Comportamento

Pernambucanas questionam padrão de beleza e aderem a não-depilação

A depilação é uma prática natural para a sociedade. Contudo, cada vez mais mulheres estão decidindo se libertar desse hábito

Maria Eduarda Bravo
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Maria Eduarda Bravo
Publicado em 07/02/2018 às 8:00
Foto: Ashlley Melo/JC imagem
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Pinturas e cortes de cabelo, piercings, tatuagens. Todas as formas de modificação do corpo são um afastamento do estado natural, assim como a depilação. A prática de se depilar é um dentre vários padrões sociais que estabelecem o ‘conceito’ de mulher. Mesmo sem ser uma tendência da maioria, a não-depilação reflete uma mudança de comportamento que muitas das vezes está ligado a ideologias feministas.

Desde os seus 14 anos, a artista plástica Joana Liberal, de 27, deixou  lâmina e cera de lado e aderiu à não depilação. “Esta é a época quando todo mundo estava começando a ter pelos. Todas as minhas amigas estavam se depilando, eu também me depilava e já sabia que eu não ia fazer isso todo mês, sabe? Que ia demorar um pouquinho mais, porque não era muito prazeroso para mim”, conta a artista.

Não foi fácil para Joana assumir publicamente a sua escolha. “Minha família toda se depila, então rolava uma crítica sempre direta. Minha mãe sempre foi ‘de boa’, meu pai ficava 'que negócio feio', 'está parecendo um homem', 'vá se depilar' e aí a gente sempre teve atrito.. E minhas irmãs também meio que ficavam paranoicas. Minha irmã depila os pelos dos dedos, sabe? Me libertei disso”.

Não foi só a recepção por parte da família da artista plástica que não foi das melhores. Amigos e estranhos seguiram na mesma direção: o preconceito. As cobranças sobre quando chegaria o momento de se depilar só cresciam.. E mesmo a escolha sendo da artista plástica, os olhares de reprovação causavam angústia.

“Aprendi a ignorar os olhares. Tem pessoas que comentam na hora, tem gente que faz cara feia. Antes magoava, mas agora não. Quando você se blinda, passa a não ligar mais para os olhares”, explica.  

 

  

Assim como Joana, a estudante de Teatro Raissa Lemos, de 17 anos, que também deixou a depilação de lado, vê no estranhamento inicial das pessoas a possibilidade de refletirem sobre o que é imposição e o que é escolha de fato. Garante que nem se incomoda mais.

“Eu acho que os olhares são bons, porque dá pra ver quanto um simples ato de não se depilar impacta tanto as pessoas e que é tão forte assim o pelo que eu tenho embaixo do braço. As pessoas não esperam que você faça isso e quando você faz ,é totalmente a quebra dos padrões”, resume.

Por que tirar tudo, afinal?

Muitos fazem a associação de uma mulher que não se depila à imagem de alguém descuidada, suja. Tudo porque a depilação acabou, historicamente, sendo relacionada como indício de vaidade e até de asseio.

Lizandra Souza, administradora da página no Facebook ‘Diários de uma Feminista’, que conta com mais de 700 mil curtidas, alerta que a imagem estética da mulher precisa se encaixar em moldes antinaturais de feminilidade e biologia. “Falar sobre pelos no corpo feminino, é falar sobre estética, mas, sem dúvida, é falar, especialmente, sobre gênero e relações socioculturais desiguais de poder que influenciam a visão social díspar direcionada a homens e mulheres que têm e mantêm pelos no corpo”, ressalta.

A especialista em gênero, desenvolvimento e políticas públicas Paty Sampaio, explica o por que da cobrança dos homens para que elas estejam sempre livres de pelos.

“O julgamento tem muito a ver com a cultura que a gente vive. Os homens não são julgados, porque eles são os seres dominantes de uma cultura patriarcal. E essa mesma cultura fez com que várias outras nuances fossem colocadas como determinante. A higiene, por exemplo, evita que as mulheres tenham pelo. Pelo existe porque tem uma função fisiológica de proteção, mas as mulheres são negadas a ter isso”, explica Paty.

Foto: Ashlley Melo/JC imagem
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O fato da mulher “ao natural”, ou seja, com pelos, não ser bem aceita hoje está ligado a toda a construção social do corpo feminino, que é histórica, explica a professora e historiadora Ana Maria Colling no seu livro ‘Tempos Diferentes, Discursos Iguais – A Construção Histórica do Corpo Feminino’. “Desde os tempos mais remotos, os homens foram os autores do saber – médico, religioso, filosófico, jurídico etc. E o corpo feminino sempre foi objeto de interpretações, de valorações, de cuidados e de controle por parte dos homens”, cita a historiadora.

Essa situação se encaixa no caso de Joana, uma vez que, os próprios ex-namorados cobravam da artista plástica uma depilação. “Eu tive um namorado que se depilava todo, o que foi muito difícil para mim. Eu toda peluda e ele se raspava, então rolava essa cobrança. Eu decidi que não dava mais para ficar com ele, porque ele não me respeitava. A gente tem um corpo e ele é vigiado o tempo inteiro. E todo mundo se acha no direito de opinar”.

Escolher não se depilar foi um processo gradativo para Joana. Primeiro as pernas e axilas, depois o buço. “Com o tempo eu fui percebendo que eu não queria mais me depilar. A perna já passei três meses sem se depilar, depois passou para um ano e depois passou para 'nunca mais'. Aí passei três anos sem depilar bigode. Quando as pessoas falavam comigo, eu achava que estavam olhando para ele (bigode), aí rola uma insegurança que você não vai paquerar, mas aí eu fui abstraindo, fui tomando mais força contra isso”, conta.

Raissa também acredita que aderir de vez à não depilação não foi só uma decisão, mas um processo consigo mesma. Primeiro, foi se acostumando com a nova imagem de seu próprio corpo no espelho para só depois se deixar ser vista pelas outras pessoas. “Eu sempre me depilei, mas sempre foi um incômodo. Passa a lâmina, coça, agonia. Aí depois cresce e tem que fazer de novo. Aí eu ficava com preguiça e deixava passar”, conta.

Quando passou a se envolver com o feminismo, a estudante de Teatro descobriu que a depilação não era uma ‘obrigação’. “Eu comecei a me perguntar 'por que eu me depilo?'', 'ou é algo que caiu pra mim e eu só estou aceitando?'. Aí eu decidi parar de me depilar um pouquinho. Passei um tempo sem e gostei. Foi uma coisa que coube muito bem comigo, porque eu nunca tive essas necessidades”.

Para Paty Sampaio, até mesmo as mulheres feministas passam por constrangimentos e preconceitos diante da sociedade. “O feminismo abre os olhos da gente para muitas questões que passam batidas, que são questões culturais que são passadas pra gente desde pequeninha. E mesmo como feminista, as mulheres tem dificuldade de se libertar.”

Famosas que também optaram por não se depilar

Desde o século passado, depilar os pelos das axilas virou padrão por conta da mudança nos trajes femininos. Mas o que deveria ser apenas uma opção estética acabou virando padrão de beleza.

Quando se trata de celebridade, o assunto toma maior proporção. Em agosto de 2013, o ensaio de Nanda Costa para a Playboy causou polêmica. “Não depilei por escolha. Fiz até foto em uma barbearia, mesmo assim não mudei de ideia”, defendeu à época a atriz.

Quem também atravessou o tapete vermelho foi a atriz Jemima Kirke, a Jessa do seriado Girls. Além de posar para um ensaio com as axilas sem depilação, a atriz compareceu ao evento de gala CFDA Fashion Awards 2015 com um vestido que deixava a região à mostra. Ao ver seus pelos virarem notícia, Jemina retuitou a frase de uma amiga: “É necessário se depilar para ir ao CFDA Fashion Awards? Qual o problema? Não seria apenas ela uma mulher que decide o que quer fazer com seu próprio corpo?” questionou a amiga.

Mais do que um ato feminista, o principal argumento de mulheres como Jemima e Nanda, além de Madonna e Miley Cyrus, é ter a escolha de não se depilar e não serem julgadas por isso. Até Cameron Diaz lançou um livro no qual defende esta posição. Em seu The Body Book (O livro do corpo), a atriz disse que remover os pelos da região da virilha definitivamente é “uma moda passageira perigosa”, referindo-se aos pelos pubianos como “uma linda cortina a quem talvez esteja cortejando a sua sexualidade”.

 

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