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Gal Costa e Gilberto Gil quando eram gurus da contracultura

Discobertas lança em CD show dos baianos em Londres

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 02/11/2014 às 5:25
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“Esta canção tão bonita é de alguém de Caruaru, Onildo Almeida um cara que é um barato”, comentário de Gilberto Gil, depois de cantar e improvisar, com Gal Costa, durante quase seis minutos, em Sai do sereno, um arrasta-pé, lançado por Abdias em 1965 (no LP Sai do sereno, CBS). Gal e Gil cantam a música durante um show, 26 de novembro de 1971, No Centro Estudantil, da Universidade de Londres, cujo registro em fita foi descoberto pelo pesquisador carioca Marcelo Fróes, criador do selo Discobertas, especialista em recuperar preciosidades da MPB esquecidas ou perdidas. No caso deste show de Gal Costa e Gilberto, o tape foi encontrado em 1998, quando Fróes trabalhava na caixa Ensaio geral, que reuniu tudo o que Gilberto Gil gravou, durante os dez anos (de 1967 a 1977) em que foi contratado da Phillips. Ele foi à Londres para tentar descobrir as gravações de um álbum que Gilberto Gil não chegou a concluir, para voltar ao Brasil, depois de dois anos vividos na cidade, onde se abrigou com Caetano Veloso, depois da prisão no Rio, e o confinamento em Salvador, acontecidos em 1969.
Marcelo Fróes atirou no que viu, e acertou no que não viu. Não encontrou o que seria o segundo disco londrino de Gil, mas em compensação conseguiu botar as mãos nestas fitas, que poucos conheciam ou lembravam. Gravada diretamente da mesa de som, a qualidade é muito boa, dando-se o devido desconto ao tempo da fita, 43 anos, e a tecnologia da época. É bem superior do que a fita do Ave Sangria, de 1974, lançada em vinil e CD como Perfumes y Baratchos (nome do show de que se originou).

Mesmo que a qualidade sonora não fosse boa (como a do show Barra 69, que é péssima), ainda teria o valor histórico. Esta gravação documenta um momento singular de dois dos maiores nomes da MPB, numa fase em que se encontravam bastante influenciados pela contracultura, convivendo com o udigrudi londrino (a capital da Inglaterra ainda era o centro mundial das lucubrações pop). Gil e Gal se apresentam livres, leves e soltos, sem a carga que o tropicalismo lhe trouxe, sem temer traulitadas da esquerda ou da direita, ou de conservadores da MPB.

Gil está muito à vontade até para no meio do show, durante Expresso 2222 (ainda inédita em disco), e pedir um lenço de papel para assoar o nariz. Ao longo do disco ele conversa descontraído com a plateia, a maioria de brasileiros

Gil exercita esta liberdade na até então inédita Band new dream, que se estende por 10m25s, de improvisos, e enxerta versos, que estariam cinco anos mais tarde na canção Rita Lee, do repertório dos Doces Bárbaros, (“Sonhar com você/fugir com você/ dormir com você/ficar com você”), ou nos quase doze minutos de Aquele abraço, numa versão psicodélica que, na época certamente horrorizaria os puristas do samba carioca. Curiosamente, em seguida ele faz uma versão meio bossa nova de Sgt Pepper’s dos Beatles (mas entremeada de improvisos).

Enquanto durou a temporada londrina de Gil e Caetano, os amigos brasileiros empreendiam constantes viagens à Londres, que não tinha mais os Beatles, mas podiam-se ver os Rolling Stones no auge, Led Zeppelin, o rock progressivo. Em 1968, Gal queria estar atualizada com o que acontecia nos EUA e Inglaterra mas pelos discos que ouvia. Em Londres, ele teve a experiência ao vivo. Isto é claro em sua performance neste show, feito acontece em Maria Bethânia (Caetano Veloso), que emenda com sambas de roda, ou Dê um role (dos Novos Baianos) . Músicas do estão no show e disco, Fa-tal - Gal a todo vapor ambos daquele ano.

Acompanhados por Henry Bruce (baixo), Tutty Moreno (bateria), Chiquinho Azevedo (percussão), Gal Costa e Gilberto Gil passeiam por 18 músicas (quase todas com citações de outras canções), uma parceria que foi reencontro e aproximação. A dupla repetiria os shows no Brasil, em 1972, no Teatro João Caetano, no Rio, e no Tuca, em São Paulo, ao jornal Rolling Stone (a primeira edição nacional), ele daria uma longa entrevista, ilustrada com uma foto sua e de Gal Costa, acontecia logo depois de finalizar a gravação de Expresso 2222. Anunciava que continuaria morando parte do ano em Londres.

Praticante entusiasta de macrobiótica nesta época, Gil voltava à Inglaterra, onde “agora vai esperar a chegada de Gal Costa. Co quem acertou passar um mês numa fazenda macrobiótica na Bélgica”, e fazer shows, segundo o jornal, o empresário Guilherme Araújo acertara dois shows em Lisboa, um em Paris. Gal Costa e Gilberto Gil live in London 1971 é um registro da influente fase contracultural dos baianos, seguidos então como gurus, que culminaria com Os Doces Bárbaros, em 1976, badalado e conturbado pela prisão de Gilberto Gil, e, Florianópolis, por posse maconha, fazendo ver aos baianos que o sonho tinha acabado mesmo, “e quem não dormiu no sleeping-bag/nem sequer sonhou (O sonho acabou, Gilberto Gil, 1974).

  

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