ARTE SEQUENCIAL

Marcello Quintanilha traz olha crônico sobre a realidade para nova HQ

Quadrinista carioca radicado em Barcelona criou em Tungstênio uma das melhores obras da linguagem neste ano

Diogo Guedes
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Publicado em 23/06/2014 às 5:02
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Quadrinista carioca radicado em Barcelona criou em Tungstênio uma das melhores obras da linguagem neste ano - FOTO: Foto: Divulgação
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Um sargento aposentado, um traficante de baixo escalão, um policial experiente e uma esposa cansada das traições e truculências do marido. Esses personagens todos estão conectados na narrativa de Tungstênio (Veneta, 192 páginas) do quadrinista carioca radicado na Espanha Marcello Quintanilha. Já com o destaque de ser um dos melhores lançamentos das HQs nacionais neste ano, o livro traz o olhar do autor sobre a cidade de Salvador, na Bahia.

Marcello é um quadrinista raro, porque une características que não costumam aparecem em conjunto. O seu traço é realista, mas não deixa de revelar muito nesses retratos fiéis. Além disso, sua capacidade de criar páginas dinâmicas – talvez o grande desafio de um desenhista ao fazer narrativas longas – é ainda mais impressionante, fruto de uma atenção para a estrutura da linguagem sequencial. E, por fim, ainda traz para as HQs um cuidado meticuloso com o texto, especialmente em Tungstênio.

A história do volume é complexa, mas mostrada com clareza. Um sargento aposentado vê dois jovens praticando pesca ilegal na Praia do Forte. Indignado, ele pede ajuda a Caju, espécie de malandro da trama, para acionar a polícia. É aí que o policial Rick é chamado, criando o núcleo de uma trama que se desenrola ao longo de um dia.

Mesmo em Barcelona há 12 anos, Marcello tem uma relação próxima com a capital baiana: sua passagem pela cidade já havia rendido um livro para a série Cidades Ilustradas, em 2005. “Quando fui a Salvador, fiquei muito impressionado. Tudo que já se disse sobre Salvador era verdade e continua sendo”, conta o quadrinista, em conversa por telefone.

As expressões e a forma de falar dos soteropolitanos é construída com perfeição na obra. “Mesmo na literatura é difícil representar a linguagem oral. Eu aprendi isso com Mário de Andrade e com um escritor que às vezes é esquecido, Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues”, comenta. “Os quadrinhos normalmente trabalham muito pouco o texto, e a linguagem coloquial é ainda mais complicada. Reescrevi e escrevi muito até que tudo tomasse forma”. O cuidado não é da boca para fora: Marcello é um leitor assíduo de Machado de Assis, Clarice Lispector, Arthur Azevedo, José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo.

Sua produção é muitas vezes associada a um olhar de cronista; e ele concorda em parte com a visão. Assim como a crônica brasileira, gosta de partir do real para criar suas narrativas, mas procura fazer isso através dos desenhos, transformando cenários reais em elementos importantes da construção da sua ficção. Os personagens, de visões de mundo e personalidades distintas, são um ponto fundamental da obra. “O que me fascina é trabalhar com personagens que pensam diferente de mim”, aponta. E apesar do pano de fundo policial, Marcello identifica na HQ a presença do amor nas decisões importantes dos personagens.

Dos quadrinhos, as referências são específicas: o francês François Boucq, os americanos John Buscema e Roy Crane e um “quase um desconhecido no Brasil”, o belga Edgar T. Jacobs. Marcello, para sorte do público brasileiro, está sempre buscando falar sobre e com o País nas suas produções; não por acaso, volta para a terra natal uma vez por ano, com diversos pretextos. “Mesmo quando estou em Barcelona, não me sinto nenhum um pouco longe daí”, conclui. E é verdade: Tungstênio trava tanta relação com o Brasil e a Bahia que só alguém que leva esses cenários no seu íntimo pode construi-la.

Leia mais no Jornal do Commercio desta segunda (23/6).

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