Resistindo

'Bonita de Corpo' se desdobra no combate à gordofobia

Hoje coletivo, o 'Bonita de Corpo' surge com inquietações da fotógrafa Aline Sales em forma de camisetas estampadas, atuando agora em diversas atividades

Rostand Tiago
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Rostand Tiago
Publicado em 03/09/2019 às 10:26
Foto: Diego Cruz/Divulgação
Hoje coletivo, o 'Bonita de Corpo' surge com inquietações da fotógrafa Aline Sales em forma de camisetas estampadas, atuando agora em diversas atividades - FOTO: Foto: Diego Cruz/Divulgação
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Embarcando em um processo de cura e provocação, a fotógrafa Aline Sales começou, há cerca de um ano, o projeto Bonita de Corpo. Vendo-se adoecida, emocionalmente, principalmente a partir das agressões não vistas como tais sobre o corpo gordo, decidiu iniciar um debate acionado pela frase que dá nome à iniciativa, estampada em camisas a partir do tamanho G. "Era uma inquietação pelo fato de ser uma mulher gorda, preterida nos espaços de ocupação. Surgiu em mim essa necessidade de debater a
gordofobia. Queria fazer algo que pudesse expor do meu corpo. Queria que fosse para além, para outros corpos", conta Aline.

A partir de uma pesquisa, buscou em seu ciclo pessoal a frase gordofóbica que mais incomodava. Entre as conversas, viu a constância do "você é tão bonita de rosto, por que não emagrece?", e sua força enquanto uma agressão maquiada de elogio. Colocar a frase nas roupas de tamanho grande era uma estratégia de não só vestir pessoas gordas, mas também de instigar a percepção sobre uma deficiência mercadológica no segmento da moda. "Hoje tá mudando mais, mas ainda entramos em loja e não tem roupa para a gente. Quando a gente é adolescente, por exemplo, acaba que não podemos ter um estilo, temos que nos adaptar às roupas para nossos tamanho. Queria provocar essa sensação nas pessoas, de se colocarem no nosso lugar enquanto mulheres gordas", explica Aline.

Começou com uma camisa e um convite para algumas amigas modelarem, fotografadas pelas lentes de Aline, com as imagens divulgadas na internet. Foram confeccionadas outras e colocadas para venda. Inicialmente, foram produzidas na cor branca, também motivada por outra pressão que incide sobre esses corpos, expressa na "gordo não pode usar branco porque engorda, preto emagrece". A partir de então, o Bonita de Corpo começou a procurar ocupar mais espaços. Na exposição Ato de Mover, montada no Centro de Artes e Comunicação da UFPE, Aline trouxe a tela de serigrafia usada para fazer as estampas, convidando o público para fazer suas próprias camisas.

Outros caminhos

Nesta exposição, o Bonita de Corpo já indicava os caminhos que trilhava em relação a ser hoje um coletivo que soma outras mulheres. Lá, Thaísa Espíndola realizou uma performance, em que instigava pessoas a falar suas impressões sobre aquele corpo gordo. "Foi engraçado porque como havia uma pressão, as pessoas estavam condicionadas a dizer que era um corpo forte, bonito. As pessoas não esperavam, então rolava um 'eita, vou dizer que é bonito', não conseguiam dizer o que sentiam de verdade", relembra.

Depois da internet e do espaço artístico, era a vez de ocupar as ruas, com lambe-lambes carregando a frase. Por Camaragibe, ela saiu munida de pochete e um rodinho, percorrendo o percurso até o Parque de Camaragibe, onde há intensa prática de exercícios físicos. Ela relata que foi quase uma performance, com pessoas observando, fotografando e se perguntando o que era aquilo.

"As pessoas sempre veiculam esses comentários sobre emagrecer e exercícios físicos com um 'não é por estética, é por saúde, estou preocupado com isso’, mas acaba que não estão tão preocupados assim com saúde. A prática gordofóbica adoece o tempo inteiro, ninguém está preocupado com sua saúde mental", afirma. Essa ideia de colocar a frase em espaços foi para a exposição Entremoveres, realizada no Museu da Abolição, com mais de 30 artistas negras e não-brancas, fazendo a reflexão sobre que corpo é considerado bonito e o que é o bonito. Lá, já começando a se estruturar enquanto um coletivo, o Bonita de Corpo puxou um debate sobre os efeitos do racismo da gordofobia, em uma mesa com Thalita Ramos, modelo e pedagoga, e Jesus Moura, psicoterapeuta.

Hoje, Aline define o projeto em duas esferas: a obra, com as camisetas, e um coletivo de enfrentamento à gordofobia. Esse segundo momento é constituído por ela, Thalita, Thaísa e a publicitária e influenciadora Larissa Santos, que foram entrando em sua vida com o avançar do projeto. "Cada uma em sua área visa esse combate. No processo educacional com Thalita, comigo nas artes visuais e nesse processo de pesquisa dentro da ciência e da saúde mental, Thaísa segue pela parte performática e Larissa vai levando virtualmente essa ideia da busca pela autoestima”, relata Aline.

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