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Brasil pode ficar para trás se não se ligar nos carros elétricos

Enquanto vários países se voltam para a produção de veículos elétricos e híbridos, no Brasil ainda não há uma política definida para o setor

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 15/02/2018 às 11:23
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O empresário Alexandre Ferraz já esqueceu quando foi a última vez em que parou em um posto de combustível para abastecer o veículo. E olha que ele usa o carro todos os dias, cumprindo um percurso de 25 quilômetros, ida e volta, entre a sua residência, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, e o escritório, que fica no Derby, área central da cidade. Alexandre é um dos pouquíssimos recifenses (são apenas três) proprietários de um veículo 100% elétrico.

Ele usa um BMW i3, modelo importado, comprado há seis meses por cerca de R$ 180 mil. “Comprei o elétrico porque gosto de carro e tecnologia. E acabei me surpreendendo”, conta, animado com a economia com combustível e com o conforto. O carro, além de luxuoso, não faz barulho quando anda. O BMW precisa ser carregado na tomada (como um celular). Coisa que ele faz em casa mesmo, apenas uma vez por semana. “Programo o carro para ser recarregado durante a madrugada, quando a energia é mais barata.” De qualquer forma, Alexandre diz que não sentiu quase nenhum acréscimo na conta de luz. O melhor: além de não poluir, não fazer ruído e rodar sem combustível, o carro elétrico é isento da cobrança do IPVA em Pernambuco. Outro benefício é a durabilidade: a bateria aguenta entre sete e dez anos de uso. Hoje, o custo para trocá-la é de cerca de R$ 30 mil.

Se os carros elétricos, e também os híbridos – que utilizam um motor de combustão em conjunto com o motor elétrico, ainda não são populares, é só uma questão de tempo. Essa tecnologia está cada vez mais recebendo o interesse e investimentos da indústria automotiva. Mas isso não acontece por acaso. A Europa e o Oriente aumentaram o rigor em relação à emissão de poluentes. No caso do Velho Continente, por conta do acordo climático de Paris. Isso explica por que marcas centenárias, como a sueca Volvo e a inglesa Land Rover, anunciaram que a partir de 2020 só fabricarão novos modelos com propulsão elétrica ou híbrida. Como a eletrificação dos automóveis terá a ver com a própria sobrevivência do setor automotivo, a alemã Volkswagen divulgou que até 2030 todos os modelos feitos pelas marcas do grupo terão uma versão 100% elétrica ou híbrida. Isso envolve carros das marcas Audi, Porsche, Bugatti e Lamborghini.

ELÉTRICOS

A Volkswagen acredita que, em 2025, de cada quatro veículos que vender, um será elétrico. Já a BMW quer, também até 2025, ter em seu portfólio 25 veículos híbridos ou elétricos. A BMW já tem, desde 2011, um departamento que cuida apenas do desenvolvimento de modelos movidos a energia. Apesar de os Estados Unidos terem rejeitado o acordo de Paris, a gigante norte-americana Ford anunciou que irá investir US$ 11 bilhões em veículos elétricos até 2022 e pretende ter 40 automóveis da categoria em seu catálogo até o mesmo ano.

O Reino Unido quer banir os carros a combustão até 2050 (sejam eles novos ou usados) e o governo indiano já divulgou que a partir de 2030 só carros com motor movido a energia elétrica poderão ser vendidos no país, que sofre com altos índices de poluição atmosférica. O mesmo prazo deram a Alemanha e a França para começarem a banir os carros poluentes. Já a China, que produz cerca de 25 milhões de veículos por ano, deve entrar na próxima década como o maior mercado para veículos elétricos do planeta. Só a Volkswagen pretende vender por lá cerca de 400 mil unidades por ano.

A dúvida é se o Brasil vai ficar distante deste cenário. Até o final deste mês, o presidente Michel Temer deve sancionar o Rota 2030, um programa de incentivos e desenvolvimento da indústria automotiva nacional que levará em conta a eficiência energética e a redução na emissão de poluentes. Nestes aspectos, os carros elétricos são imbatíveis, mas a política de incentivos, como a redução de impostos para os elétricos serem produzidos aqui, ainda é incerta. O governo já retirou o Imposto de Importação, de 35%, e estuda reduzir o IPI, hoje de 25%, para cerca de 7%. O problema é que a proposta de redução de tributos provocou uma queda de braço entre o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério da Fazenda, o que acabou por atrasar a implantação da nova política nacional do setor automotivo prevista para o final de 2017.

O Rota 2030 deve contemplar um teto de subsídios de até R$ 1,5 bilhão para a indústria automotiva em geral quando estiver totalmente implementado, projeta o governo. O programa terá prazo de 15 anos e será dividido em ciclos de cinco anos.
No entanto, a regulamentação da produção e a comercialização de veículos elétricos e híbridos no País devem acontecer em 2020, mas o conteúdo definitivo do programa só será conhecido depois da publicação no Diário Oficial.

BRASIL

Embora o Brasil tenha produzido 2,6 milhões de automóveis em 2017, nenhum automóvel fabricado no País é elétrico. Até estão à venda no mercado nacional sete modelos híbridos e um elétrico, mas todos importados. Os preços vão de R$ 126 mil (Toyota Prius) até R$ 800 mil (BMW i8). A Volkswagen vai fabricar e vender aqui, a partir do ano que vem, um caminhão leve para entregas urbanas 100% elétrico que já está sendo testado. Segundo um estudo feito no ano passado pela FGV Energia (divisão de pesquisa da Fundação Getúlio Vargas voltada para o setor energético), o Brasil poderia absorver uma demanda de até 150 mil carros eletrificados por ano (cerca de 8% da produção atual de veículos), mas esse número deve demorar alguns anos para ser atingido, informa Tatiana Bruce, pesquisadora da FGV Energia. “O Brasil deve perder esta primeira onda do carro elétrico por falta de subsídios do governo”.

A economista explica que no mundo todo o carro elétrico tem incentivos robustos para que fiquem mais acessíveis. “As baterias ainda são muito caras e acabam encarecendo o preço final do veículo. Mas, com o aumento da produção, elas devem baratear ao longo do tempo”. Tatiana estima que o boom do carro elétrico deva acontecer no mundo, e no Brasil, por volta de 2030. Pelo sim, pelo não, o mercado já se prepara para conviver com os veículos elétricos. O consultor automotivo Alexandre Costa há quatro anos se capacita com cursos de tecnologia automotiva feitos no Sul e Sudeste do País. Alexandre repassa os conhecimentos para profissionais dos setores de autopeças e reparação de veículos em treinamentos promovidos no Recife. O último, realizado no fim do ano passado, reuniu 126 profissionais entre mecânicos e donos de oficinas.

Como todo híbrido, o Prius, da Toyota usa um motor elétrico e outro a gasolina. Custa R$ 126 mil. -
Outro híbrido no mercado brasileiro é o Ford Fusion, que sai por R$ 160 mil -
A GM quer vender o Bolt, 100% elétrico no Brasil em 2019. Nos EUA ele custa cerca de 37 mil dólares -
A Volkswagen desenvolveu no Brasil um caminhão urbano elétrico que deve estar nas ruas em 2019 -

“Este tipo de veículo tem muito menos peças e exige bem menos manutenção do que um carro com motor a combustão”, explica Alexandre Costa, detalhando que cerca de 30% das oficinas mecânicas deverão fechar neste cenário disruptivo. “Não será preciso trocar óleo, velas, filtros ou correias porque esses componentes não existem no modelo elétrico. Mas, por outro lado, é preciso ter conhecimento na área de energia, pois o motor trabalha com tensões elétricas elevadas e perigosas.” Costa diz que o cenário é de mudança rápida e exige adaptação do setor de serviços e de autopeças. “Dentro de 10 anos, o carro elétrico deixará de ser algo exótico e vai se tornar comum. É um caminho sem volta”, estima Alexandre Costa.

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