Jardim Brasil 2, Casa Forte, Piedade, Camaragibe, Alto José do Pinho. Os moradores de tantas localidades - da capital à Região Metropolitana, das áreas nobres às periferias do Recife - confluíram na madrugada deste domingo (19) no Chevrolet Hall, palco do show em que os Racionais MC's comemoraram 25 anos de estrada com os fãs pernambucanos.
As diferentes origens e destinos do público foram constatados não somente na busca desenfreada pelo ônibus ou pelo táxi, no trânsito do Complexo de Salgadinho, ao final do show-festa de aniversário. Antes mesmo de o show começar, a divisão da casa entre camarotes, frontstage e pista, já denotava algumas dissemelhanças. No palco e seu entorno, conforme a apresentação se desenvolvia, no entanto, o coletivo tornava-se unidade. Nem só de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay se faz os Racionais MC's. Ao passo que eram entoadas as rimas de hits como Negro drama, Diário de um detento e Homem na estrada, a segregação se dissipava. Todos eram Racionais.
Racionais que são, os rappers se veem não somente como disseminadores de ideologias ou como músicos que estão fazendo (e buscando aprimorar o) seu som. Eles também são homens de negócios. O próprio Ice Blue falou (em entrevista ao JC que poderá ser conferida na capa do Caderno C desta segunda, 20): "cada um tem um papel dentro de nossa empresa". Empreendimento que é, o show business foi posto a mesa, ou ao palco, com direito a cenário com telão em alta resolução e marca de roupas - a Loja Fundão, vestida pelo quarteto e seus habituais acompanhantes (entre eles, o parceiro de sempre, Helião) cujo nome se inspira na Vila Fundão, comunidade do Capão Redondo, tão citada pelos rappers em suas letras.
"Veja bem: ninguém é mais que ninguém", disparou Mano Brown na música Capítulo 4 versículo 3, cantada em capela e em uníssono pelos milhares de fãs que lotaram o Chevrolet Hall. Afinal, quem disse que precisa nascer negro, e/ou na periferia, para entender que "malandragem de verdade é viver"? Passaram-se 25 anos e os Racionais mudaram junto com o Brasil e seus moradores. O consumo na pista, onde se assistia o show com algum esforço, era bem parecido com o que se usava na altura dos camarotes, onde não havia obstáculos para a visão. O som que se ouvia era igualmente abafado, já que a frágil acústica do Chevrolet Hall não combinou bem com os característicos timbres graves do rap. A paixão público-artistas, a conexão com palco, talvez tenha sido a única coisa que apresentou frequências diferentes setor a setor. Quem está por cima, vê e sente verticalmente, compartilha com moderação. De igual para igual mesmo, bem como a empatia com os Racionais dos anos 80 e com suas letras atemporais, se mostrou mais forte na horizontalidade de quem estava com o pé no chão e sem a mão no smartphone.
