10 anos do Bolsa Família

As várias faces econômicas do Bolsa Família no Brasil

No quarto dia da série de reportagens sobre os dez anos do programa, o JC mostra o impacto econômico dos benefícios, as principais críticas dos especialistas e o que pode avançar. Nesta quinta (24), na Editoria de Cidades, os indicadores na educação

Ângela Belfort e Raissa Ebrahim
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Ângela Belfort e Raissa Ebrahim
Publicado em 23/10/2013 às 0:13
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Parodiando os Titãs, miséria não é miséria em qualquer canto. A ex-faxineira Maria José da Conceição vive com apenas R$ 94 do Bolsa Família, usados exclusivamente para comprar comida. A comerciária Maria da Conceição Silva Menezes recebe R$ 102 do programa federal, que "ajuda e muito" no rendimento mensal de R$ 400. Já a pequena comerciante Marlene Maria da Conceição aproveitou a condição de baixa renda para transformar sua barraquinha de venda de temperos numa lojinha mais organizada. Moradoras de Chão de Estrelas, comunidade na Zona Norte do Recife, as três não têm em comum apenas o nome e a origem. Elas constituem as principais faces econômicas do Bolsa Família no Nordeste: a segurança do consumo alimentar, a complementação da renda familiar e o empreendedorismo. Se não fosse o programa, as três estariam na extrema pobreza, assim como outros 36 milhões de brasileiros, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

Infográfico

Os números do Bolsa Família - 23.10.2013

A primeira das Marias da Conceição mora num minúsculo quarto escuro e sem banheiro, que divide com três filhos. Com 58 anos e saída do interior, não consegue mais emprego. Quando a situação aperta, ainda depende da ajuda dos vizinhos, mas pelo menos não passa mais fome dia após dia. A segunda vive de uma pensão de R$ 200, toma conta de uma criança e lava roupa de vez em quando. O dinheiro do programa ajuda na feira e no lanche que o filho mais novo leva para a escola. A filha mais velha já não recebe mais a ajuda do governo porque conseguiu completar o ensino médio. Já a terceira das Marias da Conceição viu no benefício a oportunidade de aperfeiçoar e dinamizar o próprio negócio.

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As ações de cada uma dessas mulheres, à sua maneira, são responsáveis, juntamente com outros componentes, pelo giro de R$ 1,78 na economia nacional a cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família. É, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), o maior efeito multiplicador de uma transferência social sobre o Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil (confira o infográfico acima - basta clicar e expandir). Em uma década, a União desembolsou R$ 157,3 bilhões (valor já atualizado pela inflação). Considerando todo o montante, o valor das transferências é mais que o dobro do investido pelo governo nos ministérios da Educação e da Saúde entre 2001 e 2012 (R$ 66,7 bilhões), como mostra levantamento da ONG Contas Abertas. O Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2014 prevê um aumento de 15% nos recursos para o programa, na comparação com este ano. Significa que R$ 25,3 bilhões serão repassados no ano que vem.

Na década, Pernambuco foi o segundo Estado do Nordeste em que o número de famílias do Bolsa Família mais cresceu, de cerca de 74 mil para aproximadamente 1,14 milhão, um crescimento de quase 15 vezes. 

Com o dinheiro das Marias da Conceição, o comércio passou a vender mais alimento, roupa, sapato, acessórios, material de construção e eletrodoméstico. Os negócios informais, principalmente no interior, também experimentaram um salto. “Os dias em que o movimento mais aumenta são os de pagamento do Bolsa Família”, comprova o comerciante informal Walter José Ferreira, que arma dois estandes para vender “todo tipo de roupa” nas calçadas dos bairros da Zona Norte do Recife. Ele começou com um estande há 10 anos e o negócio prosperou, gerando receita suficiente para complementar sua principal fonte de renda: o auxílio-doença da previdência. 

Foi o Bolsa Família o responsável por reduzir a miséria brasileira em 28% de 2003 para cá. Na avaliação do presidente do Ipea e ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, Marcelo Neri, o impacto econômico se mostra no crescimento do poder de consumo das famílias, o que faz a economia girar. Juntos, Bolsa Família, expansão do mercado de trabalho e aumento do poder de compra do salário mínimo são os maiores responsáveis pelo crescimento anual de 10% do comércio atacadista em Pernambuco na última década. 

Como diz o presidente da Associação Pernambucana de Atacadistas, Douglas Cintra, “o dinheiro do Bolsa Família sai andando”. Os mercadinhos passaram a vender mais e melhores produtos. De óleo e macarrão, as sacolas hoje saem das lojas também com iogurte, biscoito, chocolate. Como consequência, veio o investimento em frota, depósitos e novas unidades. 

Tome-se como exemplo a Multi Distribuidora, dirigida por Douglas. Há 10 anos, a empresa tinha apenas duas unidades (Caruaru e Campina Grande) e 500 funcionários. Hoje, são mais três unidades (Petrolina, Recife e João Pessoa) e 1,7 mil empregados. “O Bolsa Família traz um benefício que hoje não é visível, uma geração de pessoas mais pobres que vão concluir os estudos. Serão os cidadãos de amanhã e terão um nível de escolaridade que os pais não tiveram”, defende.

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