Psicodelia

Caixa compila o lado B do rock psicodélico da Inglaterra

CDs reunem raridades de bandas pouco conhecidas ou obscuras

JOSÉ TELES
Cadastrado por
JOSÉ TELES
Publicado em 09/03/2014 às 6:00
Leitura:

Love, poetry and revolution: a journey through the british psychedelic and underground scenes 1966-72 (Cherry Red Records) é uma caixa contendo três CDs, com 65 faixas de psicodelia britânica. Um lançamento oportuno (infelizmente não no Brasil), quando a psicodelia musical, quase 50 anos depois de ter dominado o pop inglês e norte-americano, influenciando músicos mundo afora, volta a encantar gerações de jovens músicos. Na Inglaterra, por exemplo, que descobriu os Mutantes e o tropicalismo poucos anos atrás, a chicha, cumbia psicodélica peruana dos anos 60, é saudada como o som da vez.
Psicodélico é um estado de alteração de consciência provocado por consumo de ácido lisérgico, difundido por nomes como Timothy Leary ou Ken Kesey. A associação de Kesey com o Grateful Dead, numa viagem num ônibus pelos Estados Unidos com um grupo de acólitos denominado Merry Pranksters, certamente, foi a maior responsável pelo rock anexar o adjetivo psicodélico ao nome. Estas aventuras foram contadas por Tom Wolfe em The Electric kool-aid acid test (1968), um livro que passou no teste do tempo.
A rigor, psicodélico seria um disco como Revolver ou Sgt. Peppers, dos Beatles, criado numa fase em que o quarteto confessadamente consumia LSD, entre outras drogas, e era influenciado pelo aditivo. A performance de Jimi Hendrix, que tocou durante uma viagem de ácido no Monterrey Pop, é um clássico de autêntica psicodelia. O guitarrista, que incendiou sua Fender Strato no palco, no final da apresentação, inaugurou naquele dia a era psicodélica.
Mas como inevitavelmente acontece, psicodélico virou rótulo, marca, conceitos difusos que levaram a considerações equivocadas. Exemplo é achar que se tratava de psicodelia o tropicalismo mal-digerido dos discos de Ronnie Von, em final dos anos 60 e começo dos 70. O próprio tropicalismo foi muitas vezes mal-interpretado como psicodelia. Aqui no Recife, um articulista no Jornal do Commercio, em 1968, descobriu insuspeitas pistas de que Caetano Veloso escreveu Alegria, alegria sob efeito de ácido lisérgico. Para ele a viagem estava implícita no verso “Sem lenço sem documento” (no caso, seria outra droga: SLSD). Reforçada pelo versos “Os olhos cheios de cores” os quais, obviamente, originaram-se do efeito da viagem.
A imensa maioria das coletâneas de rock psicodélico peca pelas obviedades. Repetem-se os mesmos nomes: Pink Floyd, Country Joe & the Fish, Janis Joplin, Procol Harum, Moby Grape, Jefferson Airplane, The Byrds, The Doors (que era muito mais do bourbon), Incredible String Band. A recém-lançada compilação Love, poetry and revolution: a journey through the british psychedelic and underground scenes 1966-72 sai da mesmice, e saca do fundo do baú bandas inglesas, quase todas desaparecidas e obscuras até quando existiam. Umas poucas permaneciam inéditas.
A caixa mostra também o quanto havia de psicodelia de garagem, criada por músicos que viajavam, quando muito, em canecas de cerveja preta. Mesmo assim se tem a impressão de que entre 1966 e 1972, LSD era distribuído na água que os ingleses bebiam. Todo mundo ficava muito doido e permitia-se qualquer tipo de experiência sonora. Jabberwocky, o célebre poema de Lewis Carrol (de Alice no país das maravilhas), por exemplo, aqui aparece psicodelizado por Peter Howell and John Ferdinando. Entre bandas bem-sucedidas como a Spencer Davis Group, Fat Matress (de Noel Redding, baixista da Jimi Hendrix Experience), ou John’s Children (de Marc Bolan pré-T.Rex), The Crazy World of Arthur Brown, Hawkwind, vários grupos que só chegaram ao compacto, e a deliciosas curiosidades.
Uma delas é a faixa Have you heard the word, anos depois atribuída aos Beatles em sua fase Magical mistery tour. Como tal foi espalhada por dezenas de bootlegs do Fab Four, como uma das canções “perdidas” de Lennon & McCartney. Soa mesmo parecida, uma proposital imitação original (sic) dos Beatles. Mas quem canta é Maurice Gibb, dos Bee Gees, com o grupo australiano Tin Tin. Have you heard the word confundiu até Yoko Ono, que queria registrar a música achando que fosse de John Lennon. O mesmo Maurice Gibb compôs Mrs. Gillespie’s refrigerator para o obscuro Sands, uma das músicas desta caixa.
O Sands, por sua vez foi rebatizado de Sun Dragons, um duo formado por Rob Freeman e Ian McLintock. A dupla entra na coletânea com Peacock dress e é acompanhada pelo núcleo do futuro Deep Purple, Jon Lord, Ritchie Blackmore e Ian Paice. Aliás, a caixa é como se a turma que nos anos 70 criaria o rock progressivo dos anos 70 tivesse feito estágio na psicodelia. Greg Lake (Emerson, Laker & Palmer), toca em duas faixas com bandas diferentes, The Shame e a Shy Limbs. Nesta segunda, a faixa Love tem a guitarra de Roberto Fripp (do King Crimson).
Entretanto, das 65 faixas da caixa nada é imprescindível, o todo é que é importante como instantâneo de uma era em que a música ampliava seus horizontes no campo popular, o que antes dos Beatles era restrito ao jazz e ao erudito. É verdade que algumas canções se perdem no exagero de viagens sem rumo certo, como é o caso de Hurry on sundown, demo até então inédita em disco, do Hawkwind. Por sua vez, há faixas que revelam quantos modismos abrigam engodos e música chata. Uma destas, Lament for the earth, é provavelmente a pior canção do pior grupo de toda Era Psicodélica, o Principal Edwards Magic Theatre. No entanto, para quem está interessado neste tipo de música, Love, poetry and revolution: a journey through the british psychedelic and underground scenes 1966-72 é de audição obrigatória.

Últimas notícias