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Bob Dylan homenageia Frank Sinatra à sua maneira

Shadows in the night privilegia canções hoje pouco lembradas

Do JC Online
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Publicado em 02/02/2015 às 10:33
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Para um fã de Frank Sinatra, o mais perfeito cantor de música popular do século 20, Bob Dylan seria o artista menos indicado para gravar canções do repertório de "A Voz". Com razão. Em seus últimos álbuns, a interpretação de Bob Dylan tem sido a mais idiossincrática possível, lixa sob madeira, rascante, tornando difícil entender os seus já prolixos e enigmáticos versos. Ao lhe questionarem (em entrevista ao The Guardian) se ele realmente iria arriscar­se a cantar um álbum com música pinçadas do farto e rico repertório de Frank Sinatra, Dylan respondeu que não há nada arriscado em se gravar um disco. É apenas um disco. E que Sinatra é um montanha que, um dia, é preciso ser escalada.

Francis Albert Sinatra (1915­-1998) pairou como uma sombra sobre a música americana durante mais de meio século. Durante este tempo, gravou profusamente boa parte do chamado american song book ­ os standards da música popular dos EUA estão na discografia de Sinatra. É quase inevitável que grandes nomes da música, seja pop ou até erudita, encare um álbum inteiro de standards. Paul McCartney, em 2012, lançou Kisses on the bottom, Rod Stewart voltou a ser um super vendedor de discos com a série The great american songbook, para citar duas estrelas do rock. Mas quem influenciou Bob Dylan a incursionar pelos standards, segundo ele, foi o caubói fora da lei Willie Nelson (o álbum Stardust, 1978).

Shadows in the night (assim como Stardust) é um álbum em que os standards receberam roupagem country. Dylan, no entanto, leva aos extremos a expressão "reinterpretar". Sob o pseudônimo Jack Frost, ele é também o produtor do álbum. Ao gravar estas 10 canções da obra de Frank Sinatra, Bob Dylan fez uma de suas raras concessões. Canta suave, com frases cadenciadas, a rouquidão amenizada. Há um clima vintage permeando todo álbum, que soa como um cantor country, um Hank Williams cantando belas canções de amor. A banda toca com delicadeza: a guitarra semiacústica está sempre presente, mas discreta, algumas faixas não têm bateria, os sopros também são suaves.

Dylan fez um disco parecido com este em 1969, Nashville skyline, com repertório que privilegiava canções de amor, e influenciou músicos ao redor do planeta a revalorizar suas raízes musicais. Com este álbum, ele é mais um a regravar clássicos do great american songbook, tendência que levou, por exemplo, Diana Krall a lançar, semana passada, o álbum Wallflower, com standards pop dos anos 60, 70 e 80. Coincidemente, a faixa que dá título ao disco é de Bob Dylan (da série Bootleg 1­2­3, de 1991).

Acostumado a não se explicar para seu fãs e confundir jornalistas, Dylan, em entrevistas concedidas para divulgar o álbum, não esclareceu o motivo de escolher especificamente estas canções. A maioria delas lançadas originalmente por Frank Sinatra, e quase todas raramente revisitadas. A rigor, a única canção que é recorrente em discos do gênero é Autunm leaves (versão da francesa Les feuilles mortes, de Jacques Prévert). Algumas foram sucesso em suas épocas, mas não estão entre os clássicos particulares de Frank Sinatra. São todas canções de harmonias mais sofisticadas do que as que Dylan escreve, com dissonâncias, ou até mesmo adaptações de música erudita, como é o caso de Full moon and empty arms, um Sergei Rachmaninoff, transformado em canção pop por Buddy Kaye, Ted Mossman.

Dylan nunca teve quedas nem dotes para crooner, mas aqui, em cada faixa, ele procura realçar com emoção a beleza das canções, transformando aquilo que poderia ser um desastre. Afinal encarar o repertório de Frank Sinatra é andar sobre corda bamba. No entanto, Shadows in the night está sendo coberto de elogios e dá continuidade à série de irretocáveis álbuns que Bob Dylan tem lançado desde final dos anos 1990, todos autorais. Este álbum é uma homenagem ao maior cantor americano, uma celebração à beleza do songbook americano.

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