Lançamento

Jards Macalé ganha caixa com sua música dos Anos 70

Dois álbuns sao recheados de raridades dos arquivos do cantor

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 01/10/2016 às 8:53
foto: reprodução/Ashlley Melo
Dois álbuns sao recheados de raridades dos arquivos do cantor - FOTO: foto: reprodução/Ashlley Melo
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"De volta ao Brasil, como músico do grupo de Caetano Veloso, Macalé, desfeito o conjunto, arranca para a carreira individual, formando um trio com Lanny e Tutty", eis o inicio de uma matéria com Jards Macalé, já personagem fundamental na MPB, na qual militava desde meados da década de 1960 (foi violonista no lendário musical Opinião, que revelou Maria Bethânia). Passou de figurante a protagonista em 1969, quando alertou sobre morcego na porta principal, no refrão de Gotham City (parceria com Capinam), no Festival Internacional da Canção.

O disco que Macalé fez com o baterista Tutty Moreno e o guitarrista Lanny Gordin, Jards Macalé (Phillips, 1972), volta às lojas, na caixa Jards Macalé ­ Anos 70. São quatro álbuns. Além do citado Jards Macalé, estão lá o disco seguinte, Aprender a Nadar, e Jards Macalé ­ Raro & Inédito 1 e 2. No lançamento da Discobertas, os dois primeiros álbuns vêm com faixas extras. O segundo com cinco, e o primeiro com três. Com eles, Macalé inaugurava uma espécie de movimento do eu sozinho, ainda que com parceiros em algumas letras. Seu álbum de estreia pouco tinha a ver com a festivalesca Gotham City. Muito menos com o que se convencionou denominar de "música tropicalista".

As melodias de Jards Macalé encaixam­-se mais no conceito da época de contracultura: as letras se permitem várias leituras, a interpretação dele não tinha similar na MPB de então ­ era, grosso modo, um João Gilberto com má dicção. É um disco em que quase todas as faixas tornaram­se clássicos. Nos extras, registros ao vivo de Movimento do Barcos (com José Carlos Capinam), Rua Real Grandeza e Anjo Exterminado (ambas com Waly Salomão). O disco ganhou show no ano seguinte batizado com o nome de uma das faixas: Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata (com Capinan).

Aprender a Nadar é como se Macalé tocasse para adianted o Transa, álbum que produziu para Caetano Veloso em Londres (e que, pela ausência de seu nome nos créditos, teria provocado um cisma entre ele e o baiano). Abre com Jards Anet da Silva, concretismo com samba canção, sobre texto de Gilberto Gil, com a voz de Lygia "Macalé" Anet nos versos de Dois Corações, de Herivelto Martins. Canções autorais, quase sempre com parcerias, mesclam­-se a composições de terceiros. Porém, ele não canta nenhuma apenas por cantar. Tudo é bem encaixando, como peças de um quebra cabeças.

Macalé usa a linguagem da fresta, o subtexto, ou meia palavra que para bom entendedor basta. O título, por exemplo, é verso pinçado do Mambo da Cantareira (Barbosa da Silva/Eloide Warthon), lançada por Gordurinha em 1960. O "aprender a nadar" no encarte ressalta, em caixa alta, o "para não me afogar". Feito o reverso de João Gilberto, Macalé vai no fundo do baú da MPB e traz diamantes esquecidos, não para lapidá­-los, mas para subvertê­los em interpretações de fina ironia e de descaso com algumas letras doloridas.

Imagens, de Valzinho e Orestes Barbosa (dos versos "O Beijo é fósforo aceso/ na palha seca do amor/ porém foi o teu desprezo/ que me fez compositor"), ele complementa com Anjo Exterminado (com Waly Sailormoon). E Daí (Proibição Inútil e Ilegal), de Miguel Gustavo, música de folha corrida limpíssima na feroz censura federal da época, tem versos enfatizados que soam como um manifesto à liberdade de expressão: "Proíbam muito mais/ preguem avisos/ fechem portas/ ponham guizos". O samba canção tem introdução e final com Mora na Filosofia, de Monsueto, sem letra e com arranjo à Stravinski.

E daí vem Estatutos da Gafieira, de Billy Blanco, um tutorial de regras para controlar a diversão do populacho: "O ambiente exige respeito". O samba Pam Pam Pam, de Paulo da Portela (lançando, em 1965, no disco de Aracy Cortes e Clementina de Jesus com o Conjunto Rosa de Ouro), ganha conotações outras. Com batidas na porta, os versos curtos do samba estendem­-se a outros horizontes (Quem tá batendo aí?/ Bate com a cabeça/ antes que eu me aborreça". As autorais, com exceção de uma, são assinadas com Waly Salomão/Waly Sailormoon.

Os dois são responsáveis pela produção, muito boa, realçada ainda mais pela remasterização. O Mambo da Cantareira é cantada com uma orquestra de metais reluzentes, com uma interpretação antológica de Macalé. Jards Macalé e Aprender a Nadar são discos acachapantes, para utilizar uma expressão da época do desbunde. Dois momentos antológicos da música alternativa, contracultural e udigrudi dos anos 1970, mas atuais, como se tivessem sido gravados este ano. Imprescindíveis.

PARA LAPIDAR

A música dos dois CDs de raridades vem do fornido baú de Macalé: "Relutei em revelá­las ao público, mas Marcelo Fróes (diretor da Discobertas) convenceu­-me de que teriam algum valor, algum interesse para a pessoas que não exigiriam delas perfeição como eu exijo". É Jards Macalé comentando sobre 31 canções que escaparam do baú, onde estavam armazenadas em k-7s há anos. Nem tudo é inédito. Boa parte recebeu uma burilada para ser gravada por Macalé ou terceiros. A maioria aparece aqui em estado bruto.

Há faixas que recuperam canções esquecidas, como Princípio do Prazer (Jards Macalé), faixa do disco do Festival Abertura (1975), ou que saem do ineditismo, como a ótima Quero Viver. "Em 1976, li na revista alternativa Anima um poema de Paulinho da Vila intitulado Crotalus Terríficus e musiquei­o. Quando mostrei a Paulinho anos depois ele me disse que já sido musicado por Arrigo Barnabé", explica Jards Macalé sobre a semelhança dos títulos.

A Crotalus Terrificus de Macalé é faixa do Raros & Inéditos volume 2. Ambos os discos de raridades tornam­-se uma fonte para bandas centradas nos anos 70, com essa fartura de material que Jards e a Discobertas tiraram da obscuridade.

 

 

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