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Satanique Samba Trio na contramão do convencional

Grupo percorre todos os caminhos da MPB

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 03/01/2020 às 13:57
Foto: Thais Mallon/Divulgação
Grupo percorre todos os caminhos da MPB - FOTO: Foto: Thais Mallon/Divulgação
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Brasília, musicalmente, é conhecida pelo chorinho e pelas bandas de rock. Mas outros sons circulam pela capital da república, feitos por uma das bandas mais originais e ousadas do País: a Satanique Samba Trio, que já surpreende no nome. Nem é satânico, nem do samba, e tampouco é um trio. “O samba no nome é referente à visão generalista sobre a música brasileira na imprensa estrangeira: forró, baião, tudo é samba pros caras. E, já que estamos aqui, a referência a Satã vem da etimologia semita da palavra (Ah-Shaitan, “O Adversário”, “O Acusador”), incorporando este ímpeto de contraposição estética ao nome do quinteto, que só é trio no nome mesmo, já que “Satanique Samba Quinteto” soa meio truncado”, esclarece Munha da 7, compositor, produtor, e que toca baixo e apito.

O restante do “trio” é composto por Sombrio da Silva (clarone e sanfona), Lupa Marques (bateria e percussão), Jota Dale (cavaco) e Ely Janoville (violão). O SST (ou SS3) já tem 15 anos de carreira. O primeiro disco do grupo, Misantropicália, é de 2004. Em fevereiro de 2019, fizeram um lançamento inusitado, e pioneiro. O disco líquido, Instant Karma: “Funcionou assim: publicamos uma música por dia no stories do Instagram da banda. Foram 28 músicas de 15 segundos que só existiram por 24 horas. Quem ouviu, ouviu. Cada música representando um ritmo relevante do Brasil, da ciranda ao maxixe, da bossa-nova ao partido alto”.

Este álbum, como ele disse, quem ouviu, ouviu. As músicas não vão para o disco físico. Mas o grupo está com EP novo, Mais Bad, com selo da gravadora belga Rebel (com uma bela capa). Munha da 7, ou MD7, conta como e por que criou o SS3: “Fundei a banda por uma necessidade meio cretina de desconstruir as coisas. Então, manipulando os clichês da música brasileira, de acordo com essa diretriz, acabei tropeçando em uma estética fora do convencional. Os membros da banda são e foram, basicamente, pessoas que passaram pelo moedor de carne existencial que é a academia, e saíram do outro lado com um ímpeto de ressignificação. Aí ficou fácil cooptá-los para o projeto”.

Claro, uma banda que faz música com fortes doses de experimentalismos, mas não hermeticamente inacessível, tem espaços reduzidos. Em Brasília, como em outras grandes cidades, não existe um movimento do gênero, nem mesmo uma cena. Mas o Satanique Samba Trio não é o único grupo brasiliense a não se pautar pelas regras do convencional: “Existe um nicho experimental, sim, bem grande e plural, mas não chega a ser fruto de um intuito coletivista. É cada um na sua, já que ninguém tem casa, following ou quintal. Tem muita coisa doida acontecendo aqui”, garante MD7.

Possivelmente o “samba” no nome da banda leva a que a SS3 seja convidado para eventos tradicionais da cidade. “Nosso espaço é nenhum e, portanto, ao mesmo tempo todos. O impacto que causamos em um festival de rock, por exemplo, é praticamente o mesmo – com algumas nuances, claro – que causamos em um palco de choro. É a vantagem de se ser, assim, digamos, apátrida de palco. Como não temos casa, o mundo torna-se nosso lar. Por incrível que pareça, às vezes deixam a gente participar de alguns eventos de choro, acho até que bem mais do que deviam” comenta o músico da SS3.

FORRÓ

O Satanique Samba Trio estampa na sua discografia a trilogia Bad Trip Simulator, produzida entre 2010 a 2013. O terceiro volume é uma espécie de tentativa de se chegar a um forró experimental. MD7 diz que há apenas um nordestino na banda, o violinista paraibano Ely Janoville (já teve na formação o clarinetista piauiense Etos Jeronimo), mas que a influência cultural do Nordeste em Brasília é ainda muito forte, afinal nordestinos trabalharam na sua construção: “A Trilogia da Putrefação (Bad Trip Simulator #2, Bad Trip Simulator #1 e Bad Trip Simulator #3 – nesta ordem cronológica) – é um passeio aéreo sobre o panorama estético brasileiro. Em Bad Trip Simulator #2 sobrevoamos os ritmos acelerados da MPB (baião pé de serra, brazilian jazz, etc), em Bad Trip Simulator #1, os ritmos mais cadenciados (bossa-nova, pagode, samba-deterreiro, forró, etc) e em Bad Trip Simulator #3 mudamos o foco para as expressões nordestinas (bumbameu-boi, frevo, maracatu, etc). Sendo o Nordeste este infinito terreno de fertilidade criativa, tivemos que nos voltar exclusivamente para ele em algum momento”, diz MD7.

No #3 há uma leve citação ao manguebeat, na faixa Mangrou, e ao Recife, em Hellcife Blues: “O termo mangrou, especificamente, é uma gíria para definhar. Aqui, vai servir como uma alegoria sobre a importância das guitarras elétricas no manguebit (note que na música só há baixo e percussão). Tem Hellcife Blues, que é uma tentativa de transformar em xote algo que um amigo pernambucano costumava dizer sobre o momento em que cruzava os limites de Recife, fosse em um avião, um carro ou a pé: uma tremenda tristeza (em inglês, blues) que só o recifense entenderia”, explica Munha da 7.

Com a dominação do mercado pelo popularesco, cada vez mais a saída para o músico brasileiro é o aeroporto. Não é diferente para o Satanique Samba Trio, mas o faz com moderação: “O espaço lá fora existe, mas daí até a abrir mão do mercado doméstico já é demais. Até por que o Brasil é o terceiro ou quarto país que mais consome nossos discos. Mas mesmo que fôssemos completamente ignorados por aqui, o circuito seria cumprido da mesma maneira, por puro propósito de troca. É no Brasil, afinal, que vão entender com propriedade o que estamos fazendo. Enquanto aqui sempre haverá alguém na plateia pra perceber que estamos tocando um frevo em 9/8, no exterior, salvo raras exceções, vão sempre achar que estamos simplesmente misturando um monte de ingredientes exóticos da música brasileira”, pondera Munha da 7.

Com um álbum novo circulando, Satanique Samba Trio já tem planos definidos para o recém-chegado 2020: “Temos mais de um disco para ser lançado, clipes, os trambiques de sempre, e algumas turnês Brasil adentro e afora”. Além disto, há o projeto Satanique Samba Trio Elétrico. “Subimos em um trio elétrico, e saímos tocando nosso repertório pelas ruas de Brasília, durante o horário comercial”, explica MD7.

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