QUADRINHOS

Bone, clássico das HQs de Jeff Smith, ganha edição da Todavia

Em três volumes e com versão colorida, a obra traz uma aventura engenhosa e divertida

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 02/12/2018 às 8:48
Jeff Smith/Divulgação
Em três volumes e com versão colorida, a obra traz uma aventura engenhosa e divertida - FOTO: Jeff Smith/Divulgação
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Muitas narrativas de aventura podem parecer pueris, algo que pertence ao território da juventude ou adolescência. O centro da história, em geral, não muda tanto: por algum acaso ou destino, um grupo de personagens precisa enfrentar aspectos misteriosos do seu mundo (ou descobrir que existem outros mundos) carregados pela grande característica de qualquer herói – não a força, a inteligência ou a habilidade, mas sim o compromisso, ainda que posto à prova constantemente, de tentar fazer o que é mais certo.

Toda aventura é um pouco ingênua porque coloca o leitor no papel dos seus protagonistas, surpresos e deslumbrados com uma série de eventos que se desdobram. O poder de uma narrativa é a sua capacidade de soar familiar e inédita ao mesmo tempo: criar heróis, mundos, vilões que sigam as regras do gênero e as subvertam de uma só vez. Quando uma história aventuresca sobrevive a essa tensão constante, é capaz de tornar o pueril algo saboroso, e o ingênuo algo engenhoso.

A história em quadrinhos Bone, clássico que começou a ser publicado em 1991 por Jeff Smith, é um grande exemplo do sucesso de um universo de pura aventura – no sentido mais clássico e mais divertido do termo. O mais surpreendente é que, como se tratou de uma HQ lançada aos poucos, em edições que saíam a cada dois meses, a trama não pareça em nada um improviso folhetinesco. Hoje, mais de 20 anos após o seu pontapé inicial, a publicação colecionou premiações (como 10 Prêmios Eisner, a grande honraria dos quadrinhos americanos), traduções para 25 países e milhões de exemplares vendidos.

A série já saiu no Brasil duas vezes. Entre 1999 e 2010, a editora Via Lettera lançou 14 volumes (no formato revista) em preto e branco, mas sem concluir a saga. Em 2015, a HQM Editora passou a publicar a versão colorida, mas só uma edição foi lançada. Agora, com a Todavia, a ideia foi dividir a obra, também colorida, em três volumes – o primeiro, intitulado Bone – O Vale ou Equinócio Vernal, chegou em novembro em livrarias, com tradução de Érico Assis. A edição é cuidadosa como a HQ merece, com direito a um depoimento de Jeff Smith ao fim do primeiro volume.

TRAMA

A narrativa começa com Fone Bone, o simpático personagem principal, perdido no deserto com seus primos: Smiley, figura desmiolada e sempre de bem com a vida, e Phoney, o ganancioso homem mais rico de Boneville, que foi enxotado da cidade depois de mais um de seus trambiques. Sem rumo, eles terminam se perdendo uns dos outros após serem atacados por uma nuvem de gafanhotos. As criaturas brancas e narigudas terminam em uma floresta estranha, com humanos, ratazanas gigantes que querem torná-los recheio para um quiche, besouros que falam e um dragão misterioso e aparentemente entediado. Na floresta, Fone Bone conhece Espinho, uma garota que vive com a avó isolada na floresta, e imediatamente se apaixona por ela. Por trás dessas perseguições, sonhos e dragões, se esconde a história do antigo reino de Atheia.

Foi a revista Time quem chamou Bone de um misto de visual antigo da Disney com uma trama de O Senhor dos Anéis. A comparação é boa, mas de alguma forma simplifica o contraste entre o traço cartunesco, quase infantil, da família dos Bones, e os personagens mais “realistas”, como os humanos, ou mais sombrios, como as ratazanas. No choque de mundos, Jeff Smith realça com delicadeza como os Bones são alheios ao universo que aparece diante deles e cria o fantástico através da junção de dois novos territórios para o leitor – um que vemos a partir dos exilados Bones e o que imaginamos e nunca é mostrado, a cidade de Boneville. É uma pequena aula sobre a criação de um mundo ficcional próprio, recheado de detalhes pequenos e fundamentais.

Boa parte da leveza brilhante de Bone está na sua trama, genuinamente criativa e cheia de peripécias – é assim que as edições se sustentavam, com pequenos, médios e grandes arcos narrativos. No entanto, Jeff Smith sustenta a fluidez da sua história também com um humor preciso, que funciona tanto para jovens leitores como para adultos de coração aberto. A obra ainda traz mais uma característica das grandes narrativas: a sua ambivalência, vista na capacidade de circular pela aventura, pelo infantil e pela ambição gráfica com maestria.

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