OBRA

O gênio Van Gogh foi parar nos quadrinhos

Criada pela holandesa Barbara Stok, a obra narra a trajetória do pintor holandês durante a estadia na Provence, fase produtiva de sua carreira

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 03/03/2015 às 11:28
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Criada pela holandesa Barbara Stok, a obra narra a trajetória do pintor holandês durante a estadia na Provence, fase produtiva de sua carreira - FOTO: Divulgação
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“Já ouviu falar dos vaga-lumes do Brasil? Eles têm uma luz tão forte que as mulheres os prendem com grampos nos cabelos à noite. Para um artista, a fama é a mesma coisa que os grampos para os vaga-lumes.” A frase do artista plástico Vincent Van Gogh (1853-1890) em uma das suas cartas ao irmão, o marchand Theo, é uma daquelas que parece definir com exatidão a personalidade do autor. Pintor obcecado, figura de temperamento difícil e talento injustamente desprezado no início de sua trajetória, ele é, ainda hoje, uma das personalidades mais importantes e fascinantes do universo artístico, justamente por esses elementos: é talvez o mais perfeito e famoso modelo de genialidade incompreendida.

A HQ Vincent (L&PM, 114 páginas), da holandesa Barbara Stok, parte de um recorte para criar um retrato divertido e ilustrativo do pintor holandês. A obra, eleita a melhor do gênero na Holanda em 2009, começa quando Van Gogh já é um adulto e chega em Arles, região da Provence, no Sul da França, para fugir do ar e do ambiente sufocante da capital, onde morava com seu irmão. 

Barbara – que precisou de três anos para concluir o trabalho – usa traços simples e cores fortes para contar essa história, alternando entre cenas em Arles e a troca de cartas entre Van Gogh e Theo. O pintor se hospeda no interior com a ajuda do parente, motivado pelo o sonho de desenvolver sua obra com as novas paisagens e luzes. Logo se afasta dos colegas que não tratam a arte com a mesma obsessão que ele: na verdade, sonha que artista plástico (também genial) Paul Gauguin, amigo que conheceu em Paris, aceite seu convite para vir à cidade e o ajude a criar uma residência para artistas, um lugar em que em todos poderiam criar.

O mais valioso de Vincent é que o livro se foca em um fragmento da vida de Van Gogh para pincelar a sua personalidade e os seus grandes conflitos. O modo frenético com que produz telas e estudos, com um misto de paixão e pesquisa técnica, o torna uma pessoa difícil de lidar – apesar de ser relativamente gentil, o artista tem pouca paciência para quem não leva o ofício com o mesmo vigor que ele. 

Na obra, é retratado como alguém que, despejado, sem acesso ao seu material e sem lugar para dormir, ainda tinha como principal preocupação comprar um tubo de tinta e aproveitar a luz do dia antes que ela acabasse. Assim, ele entra em conflito até com Gauguin, por quem nutre uma grande admiração. Há uma bela sutileza na forma da HQ mostrar as ilusões e as decepções de Van Gogh: antes de receber o amigo, o pintor imagina Gauguin elogiando a iluminação de Arles; páginas à frente, em meio a impressão inicial da amizade, Barbara mostra o artista francês fazendo pouco caso da luz local.

A época em que ficou em Arles e os anos seguintes são o período mais rico artisticamente da vida de Van Gogh – de lá vêm telas famosas, com aquela em que retrata o seu quarto e as muitas pinturas com girassóis. Em dado momento, ele confessa a Gauguin: “Telas de memória parecem muito mais misteriosas”. Ao que o amigo responde: “É como fazer poesia com as cores”. Também diz, em uma de suas cartas: “Muitas vezes tenho a sensação de que a noite é muito mais rica em cores do que o dia, colorida com tons de violeta, azul e o verde mais intenso”.

Enquanto tentava decolar seus projetos ambiciosos, ele também lidava com a própria saúde. Sofria do estômago desde que chegou à região e, com os problemas financeiros e divergências artísticas, começa a ter surtos de raiva crescentes. No livro, é possível encontrar a injustiça, a loucura, a obsessão e, principalmente, a genialidade que imortalizaram o pintor. 

Não é algo inédito, mas o quadrinho também ressalta o quanto Theo foi fundamental para que a obra do irmão não só sobrevivesse, mas também pudesse ser criada. É ele que sustenta o Van Gogh e que, com muito carinho, tenta fazer com que o pintor se preocupe só com seus quadros, sem cair nos labirintos da loucura ou da culpa por viver às custas do parente. Nas cartas, é possível se perceber algo inerente a diversas obras de arte, não importa em que formato ou linguagem: um gênio, para ser brilhante, precisa também de interlocutores e de uma rede de apoio. Mesmo os mais talentosos. Mesmo os mais rejeitados.

 

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