ENTREVISTA

Ludmila Brandão fala sobre a subjetividade dos espaços

Pesquisadora, autora de "A casa subjetiva", é convidada da Expoidea neste sábado (19/10)

Do JC Online
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Publicado em 19/10/2013 às 5:36
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A professora Ludmila Brandão, autora do livro A casa subjetiva, fala abaixo um pouco sobre sua obra e a vinda ao Recife para participar da Expoidea, neste sábado (19/10), às 16h, no Centro Cultural dos Correios. A entrada é gratuita.

JC - O que significa olhar uma casa para além dos seus elementos materiais, pensando na relações dos homens com elas?
LUDMILA BRANDÃO -
O espaço, ao contrário da compreensão costumeira, não é produzido apenas por objetos materiais e, por isso, não pode ser tomado exclusivamente por seus caracteres objetivos. Há toda uma dimensão subjetiva, produzida por fluxos imateriais que constituem igualmente esse espaço. Vai desde as “matérias menos densas” como os cheiros, as temperaturas, as cores, os sons até os imaginários que se sobrepõem à configuração arquitetônica. Uma casa de fazenda, com varanda, pomar, janelas grandes e escancaradas, paredes com reboco desmanchando, rede de dormir armada, cheiro de comida em forno de lenha, cheiro de esterco de cavalo, cheiro de couro do arreios, barulho das galinhas no puleiro, isso tudo e muito mais se imbrica aos imaginários do rural construídos historicamente que nos fazem carregar essa casa, experimentar subjetivamente essa casa mesmo não estando nela. Há uma relação estreita dos homens com os espaços que habita, não apenas no sentido de que esses espaços seriam construídos por eles, mas também e, principalmente o contrário, de que os homens são em grande medida produzidos por esses espaços.

JC - Em tempos cada vez mais de edifícios e casas padronizadas, ainda há espaço para a subjetividade no morar?
LUDMILA BRANDÃO -
A grande tarefa que temos ao habitar um espaço padronizado é singularizá-lo. E aí não importa se é um apartamento de alto luxo (todos igualmente iguais) ou uma casa de conjunto habitacional, miseravelmente iguais. Esse espaço só será uma casa, um espaço doméstico, quando forças expressivas a constituirem, desmanchando a homogeneidade e construindo territórios singulares. As casas modernas de capas de revista, cleans e amplas, com o mesmo mobiliário in – a cadeira “le corbusier”, por exemplo – não são casas, são vitrines; não são territórios. Este, o território é o lugar do singular, do expressivo que precede a propriedade, do “sentir-se em casa” - disseram Gilles Deleuze e Félix Guattari -, mesmo que seja debaixo da ponte. O expressivo não deve ser compreendido aqui como algo que me espelha ou  me representa, não se trata do narcisimo da imagem; mas como aquilo que me deixa inteiramente à vontade, onde não preciso dizer quem sou ou quem gostaria que pensassem que sou, mas onde apenas sou, nada mais.

JC - Como pensar a importância da subjetividade na arquitetura quando existe uma pressão para a especulação imobiliária e para a destruição do passado? Corremos o risco de vivermos cada vez mais em espaço objetivos, e não subjetivos?
LUDMILA BRANDÃO -
É a eterna luta contra as forças do capital que a tudo arrastam para submeter à sua ordem: do valor de troca. A questão não é só o passado. Não creio que devamos converter nossas cidades em museus... A conservação (ou não) de um espaço construído tem de resultar do sentido que ela tem para quem o ocupa. Tombar um edifício porque algum aristocrata viveu ali pode fazer sentido para arquitetos e historiadores. Fará sentido para a vizinhança? Há que se ter cuidado com operações dessa natureza (tombamento) que muitas vezes camuflam verdadeiras higienizações urbanas – um fora aos pobres disfarçado de ação cultural. O passado é invocado como justificativa para limpar o presente... um imenso problema. Não sou contra o tombamento mas, mais do que o passado, preocupam-me as condições de vida no presente. Um bairro sem tratamento de esgoto levando o cheiro fétido a todos os lugares além das doenças), uma cidade sem transporte decente, roubando o tempo e a paciência das pessoas, sem espaços de recreação e deslumbramento, não oportunizando viagens imaginárias e afetivas. Isso sim é uma tragédia para a experiência urbana.

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