QUEDA NOS PREÇOS

Baixos preços de vestuários surpreendem analistas

Por ser um setor de bens comercializáveis cujos itens oscilam conforme o comportamento do dólar em relação ao real,parece não haver espaço para repasse de preços

Da AE
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Publicado em 08/06/2014 às 15:53
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Mesmo pressionado por custos maiores, o setor de roupas e acessórios vem surpreendendo analistas nos últimos dois anos ao sustentar uma inflação abaixo da taxa oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O encarecimento do crédito, devido ao aumento do juro básico, a desaceleração da renda e da atividade econômica, além do choque dos alimentos este ano, são apontados por economistas ouvidos pelo Broadcast como alguns dos limitadores do poder de compra dos consumidores de bens considerados menos importantes, como é o caso de Vestuário. Neste cenário, algumas famílias já inseguras em relação à economia brasileira estariam preferindo gastar suas economias com itens de extrema relevância, como alimentação, e também honrando seus compromissos com o financiamento imobiliário, citaram os analistas. 

A despeito da aceleração da inflação do grupo Vestuário no IPCA-15 de maio, que é o dado mais recente divulgado, os profissionais ressaltam que o avanço segue abaixo do verificado em meses de maio de anos passados. Dados compilados pelo economista Étore Sanchez, da LCA, mostram que, de 2012 para cá, a classe de despesa de Vestuário teve altas aquém das apuradas entre 2006 e 2011, que ficaram mais próximas a 1,00%, com exceção de 2007 (0,64%) no âmbito do IPCA-15. "Apesar da sazonalidade favorecer o avanço nesta época do ano, a curva do grupo vem rodando a níveis inferiores aos da inflação oficial nos últimos anos" afirmou. 

Para todos os entrevistados, o conjunto de preços de Vestuário deve fechar 2014 com alta mais próxima de 5,00%, enquanto a previsão para o IPCA fechado deste ano está acima de 6,00%. A economista Adriana Molinari, da Tendências Consultoria Integrada ressalta que, embora os custos do setor de Vestuário tenham aumentado, a inflação deste conjunto de preços segue abaixo do IPCA. Ela lembra que, enquanto em 2011 a categoria fechou com elevação de 8,26% ante 6,50% do indicador oficial naquele ano, à frente a situação inverteu. A partir de 2012, a taxa do grupo diminuiu para 5,80% contra 5,84% do IPCA fechado, e ficou em 5 37% em 2013 (de 5,91% do IPCA). "Nos últimos anos, a inflação de Vestuário vem surpreendendo para baixo, a despeito do aumento de custos do setor", observou. 

Por ser um setor de bens comercializáveis cujos itens oscilam conforme o comportamento do dólar em relação ao real, Adriana ressalta que mesmo com a depreciação cambial dos anos anteriores e por ser um segmento intensivo em mão de obra, o que acaba por pressionar custos, ainda assim parece não haver espaço para repasse de preços. No atual cenário de aumento no endividamento das famílias, uma das hipóteses levantadas pela economista da Tendências está na de que bens que não são de primeira necessidade estão cedendo lugar a outros de maior relevância. "Pode ser que esses bens que não são de primeira necessidade - ainda que tenham peso relevante no IPCA (caso de Vestuário) - acabem perdendo um espaço maior na cesta de consumo, com consumidores dando preferência para pagar parcelas de outros itens e direcionado a renda para gastos nos supermercados", avaliou. 

No comércio varejista, Adriana também destaca que a situação não está de vento em popa. Entre janeiro e março deste ano, as vendas de tecidos, vestuário e calçados apresentaram recuos de 1 1%, de 0,7% e 0,8%, respectivamente, conforme a Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Ainda que a renda continue elevada, o comprometimento é maior, o que acaba por enfraquecer a demanda no setor", explicou a economista, que segue apostando em taxas menores para o grupo Vestuário no final de 2014, de 4,37%, ante estimativa de 6,30% para o IPCA fechado do ano. 

A combinação de renda em desaceleração e crédito mais caro pode justificar o comportamento destoante entre a inflação de roupas e acessórios e a do índice oficial, na avaliação do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal. "Como as duas coisas vêm ficando mais apertadas nos últimos dois anos, pode ser uma das explicações", disse. 

Souza Leal ainda se arrisca ao cogitar uma alteração no perfil dos consumidores para justificar esse certo esfriamento do varejo. Em sua visão, o aumento na participação de brasileiros em crédito imobiliário seria a explicação. 

Comprometidos em pagar a parcela da casa própria, muitos consumidores adotariam uma postura mais cautelosa na hora de gastar com artigos de Vestuário afim de não deixar de honrar seus compromissos financeiros considerados mais importantes. "Uma parcela cada vez mais relevante do rendimento está sendo direcionado para o segmento imobiliário. É um crédito de longo prazo e que será a última dívida que o consumidor deixará de pagar", explicou. 

De acordo com dados de abril do Banco Central (BC), um dos motivos para a diminuição na velocidade de expansão das concessões de crédito para pessoas físicas foi o crédito imobiliário. "O ritmo de moderação no crédito direcionado para pessoas físicas é lento, devido ao financiamento imobiliário, que continua crescendo a taxas mensais expressivas", disse, na ocasião, o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel. 

Outro ponto mencionado pelo economista do Banco ABC Brasil são os choques agrícolas de 2013 e deste ano, que estariam inibindo um avanço maior da inflação de artigos de Vestuário. "Tivemos dois choques de oferta. Obviamente quando eleva o consumo com alimentação, o consumidor tende a reduzir os gastos com bens menos importantes, o que acaba batendo na parte de Vestuário", analisou Souza Leal, para quem esta classe de despesa deve fechar o ano com alta de cerca de 5,00%, sendo maior que a expectativa de 6,30% para o IPCA fechado de 2014.

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