TRAJETÓRIA

Lina Wertmüller fala sobre cinema antes de sua próxima viagem ao Brasil

Ela é uma das homenageadas do 11º Festival de Cinema Italiano, em São Paulo

Luiz Carlos Merten/Agência Estado
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Luiz Carlos Merten/Agência Estado
Publicado em 26/10/2015 às 12:40
Acervo pessoal/Reprodução
Ela é uma das homenageadas do 11º Festival de Cinema Italiano, em São Paulo - FOTO: Acervo pessoal/Reprodução
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Antes de ser novela (da Globo, com Betty Faria) e filme (de Cacá Diegues, com Sonia Braga), Tieta do Agreste era um projeto de Lina Wertmüller, que chegou a vir algumas vezes ao Brasil para se encontrar com o escritor Jorge Amado. "Era uma figura extraordinária", ela lembra, numa entrevista por telefone, da Itália. Sophia Loren teria sido sua Tieta, e com certeza traria para o papel a exuberância das mulheres napolitanas que interpretou para Vittorio De Sica e outros diretores importantes Mas o projeto abortou. "Nem lembro por quê, mas com certeza foi por causa de dinheiro."

O jovem cinéfilo talvez se pergunte quem é essa Lina Wertmüller. Não - todo mundo sabe quem é a ex-assistente de Federico Fellini que, no começo dos anos 1970, em plena erupção do cinema político italiano, fez filmes como Mimi Metalúrgico, Filme de Amor e Anarquia e Pasqualino Sete Belezas. No Dicionário de Cineastas, Jean Tulard a define como diretora de comédias satíricas. E acrescenta - "O mínimo que se pode dizer dessas obras é que não primam pela leveza". 

Lina não é de muita conversa. Aos 87 anos - nasceu em 1928 -, admite que não tem muita paciência para esse tipo de afirmação. Reflete - "Ma che voleva? Mas o que queria (o crítico)? Que eu falasse de sindicalismo e nazismo com leveza, e ainda por cima num momento em que o fascismo ressurgia com força na Itália?"

Lina assume que deve muito a Fellini: "Me há ensegnato tutto sull cine e anche sulla vita" (Me ensinou tudo sobre o cinema e até sobre a vida). Sobre Oito e Meio, é sintética: "É belíssimo". Que lembranças guarda do filme? "Como assim, que lembranças? É um dos maiores filmes já feitos. Poderíamos ficar horas falando sobre ele, uma vida inteira."

Lina Wertmüller conversa com o repórter na antecipação de sua próxima viagem ao Brasil - a São Paulo. A 39ª Mostra Internacional de Cinema mal completou seu primeiro fim de semana e ainda promete dez dias de programação intensa pela frente, mas já se pode falar no que será o próximo grande evento de cinema na cidade.

O 11º Festival de Cinema Italiano começa dia 24 de novembro, com homenagens a Lina Wertmüller e a outros dois grandes, Bernardo Bertolucci e Marco Bellocchio. Estão todos confirmados, mas Bertolucci, que teve de se submeter a outra cirurgia em setembro, é sempre uma incógnita por seu estado de saúde. Na última vez que se encontrou com o repórter, em Cannes, no ano da apresentação de Io e Te, o grande diretor disse, meio brincando, meio sério, que havia sido punido. "Gostava tanto de fazer travellings que virei o homem-travelling, reduzido a uma cadeira de rodas."

O festival deve ocorrer de 26 de novembro a 2 de dezembro no cinemas Belas Artes e na Unibes Cultural. Terá uma mostra contemporânea com 16 filmes, e a mostra concede um prêmio. Entre esses filmes estão Mia Madre, de Nanni Moretti, La Vergine Giurata/A Virgem Juramentada, de Laura Bispuri, que já está na Mostra, Arance e Martello, de Diego Bianchi, Sei Mai Stata Sulla Luna, de Paolo Genovese.

Outros três filmes vão passar fora de concurso, totalizando 19 títulos. E ainda teremos filmes escolhidos pelos homenageados. Lina será homenageada com a exibição do documentário Dietro gli Occhiali Bianchi, de Valerio Ruiz. Os óculos brancos e o cabelo curto são marcas da autora, assim como o humor grotesco. Outra marca são os títulos quilométricos de seus filmes - Tutto Posto Niente in Ordine, Travolto da Un Insolito Destino nell'Azzurro, La Fine del Mondo nel Nostro Solito Letto in Una Notte di Pioggia (Dois Numa Cama, numa Noite de Chuva), Fatti di Sangue fra Due Uomini per Causa di Una Vedova: Si Sospettano Moventi Politici (Guerra de Sangue ou Amor e Ciúme), Notte d’Estate conm Profilo Greco, Occhi a Mandortla e Odore di Basilico (Noite de Verão com Perfil Grego, Olhos Amendoados e Sabor de Manjericão).

Ela ri quando o repórter diz que os títulos longos são para combinar com seu nome. Pertencente a uma família com origem na nobreza suíça, Lina chama-se, na verdade, Arcangela Felice Assunta Wertmüller von Elgg Spanol von Braucich. 

Muitos de seus filmes são interpretados, em dupla ou separadamente, por Giancarlo Giannini e Mariangela Melato. O que os tornava tão especiais, a ponto de serem os atores preferidos de Lina? "Por que? Não lhe agradavam? O que mais apreciava neles era a capacidade de interpretar num tom acima, mas sem perder o registro humano."

POLÍTICA

Sobre o fato de sua estética ser política, diz - "O cinema, a arte em geral, não precisam ser políticos, mas podem e até acho que devem ser. Permitem que a gente conheça a diversidade do mundo e nossas ambiguidades". No filme que lhe dedica Valerio Ruiz, Lina Werrtmuller viaja com a câmera do diretor por lugares que foram importantes em sua vida, e obra - a casa romana em Piazza del Popolo, as cidadezinhas entre Puglia e Basilicata, onde filmou seu primeiro longa, I Basilischi, de 1963, a antiga casa de campo do marido, Enrico Job, a praia na Sardenha do lendário Por um Destino Insólito, de 1974. 

O filme-documentário, ao percorrer os momentos importantes da carreira cinematográfica e teatral de Lina, ressalta como ela trabalhou em diversos ramos das artes do espetáculo e possibilita uma dupla reflexão. Não apenas a diretora fala de seus filmes como Martin Scorsese, Harvey Keitel, Sophia Loren, Piero Tosi, Giancarlo Giannini, Rita Pavone e Franco Zeffirelli, entre outras personalidades, avaliam seu cinema e destacam sua importância.

O próprio Bertolucci escolheu Assédio Sexual, de 1998, com Thandie Newton e David Thewlis, como o filme para a homenagem que o festival lhe presta. Só para lembrar. O grande diretor fez filmes que marcaram época, como Antes da Revolução, A Estratégia da Aranha, O Conformista, Último Tango em Paris, 1900, La Luna e Beleza Roubada, Assédio, que fez originalmente para TV, foi um trabalho que não repercutiu muito, pelo menos no Brasil, mas a história da imigrante africana que vai trabalhar como doméstica na casa de um pianista inglês em Roma propõe aquele tipo de tensão erótica e social que atrai o autor. A apresentação permitirá, agora, a redescoberta de uma obra sempre considerada "menor'.

*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

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