entrevista

Sociólogo Elísio Macamo participa de debate na Fundaj

Moçabicano discursa sobre desenvolvimento, nesta terça-feria, no ciclo Modernizações Ambivalentes

Fabiana Moraes
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Fabiana Moraes
Publicado em 06/05/2014 às 5:31
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O sociólogo moçambicano Elísio Macamo está de volta à cidade para falar de um tema caríssimo ao atual momento do Estado – e do País. Desenvolvimento: Resultado ou Mito da Modernização? é o título da palestra que ele realiza nesta terça-feira (6), às 19h, na Fundaj (Derby) dentro ciclo de debates Modernizações Ambivalentes. Professor na Universidade da Basileia (Suíça) com doutorado e pós-doutorado pela Universidade Bayreuth (Alemanha), Macamo, voltado para estudos sobre a tecnologia no quotidiano urbano africano e cultura política, fala aqui, brevemente, sobre o atual momento político brasileiro, que divide com a África a experiência de uma modernização repleta de ausências político-sociais.

JORNAL DO COMMERCIO – No Brasil, as discussões políticas estão cada vez mais polarizadas, com pouco espaço para análises que consigam produzir críticas ao mesmo tempo em que apontam para avanços. Na sua opinião, essa realidade é algo comum em um ambiente onde somente há pouco tempo os partidos políticos de orientações mais díspares começaram de fato a ocupar o poder?
ELÍSIO MACAMO
Creio que a polarização não é apenas um fenômeno brasileiro. Vejo uma relação, ainda que precisasse de conhecer melhor a política brasileira, com a crise de utopias no mundo inteiro na sequência do que parecia ser a vitória do neoliberalismo. Tornou-se difícil falar de forma coerente numa perspectiva socialista ou capitalista e é preciso o tipo de coragem de pátria ao estilo da Venezuela ou da Bolívia para se atrever a pensar um país dessa maneira. Nestas circunstâncias, o que sobra é o discurso ideológico pouco interessado no mérito das questões. Em todo o lado é assim. Veja o que acontece na Europa, com o uso dos imigrantes como bodes expiatórios. Veja o que acontece nos Estados Unidos, com a maneira como se discute o programa Obamacare. Em todo o lado, o discurso ideológico e intransigente tomou o lugar do mérito das questões.

JC – Falando nisso, a política entrou definitivamente na pauta do brasileiro, o que tornou mais visível o enorme contingente conservador existente no País. Como você vê a adesão dos brasileiros a uma orientação menos progressista?
MACAMO Conheço pouco a política brasileira para responder com segurança a essa pergunta. De qualquer maneira, não tenho a impressão de que esteja a suceder isso. O que pode ser o caso é, talvez, a consolidação e afirmação do sucesso econômico do Brasil nos últimos anos. A classe média consolidou-se mais e, nessas circunstâncias, há uma tendência natural para a perda de interesse por assuntos de matriz social e de distribuição equitativa da renda. Não é necessariamente manifestação de menor orientação progressista.

JC – Ao mesmo tempo, o conservadorismo é algo comum, agora, em várias sociedades no mundo, algo que tornou-se mais visível por conta de crises econômicas e sociais. Neste caso, só conseguimos ser progressistas, como povo, quando nosso conforto está garantido?
MACAMOBom, não sei se não estaremos a confundir conservadorismo com passividade e resignação. Há muita indignação por todo o lado, mesmo no Brasil, e isso para mim é sinal de que as pessoas não se sentem à vontade com o estado das coisas. E essa é a pré-condição para que surjam novas ideias, incluindo ideias progressistas.

JC – Você já afirmou que a cidadania é uma condição para sermos agentes políticos. No Brasil, o aumento real de renda produziu uma nova classe de consumidores. Durante anos, ela foi a menina dos olhos da mídia, do varejo e do atacado, do governo, da publicidade. Foi a partir do momento em que elas podiam comprar carros, TVs e ter internet que elas passaram a ser vistas como cidadãs de fato. Como você vê esse fenômeno?
MACAMO Isso é característico do sistema capitalista. O Brasil não poderia ser uma exceção. A condição para se ser agente político é um tipo específico de cidadania. O cidadão tem que ser portador de direitos. Na verdade, o espaço político produz-se através da luta por esses direitos, sua negociação e ajustamento às condições específicas em que se vive. A política no Brasil manifesta altos níveis de cidadania. Creio que as políticas sociais do governo de Lula da Silva foram uma resposta a isso. A afirmação cada vez mais forte de desconforto em relação à desigualdade racial é outro exemplo importante disso. Obviamente que uma cidadania construída no dorso do consumo material é menos sustentável do que uma cidadania baseada na afirmação de direitos. Na verdade, essa é a essência da democracia liberal.

JC – Sociedades como a brasileira e a africana, marcadas profundamente pela desigualdade social, têm mais dificuldade em organizar seus discursos políticos. Que caminhos podemos pensar para superar essa realidade?
MACAMOPrecisamos de maior criatividade e ousadia na reflexão. O que nos tem criado problemas, de certeza que esse é o caso na África, mas provavelmente também no Brasil, é a tendência natural de pressupor que o mundo é justo e que ele recompensa quem faz bem as coisas. E na crença de muitos de nós de que fazer bem as coisas significa fazer o que os países que hoje se encontram bem dizem ter feito para chegar aonde estão. O programa econômico e político neoliberal propalado pelo consenso de Washington – isto é, pelas instituições de Bretton Woods, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial – insiste em ser visto como a tradução fiel do que precisa de ser feito. E muitos de nós na periferia simplesmente aceitamos os termos da discussão sem nenhum esforço de os questionar. Ou quando o fazemos, fazemo-lo de forma anacrônica como é o caso na Venezuela, Bolívia ou no Zimbábue e na África. Se nós queremos sobreviver neste mundo temos que filosofar à medida do tamanho dos problemas que enfrentamos. Essa filosofia tem que questionar não só os relatos que nos são servidos sobre como os outros se desenvolveram, mas também a ideia de que não há alternativas. Elas só se vão vislumbrar quando tivermos visto os limites dos modelos dominantes.

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