de Hermínio Giménez (versão de José Fortuna e Pinheirinho), guarânia que está no inconsciente coletivo do brasileiro. Meu Primeiro Amor e Índia, de José Asunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero (versão de José Fortuna), estão num 78 rotações lançado pela dupla Cascatinha & Inhana, em 1952. Cascatinha (o paulista, de Rio Preto, Francisco dos Santos), e Inhanha (Ana Eufrosina da Silva, paulista de Araras) formaram um das duplas mais queridas e bem sucedidas do país. Disseminaram pelo Brasil estes dois clássicos do cancioneiro paraguaio, que aqui receberam centenas de regravações. Também do Paraguai, importaram para o sucesso outra guarânia, Recuerdos de Ypacaraí, também presente neste disco de Tetê Espíndola e Alzira. Todas as três têm participação de Ney Matogrosso, que ainda canta em Ciriema (Nhô Pai/Mário Zan).

As irmãs Espíndola mesclam canções recentes com velha guarda. Serra da Boa Esperança, de Lamartine Babo, é música de um Brasil ainda pouco industrializado, tudo com sonoridades vintages. Produzido por Zé Godoy, com direção musical de Arnaldo Black, estas canções ganham roupagem sofisticada, orquestral, mas nunca pomposa. As duas terçam vozes primorosamente, um belíssimo disco.

DE CÂMARA

O pianista Amilton Godoy (Zimbo Trio), a flautista e pianista Léa Freire, e o clarinetista norte-americano Harvey Wainapel formam o San-São Trio (San-São é como os paulistas chamam o clássico Santos versus São Paulo). São sete composições de Léa Freire e quatro de Amilton Godoy. Os onze temas – choros, baiões, entre outros ritmos, com um toque de jazz – são extremamente elaborados e acessíveis. O trio e sua música apenas confirmam o quanto é tênue a linha que divide o popular do erudito

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