CONJUTURA

"Não acredito em desenvolvimento firmado por decreto", diz Mansueto Almeida

Especialista em finanças públicas diz que ajuste fiscal não tem sido feito e não é a única saída

Emídia Felipe
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Emídia Felipe
Publicado em 03/01/2016 às 8:15
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Especialista em finanças públicas diz que ajuste fiscal não tem sido feito e não é a única saída - FOTO: André Nery/JC Imagem
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Referência em finanças públicas no País, o economista cearense Mansueto Almeida deu uma pausa na agitada rotina de palestras sobre a situação do País para um recesso no Recife. À beira-mar de Boa Viagem, ele explicou ao JC porque acredita no Brasil apesar do pessimismo crítico que ele tem sobre como o País vai caminhar em 2016. Para Mansueto, as soluções, inclusive para Estados, vão além de ajustes fiscais pouco eficientes.

Jornal do Commercio – O que o senhor faria se pudesse ser um consultor do governo em 2016 e lhe perguntassem que cortes se devem fazer agora, para conseguir equilibrar proteção social e fazer os cortes necessários?

Mansueto Almeida – É bem difícil porque o erro não é o que o governo fez ou deixou de fazer em 2015. O erro foi o que o governo fez desde 2009. Estávamos em uma conjuntura ainda relativamente favorável e o governo aumentou muito o gasto, criou muitos programas novos e expandiu fortemente a dívida para fazer operações de subsídios. Muitas das quais desnecessárias. A conta chegou muito forte em 2015. Temos dois anos seguidos de queda de PIB, que é algo que não ocorre no Brasil desde 1930. Numa conjuntura como essa, municípios, Estados e governo federal perdem receita. É muito difícil, inclusive, aumentar carga tributária. O governo pode criar um imposto mas a arrecadação cair. Por isso que ele faz um esforço tão grande em cima da CPMF, que é um imposto muito diluído, pega qualquer transação financeira e possivelmente faria o governo arrecadar bastante. Então, do lado da receita, não tem muito o que fazer.

 

E da despesa?

Do lado da despesa, entramos em um problema muito complicado. Grande parte da despesa do governo central não permite corte rápido no curto prazo, que são despesas com programa de transferência de renda, incluindo benefícios previdenciários a pessoas que não contribuíram. Esse tipo de despesas, como seguridade social, FAT, seguro-desemprego...É muito difícil reduzir rapidamente, inclusive porque todas são indexadas. Por exemplo, quem recebe salário mínimo vai ver na conta um aumento de 11,7% agora em janeiro, embora a inflação tenha corroído o ganho de renda. Mesmo com essas contas todas com crescimento real perto de zero para quem recebe, com o PIB está em queda, as despesas sobre PIB aumentam. Então, agrava o desequilíbrio fiscal. Desse modo, é muito difícil, numa conjuntura de queda de PIB, eu fazer um ajuste fiscal muito forte a curto prazo.

 

E como o senhor vê o que o governo fez este ano?

Pela primeira vez desde 2003, ele cortou despesa. Mas cortou gastos cujo corte não poderá ser repetido em 2016 e 2017. Desde janeiro deste ano, o governo central cortou R$ 35 bilhões em suas despesas. Mas, destes, R$ 31 bilhões foram cortes de investimentos públicos em 40%. Ele não pode fazer mais isso. Senão ele vai investir zero e nenhum governo do mundo faz isso. E a outra grande economia que o governo fez esse ano foi a redução do abono salarial, que não foi redução. Ele estendeu o prazo de pagamento. Ajuste estrutural, de redução permanente de despesa, ainda não fizemos.

 

Há como fazer isso a curto prazo?

É muito difícil. Teria que acabar com alguns programas, infelizmente. E teria que tentar compactuar com a sociedade mudanças de regras daqui para a frente. No caso de gastos com saúde e educação, são indexados à receita, por exemplo, em períodos em que ela cresce muito, esses gastos acompanham. Quando cai, o governo já se comprometeu com determinado patamar e não consegue reduzir na mesma proporção e cria um desequilíbrio, como está ocorrendo no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro. No governo gaúcho, se ele quiser arrecadar R$ 100 a mais para pagar a dívida ou fazer investimentos, vai ter que arrecadar muito mais, R$ 170, porque tem essa vinculação. Então acho que chegou o momento de repensarmos a vinculação da receita a determinadas despesas. Ou então mudar a regra. Porque essa vinculação é feita em relação à receita do ano e podia ser à receita média dos últimos cinco anos. Outro exemplo é a previdência. As pessoas ainda se aposentam muito novas.

 

Seria então uma situação no mínimo complicada, ainda que o governo começasse agora a fazer o que deveria?

Sim e em todos os níveis de governo. O problema das contas públicas no Brasil não será um problema que será resolvido em um ou dois anos. Serão necessárias mudanças estruturais e resolvermos os problemas ao longo de anos, controlando o crescimento da despesa e ter um crescimento de arrecadação ligado a um crescimento maior do PIB de tal forma que, ao longo dos anos, se crie esse espaço fiscal tanto para economizar mais e pagar a dívida pública como também ter recursos para gastar em saúde e educação. Se continuarmos crescendo zero ou com crescimento negativo, será necessário ter cortes muito maiores.

A dúvida seria onde...

Pode chegar o ponto em que o governo terá que fazer sacrifícios e mudanças muito mais rápidos do que o indicado. Há países que passaram por crises fiscais sérias, como Grécia, e tiveram que cortar gastos com previdência nominalmente, reduzindo benefícios de aposentados. Espero que não cheguemos a esta situação. Em uma situação de desequilíbrio fiscal agudo, o governo seria forçado, por exemplo, a não corrigir salário mínimo, mudar regra de concessão de benefícios previdenciários de um ano para o outro...Para que isso não ocorra é preciso que mudemos a dinâmica desses gastos gradualmente ao longo dos próximos anos.

 

Os Estados, em especial os dos Nordeste, estariam com os mesmos problemas?

Os anos de 2004 a 2012 foram de ouro para os Estados. A receita cresceu, em termos reais, algo entre 60% e 70%. Como esses gastos são vinculados, eles tiveram capacidade de aumentar muitos gastos com saúde e educação. O problema é que, com o agravamento da crise, eles também arrecadam muito menos. No curto prazo, os Estados estão cortando muito investimento, até mais que o governo federal, com cortes até de 70%.

 

O que os Estados vão fazer daqui pra frente?

Vão ter que reduzir folha de pessoal no que tiver espaço. Não vão ter dinheiro de sobra para aumentar fortemente gasto com saúde e educação no curto prazo. Vão investir nos próximos anos muito menos do que nos anos anteriores. Grande parte do investimento dos Estados de 2011 a 2014 foi financiado por meio de aumento de dívida junto a bancos públicos e o governo não terá mais como fazer esse tipo de programa. A trajetória de recuperação do governo do Estado é gradual, semelhante à do governo federal. Terá uma diferença apenas, a folha de pessoal, que no governo federal não pesa tanto quanto nos Estados.

 

Como o senhor vê os caminhos alternativos para geração de receita através de emissão de títulos?

É viável e não é anormal. O que teve de anormal em 2015 e que todos os Estados fizeram foi o saque de depósitos judiciais. Inclusive Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul fizeram talvez de forma exagerada. Vários governos estaduais em 2015 conseguiram equilibrar as contas, mais ou menos, sacando esses recursos. Mas eles acabaram.

 

E em relação a subsídios que os Estados também promovem? O senhor já se posicionou a favor da redução deles em nível federal.

Se o governo tiver um problema fiscal que o force a arrecadar mais, o que é o caso de quase todos os Estados, de fato ele tem que fazer uma análise de custo/benefício: o que é mais importante preservar? Então terá que cortar algum subsídio, começando por aqueles que o efeito não é muito grande em termos de benefício social. No setor público federal, claramente subsídios setoriais são os mais passíveis de corte. Vale lembrar que quando todos os Estados dão esse tipo de benefício, a atratividade dele diminui bastante. E, talvez, muito melhor do que benefícios, o Estado deveria investir em recuperação de estradas, como o Arco Metropolitano, no caso de Pernambuco. Eu sei que é difícil, mas deveria haver, no fórum de secretários da Fazenda, um consenso entre todos os Estados para todos reduzirem subsídios, senão todos perderão.

 

O senhor se considera um pessimista. Qual seria o outro extremo, o do otimismo, que o senhor considera que não é verossímil?

As pessoas no Brasil têm a tendência de se preocupar muito em responder à pergunta: o que o governo deve fazer para a economia crescer mais em 2016? O crescimento de uma economia, durante anos, é consequência de várias políticas que um país faz. Se um país investe em educação, tem regras tributárias simples, incentivo à inovação, permite que as empresas absorvam o que há de melhor no mundo, não faz reserva de mercado, gasta bem com saúde, evita desperdício... a consequência natural disso é crescimento maior. Um exemplo que gosto muito é o dos Estados Unidos, que no pós-guerra tinha uma renda per capita um pouco acima de US$ 10 mil, muito parecida com o que era o Brasil no ano passado. Os Estados Unidos se tornaram um país desenvolvido sem milagre econômico. Mas, durante 60 anos, a economia cresceu 3%, 4% ao ano. Então o grande desafio do Brasil é melhorar a educação, melhorar a saúde, ter maior controle de desperdício, aumentar a eficácia de políticas públicas, dar continuidade ao que funciona e acabar com o que não funciona, permitir maior abertura comercial... aí o Brasil poderá continuamente aumentar seu gasto social. Então, me coloco como um pessimista porque sou realista. Não acredito em desenvolvimento firmado por decreto.

Claro que é muito importante acabar com a corrupção, que é um problema muito grave, mas isso não vai encerrar o problema das contas públicas


Falando agora de inflação, o senhor considera um possível aumento da meta para 5,5% um desastre. Qual seria uma meta possível?

Com um teto de 4,5% ao ano, que não conseguimos cumprir, nos últimos quatro anos, a média foi de 6,1%. Então já temos uma inflação altamente elevada. Esse ano foi praticamente de 11%, ano que vem deve ficar em 7%. Se levarmos uma meta para 5,5%, significa que estaremos sancionando uma inflação ainda maior, deixando abertura para o governo poder ser mais leniente no combate à inflação. No contexto atual, não faz nenhum sentido. Temos que fazer algum esforço fiscal para mostrar que estamos caminhando em direção da meta. Sabemos que não vamos atingi-la em 2016, possivelmente nem em 2017, mas deveríamos estar fazendo esforço. Em um País como o Brasil, a inflação mais alta é mais grave que em outros porque grande parte das despesas aqui ainda são indexadas à inflação. Não é bom brincarmos com inflação alta. Estamos pagando hoje medidas erradas do ano passado. Foi um absurdo ter congelado o preço da gasolina e ter segurado o preço de energia elétrica. Se tivesse deixado esses preços subirem quando era necessário, não teríamos inflação de 11% este ano.

 

O senhor acha que o descongelamento dos preços controlados em 2016 será suficiente para conter a inflação?

A inflação de serviços ainda está muito alta, de 8% ao ano. Com o câmbio desvalorizado, apesar da recessão, os preços livres estão subindo. Mesmo com as tarifas públicas em controle, a inflação ainda está excepcionalmente elevada. Há várias teorias sobre por que ainda está assim, mas uma das coisas é que as pessoas estão reajustando preços mesmo com demanda em queda. Aqui em Recife, você vai em um restaurante bom, o preço de um prato é R$ 90, preço de um Estado de São Paulo que é muito mais rico que Pernambuco. O setor de serviços ainda está cobrando muito caro. E no Brasil ainda tem muita coisa indexada, o que torna a redução da inflação ainda mais demorada. O salário mínimo, por exemplo, que tem aumento mesmo em recessão e leva a outros aumentos.

 

O que o senhor acha que essa perspectiva é otimista demais e não vai acontecer?

As pessoas olham para o passado e falam: de 1999 a 2011, 2012, a receita do Brasil cresceu o dobro do PIB. A arrecadação crescia numa faixa mais ou menos de 7% ao ano e o PIB cresceu 3,4%, 3,5%. Então, havia recursos para fazer tudo. Por isso muitas pessoas acham que se o governo der incentivos e a economia crescer mais rápido, o governo vai arrecadar mais e terá dinheiro para fazer o mesmo que fez nos últimos 14, 15 anos. Isso não vai acontecer porque grande parte do nosso crescimento nos últimos anos decorreu de um boom de commodities que nem tão cedo vai voltar e, se voltar, ninguém sabe quando. Hoje os preços das principais cotações do Brasil estão em queda, com exceção dos produtos agrícolas, que caíram mas ainda estão bons. O petróleo do pré-sal, que seria a grande salvação do Brasil, quando ele foi descoberto, chegou a US$ 140, hoje está menos de US$ 40. A perspectiva é que não vá voltar a ser nem US$ 50 nos próximos anos. Além disso, outra parte desse crescimento dos últimos anos decorreu de incorporamos na força de trabalho pessoas que estavam desocupadas. A população do Brasil cresce menos de 1% ao ano e nossa população de velhos vai crescer muito nos próximos anos, que vai exigir muitos recursos de saúde e previdência. Então, quando olhamos para o futuro, temos uma economia que não poderá contar com boom de commodities, então para crescer vou precisar muito mais de crescimento de produtividade, mas não vou ter crescimento forte da força de trabalho... se não conseguirmos fazer isso, corremos o risco não só de ter mais uma década perdida, mas também trajetória de crescimento baixo durante anos com agravamento de questões sociais.

 

São perspectivas sombrias...

Mas o futuro não está dado. O futuro cabe a nós. O Brasil tem várias vantagens que nos deixa otimistas. Um, o Brasil é uma economia muito diversificada. Na Rússia, um dos países dos Brics, 80% da economia dependem do setor de petróleo e gás. O Brasil é muito mais resiliente para fazer mudanças setoriais e continuar crescendo. Dois, ao contrário desses outros países, o Brasil tem uma democracia que funciona muito bem, em que mesmo em uma crise política tão séria, as instituições estão funcionando e o Judiciário é independente e está funcionando. Dos Brics, acredito que Brasil e Índia têm isso. A África do Sul tem uma taxa de desemprego de 25% e um problema sério de imigração. O Brasil não tem. A Índia tem problemas seríssimos de corrupção no setor público, não consegue ter um programa como o Bolsa Família por causa de corrupção. A China é uma ditadura que está passando por um problema de transição econômica e ninguém sabe muito bem como será. Não sabemos muito bem quais serão os resultados dessa transição, mas não se tem mais essas dúvidas no Brasil. As dúvidas aqui são sobre consensos para as novas reformas necessárias. E a experiência que temos no mundo todo é que, quando você tem crises, também são oportunidades de reformas. Não estamos condenados a sermos um País de baixo crescimento, mas não podemos ficar parados sem fazer o que é necessário. Quanto mais adiarmos a solução dos problemas, mais grave vão se tornar. Os otimistas que esperam por incentivos de um governo de um setor ou outro e pela China voltar a crescer têm uma visão romântica, que simplesmente não vai acontecer.

 

E como será 2016?

O ano de 2016 poderá ser um ano muito bom se o governo encaminhar uma série de reformas importantes. Estamos falando muito de ajuste fiscal, mas há uma série de reformas que o Brasil precisa para crescer que não necessariamente está ligada a ajuste fiscal, como simplificação tributária e desburocratização e facilitação da entrada de investidores externos para os setores de petróleo e gás e infraestrutura. Toda essa agenda não tem nada a ver com ajuste fiscal, leva a mais crescimento e o governo poderia estar avançado. Crises podem ser janelas de oportunidade para acabar ou modificar o que não funciona e ter líderes políticos que convençam a população da necessidade de reforma e é isso que esperamos que aconteça. Se eu espero que isso vá acontecer imediatamente em 2016? Não. Espero que se crie espaço para isso e se tenham debates interessantes. Parecemos estar distante disso porque as pessoas ainda esperam muito do Estado e pensam que se combatermos a corrupção o Estado terá recursos e dinheiro para investir em infraestrutura e gastar mais com saúde, educação e programas de transferência de renda.

 

Então a corrupção não estaria na lista prioritária quando se fala de contas públicas, atrás das reformas necessárias?

Do ponto de vista das contas públicas, fazer programas errados, com controle de preços, etc, é uma coisa que leva a muito mais prejuízos do que a corrupção. Olha o caso da Petrobras: quando foi feito o balanço no primeiro quadrimestre deste ano, a conta da corrupção era de R$ 6 bilhões, R$ 10 bilhões, enquanto a das ineficiências era muito maior do que isso. Então, o congelamento do preço da gasolina teve um rombo muito maior na Petrobras do que o custo da corrupção. Claro que isso tudo se mistura com a corrupção, mas em um país onde não se tenha corrupção mas se tenham políticas erradas, o problema vai continuar. Claro que é muito importante acabar com a corrupção, que é um problema muito grave, mas isso não vai encerrar o problema das contas públicas. Da mesma forma que talvez o cidadão comum pense que se o governo gastasse menos com passagem de avião e diárias resolveria o problema das contas públicas. É interessante que o governo gaste menos onde ele puder? É. Resolve o problema? Não.

 

Se um empresário ou um consumidor pedisse seu conselho de como se comportar em 2016, o que o senhor diria?

Será um ano difícil e o que as pessoas que puderem devem poupar. Você deve ser muito mais criterioso com o que você quer gastar, como postergar a troca do carro. E, se você é estudante e tem condições, aproveite para qualificar mais. Se é empresário, para melhorar o seu negócio. As pessoas não vão ficar paradas. Estarmos no meio de uma crise não é situação para as pessoas se desesperarem.

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