MANIFESTAÇÕES

A influência do anarquismo nos protestos atuais

Símbolos e ideias do movimento libertário se fazem presentes nas passeatas que ocorrem no Brasil e no Recife atualmente

Do JC Online
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Publicado em 01/09/2013 às 6:27
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Se toda disputa política acontece também em um campo simbólico, as manifestações recentes que acontecem pelo Brasil e pelo Recife já deram sinais suficientes de que buscam novos caminhos para agir politicamente. Dois desses principais pontos, a ausência de lideranças e as tentativas de organização alheias aos partidos políticos, remetem a um posicionamento que há muito tempo está no espectro político, principalmente na mobilizações de rua: o anarquismo.

Os protestos atuais, claro, não podem ser simplificados dentro do termo, mas trazem até mesmo elementos simbólicos dos revolucionários. No Recife, é só lembrar os “A” grafados em meio a círculos nos escudos improvisados dos Black Blocs – manifestantes que mascarados e protegidos tomam a frente das passeatas para lidar com a repressão policial, caso haja – pernambucanos, ícone máximo da tradição anarquista, e também as máscaras do personagem V, do quadrinho V de vingança, ficção que mostra uma revolução anarquista em meio a uma distopia totalitária. Algumas das imagens comuns de protestos anteriores, como Che Guevara ou os símbolos comunistas, parecem dizer pouco ou quase nada sobre os protestos de hoje.

Os protestos trazem parte do imaginário complexo do anarquismo, composto de vertentes distinta. “Todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela. Mas isso não significa que todos aqueles que contestam a autoridade e lutam contra ela devam ser considerados anarquistas”, aponta o historiador canadense George Woodcock, no livro História das ideias e movimentos anarquistas.

ATUAL
O estudioso e militante do anarquismo E. V., que prefere não se identificar diante da repressão aos últimos protestos, vê que esses movimentos atuais despertam otimismo em que crê na ação política sem lideranças. “Desde o AI-5 há uma monopolização dos processos de mobilização, feitos quase sempre através de partidos e lideranças políticas. Isso fez com que a participação pública sem lideranças se tornasse rara”, explica.

“O que vemos hoje é um processo meio inevitável após o esgotamento de todas as possibilidades de liderança partidária”, completa.

Segundo o professor de Ciência Política da UFPE Michel Zaidan, autor do livro Anarquistas e comunistas no Brasil, o anarquismo faz parte do movimentos sociais no Brasil desde o final do século 19, quando a nossa classe operária que era de imigrantes cosmopolitas. O auge do movimento são as greves gerais entre 1917 e 1919, duramente reprimidas, e é principalmente depois delas que os anarcossindicalistas passaram a se converter ao comunismo.

“O movimento começou com essa classe operária, mas hoje esses anarquistas são parte da classe média, da juventude ou da intelectualidade”, aponta Zaidan.

PUNK
Para o jornalista e ex-punk Renato L., o anarquismo passa a dialogar com a juventude e com a classe média com mais força após a ascensão do movimento punk. “Era uma relação muito próxima com o anarquismo, a começar pelas próprias letras dos Sex Pistols. Para boa parte da minha geração, o primeiro contato com o anarquismo veio do punk inglês e, mais tarde, nos anos 1980, do punk da cena de São Paulo e do hardcore da Califórnia”, contextualiza.

Foi a partir do movimento musical que o próprio Renato L. foi atrás da literatura anarquista. “Acho que você tem realmente uma transição para o movimento estudantil e para profissionais liberais, também é um reflexo da perda da substância política do proletariado”, recorda.

O professor de Letras da UFPE Alfredo Cordiviola defende que o anarquismo pode ajudar a questionar a nossa forma de vida atual. “Os diversos anarquismos (porque não seria adequado falar no singular) nos permitem discutir hoje as relações afetivas, as relações de trabalho, o sistema político, o dia a dia da sociabilidade a partir de princípios mais libertários e igualitários”, defende. “Sem dúvida há um viés anarquista que percorre as manifestações atuais. O interessante seria construir a partir daí uma opção de poder alternativa, para que não aconteça como na Espanha com os indignados, que não conseguiram se articular diante de um neoliberalismo extremamente pernicioso para o tecido social”, pondera.

Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste domingo (1/9).

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