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Geraldo Freire, a voz do rádio, conta tudo em livro

O radialista Geraldo Freire tem sua vida narrada em biografia recheada de histórias, com a irreverência que é sua marca registrada

JOSÉ TELES
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JOSÉ TELES
Publicado em 08/10/2017 às 13:57
Felipe Jordão/JC Imagem
O radialista Geraldo Freire tem sua vida narrada em biografia recheada de histórias, com a irreverência que é sua marca registrada - FOTO: Felipe Jordão/JC Imagem
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Um garoto de dez anos de idade foge de casa, com a roupa de corpo. Vai da roça para a cidade grande, sem avisar ao pai (é órfão de mãe). No ônibus, segura-se para não ir ao sanitário, tem medo que descubram que viaja sozinho, e que o entreguem ao juizado de menores. Por volta da meia-noite chega à estação ferroviária. Caminha pelas avenidas da cidade, perde-se, mas consegue chegar, às quatro da madrugada, à casa de um parente. No dia seguinte já sai à procura de emprego. Qualquer semelhança com o romance Oliver Twist, de Charles Dickens, que narra as aventuras de um garoto órfão na Londres do século 19, é apenas mera coincidência. Mas a história deste outro garoto, que se chama Geraldo Freire, também virou livro, O Que Eu Disse e que me Disseram, e vai ser lançado, terça-feira, às 19h, na Bienal do Livro de Pernambuco, no Centro de Convenções, com selo da Cepe, e no dia 14, na Fenagreste, em Caruaru.


O livro, dividido em duas partes, é assinado pelo escritor e professor Eugênio Jerônimo e por Geraldo Freire. O primeiro é responsável pela biografia do mais popular radialista pernambucano, este, por sua vez, conta passagens de uma trajetória rica em episódios engraçados, pitorescos, de pessoas anônimas ou de gente importante que conheceu pessoalmente, personalidades que pontuaram a vida do País nos últimos 50 anos, incluindo aí vários presidentes da República.

“Nunca me achei importante para que fizessem uma biografia minha. Mas sempre aparecia alguém querendo fazer. Primeiro foi Carlos Cavalcanti, jornalista, que queria fazer de qualquer forma. Eu dizia a ele para tirar isso da cabeça. Não tenho estatura pra isso. Depois foi outro jornalista, Fernando Veloso, então veio o jornalista Ivan Maurício, que chegou a começar, viajou comigo pro interior. Ele foi fazendo, mas eu fiquei tão desinteressado, que ele parou. Nunca perguntei por que. Aí surgiu Eugenio Jerônimo. Ele me disse que ia fazer, e topei. Eu tinha umas ideias de contar coisa que me aconteceram, de que participei. Tinha até um título O que eu disse e o que me disseram”, explica Geraldo Freire.


Do início à publicação passaram-se dez anos, Geraldo precisou atualizar algumas histórias: “Quando me deram o grosso do livro, comecei a gostar, senti que ficou redondinho, ficou bonzinho. Conseguiram um prefácio de Xico Sá, que me colocou valores que eu não tenho. Tem um depoimento de Moacir Franco, de Ivanildo Vila Nova, Jessier Quirino. Vou avisando que tem palavrão. Procurei falar de tudo que lembrei, mesmo das pessoas mais sérias, saindo da liturgia. Tem do doutor Arraes, de Rubem Moreira, cobri a Federação Pernambucana de Futebol, e ele me contou mil histórias interessantes. Tem Dom Helder que, por exemplo, tinha a vaidade de ser humilde. Se você dissesse a D. Helder que ele não era humilde, era capaz dele dar um murro na sua cara”.

Se a exaurida palavra “irreverência” se encaixa em alguém é em Geraldo Freire. A falta de policiamento na língua solta, um dos fatores que lhe dão o primeiro lugar em audiência no rádio em Pernambuco. Dos 25 anos que tem de Rádio Jornal, quase todo programa é primeiro lugar em audiência no horário. Uma das histórias que ele conta no livro é de Dom Helder: “Ele fazia um programa chamado Um Olhar Sobre a Cidade. Um motorista chamado Amaro de Castro foi apanhar ele para levar à Rádio Olinda. Quando chegaram ali no Varadouro tinha um engarrafamento. Amaro, muito conhecido, tinha o costume de chamar todo mundo de corno. Um taxista emparelhou com ele e gritou: “Corno, corno”. O outro motorista continuou: “Corno, corno”. E Amaro sem olhar de lado. Foi aí que D. Helder falou: “Seu Amaro, o rapaz está falando com o senhor”. E Amaro: “Não é comigo não”. E D. Helder: “Então é comigo?”


ASCENSORISTA


“Fui trabalhar numa agência de propaganda na Rua Nova, no edifício Anel de Ouro, tinha uns 12, mas minha tia passou minha idade pra 14, pra eu poder trabalhar com carteira de menor. A minha função era levar uma carta para os que encomendavam os santos que o patrão fazia. Fui levar uma carta em Salgadinho, uma senhora me disse que eu era um menino esperto e interessaria a um amigo do marido dela, que era operador de estúdio na Jornal Commercio. Conversei com ele e fui contratado como contínuo na agência dele. O cara fazia um programa do trabalhador, com horário comprado na rádio Capibaribe. Eu acompanhava ele nas entrevistas, levando na cabeça um gravador enorme, mais um transformador daqueles de geladeira. Uma vez, ia entrevistar o capitão dos portos, eu cheguei antes e fiquei esperando, nada dele. O entrevistado já estava meio puto, e eu mesmo gravei a entrevista. Meu chefe chegou na agência quase oito horas da noite. Perguntou o que aconteceu. Contei que fiz a gravação. Ele escutou e me disse que eu iria continuar fazendo as entrevistas. Logo me arrumou uma carteira de repórter amador. Foi assim que me tornei radialista, uma coisa que nunca pensei em ser. O meu sonho era ser ascensorista do edifício JK. Achava aquilo fantástico”.


Geraldo Freire começou a fazer concurso para trabalhar numa das muitas emissoras que existiam na cidade. Foi recusado por algumas rádios, até ser aceito na Rádio Repórter e passar a fazer parte da equipe de esportes, chefiada por César Brasil. Ele se destacou como repórter de campo: “Depois de três anos na Rádio Repórter passei pra TV Jornal, também na equipe de esportes. Havia uma rivalidade grande entre a TV Rádio Clube, o Canal 6, e a TV Jornal, Canal 2. Me deram uma camisa com um 2 bem grande nas costas. A ordem era a de que entrasse no campo sempre que um jogador caísse e entrevistasse ele, mas de uma forma que aparecesse nas câmeras do Canal 6. Uma vez fui expulso pelo juiz Clayton Beltrão. Saí até no jornal. Chico José era editor de esportes do Jornal do Commercio. Saiu matéria comigo no jornal com o título: “Este Garoto Quer Aparecer”.

CAMPEÃO DE AUDIÊNCIA

Foi fazendo um programa musical que Geraldo Freire levou a Rádio Jornal ao primeiro lugar no horário da manhã. Na época, início dos anos 70, a rádio andava mal das pernas: “Notei que os locutores da Jornal falavam muito, enquanto a Rádio Tamandaré pegava os ouvintes tocando música o dia todo, com um anúncio por intervalo. Fiz um programa assim, mal falava, só botava música”, diz Geraldo.

O presidente do grupo Jornal do Commercio, Doutor Paulo Pessoa de Queiroz, foi conhecer o tal campeão de audiência, quando viu que era um garoto mandou que o despedissem e colocassem em seu lugar Geraldo Liberal, um dos grandes nomes da história do rádio em Pernambuco. Geraldo Freire, desempregado, apelou para Roberto Queiroz, então na Rádio Olinda. Queiroz fez com que ele fosse contratado pela Olinda, para fazer o mesmo programa que fazia na Jornal: “Eu levei escondi o acetato que tinha a característica do programa. Só mudamos o nome, passou a ser Disparada do Sucesso. Lá eu tocava vinte músicas. Passei a tocar 40, a rádio foi pro primeiro lugar em 15 dias”, jacta-se Geraldo Freire.

Audiência tão dominadora que ele conta que um dia foi conferir na rua: “Fui uma vez na Rua Voluntários da Pátria, em Campo Grande. O grande sucesso da época era Detalhes, de Roberto Carlos. Escutei a música inteirinha sem ligar rádio. Ela tocava em todas as casas. Acontecia isso também com Gino César, com o Bandeira 2. A partir daquele programa na Rádio Jornal, e da passagem pela Rádio Olinda, fiquei conhecido como um cara que dava audiência. Daí em diante tive emprego pelo resto da vida”.
O russo Vladimir Maiakovski escreveu num poema, “Dizem que em algum lugar, parece que no Brasil, existe um homem feliz”. Este homem feliz talvez seja o cearense Geraldo Freire. Sim, cearense, nascido em Caririaçu, então distrito de Juazeiro do Norte. Estava com seis meses quando sua família mudou-se para Pesqueira, cresceu no distrito de Mimoso. Quando lhe sugerem a outorga de um título de cidadão pernambucano, ou de Pesqueira, ele se irrita: “Em Pesqueira quando me falam em me dar título de cidadão, eu digo: nem em sonho, eu sou de daqui”.

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