OPINIÃO

Fim da crise depende da redução da desigualdade, diz jornalista francês

Guillaume Duval, editor-chefe da segunda maior revista da França, Alternative Economic, defende uma visão mais atual de desenvolvimento para o Brasil

Da editoria de economia
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Publicado em 06/05/2018 às 6:20
Foto: Alexandre Godim/ JC Imagem
Guillaume Duval, editor-chefe da segunda maior revista da França, Alternative Economic, defende uma visão mais atual de desenvolvimento para o Brasil - FOTO: Foto: Alexandre Godim/ JC Imagem
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Editor-chefe da revista mensal Alternative Economic – a segunda mais vendida da França, com 85 mil exemplares – Guillaume Duval esteve no Recife em abril para ministrar as palestras O fim da globalização? e Aonde está indo a Europa. A visita, promovida pela Aliança Francesa, fez parte de um roteiro pelo Brasil com o intuito de promover um intercâmbio de análises econômicas. Em entrevista à repórter Luiza Freitas, Duval detalhou sua visão da situação brasileira atual.

ENTREVISTA

JORNAL DO COMMERCIO – Os temas das duas palestras dialogam muito com o atual cenário do Brasil. Como o senhor justifica o fortalecimento em todo o mundo de linhas mais radicalmente à direita na política e suas consequências para a economia?

GUILLAUME DUVAL – Na Europa, esse cenário é um pouco mais particular. As lideranças de direita que estão se aproximando do poder – a exemplo da Hungria e da Itália – são pessoas que criticam o liberalismo e querem mais social, mas são de direita. Mas de maneira mais geral, na palestra mostro que a globalização não evoluiu de maneira muito positiva nos últimos 40 anos. A discrepância entre os países ricos e pobres criou uma economia mundial desequilibrada que não é boa para nenhum dos lados. O resultados são crises financeiras sucessivas como temos visto. O resultado são pobres e classe média insatisfeitos e o fortalecimento de figuras como Trump e outros de extrema direita em outros países. Mas eles não são a solução. Fechar-se em suas próprias fronteiras só aumenta a austeridade, aumenta os preços e a insatisfação dos pobres e da classe média.

JC – E como a América Latina e o Brasil ficam diante dessa situação?

DUVAL – A América Latina não conseguiu alcançar o desenvolvimento industrial que houve na China. E o Brasil, mais particularmente, foi vítima da doença das matérias-primas. Tem posições muito boas de exportação de café, soja, ferro... mas não conseguiu desenvolver bem a indústria de transformação para criar valor agregado sobre esses produtos. Isso faz com que não haja renda suficiente para uma evolução nos modelos sociais e criar um sistema mais eficiente de combate à desigualdade. Mas a Europa sabe que o destino da América Latina é muito importante para o futuro do mundo. O Brasil precisa conseguir se desenvolver e resolver seus problemas – incluindo a questão da Floresta Amazônica. Isso é um desafio importante para o mundo.

JC – Para chegar a isso precisamos resolver nossa crise econômica atual. Estamos indo bem?

DUVAL – Há uma questão central, que é a situação política. Tanto saber quem será o próximo presidente quanto estabilizar o próprio sistema político sem renunciar à democracia. Até porque o nível de desenvolvimento atingido pelo Brasil hoje não suportaria um regime autoritário. Sobre economia, a impressão que tenho é que o Brasil pensa o desenvolvimento hoje como se pensava ontem, e isso não é mais possível. É muito importante conseguir um quadro econômico compatível com a crise ecológica. O Brasil tem realmente uma boa capacidade para as energias renováveis. Tem também uma capacidade agrícola grande, mas que hoje está sendo usada de forma negativa.

JC – E o que seria o desenvolvimento possível?

DUVAL – É um desenvolvimento menos focado nas matérias-primas, que economiza energia e permite a preservação da floresta – o que não significa não utilizá-la. A formação e a qualificação ainda são um desafio grande para o Brasil. Não é uma questão de formação universitária, mas da educação primária, além da própria desigualdade social. Não é suficiente ter só as elites bem formadas, com domínio de outras línguas e com acesso às tecnologias. É preciso ter um número maior de pessoas com boa formação.

JC – Qual a impressão que a França tem do atual governo brasileiro?

DUVAL – Parece claro que havia desequilíbrios econômicos importantes no governo de Dilma Rousseff e eles precisavam ser corrigidos. Mas a apreensão que temos em relação ao governo Michel Temer é que ele tem uma legitimidade democrática muito frágil. Há ainda uma preocupação de que a gestão possa representar uma tentativa de volta ao passado em relação justamente ao trabalho pela redução da desigualdade.

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