Direitos

Consumidores obesos são esquecidos pela legislação

Eles não têm prioridade em filas nem vagas de estacionamento especiais

Viviane Barros Lima
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Viviane Barros Lima
Publicado em 19/04/2011 às 0:40
Foto: Igo Bione/JC Imagem
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Toda vez que há um evento familiar, Geni da Silva, 55 anos, fica nervosa. Os detalhes que são comuns a maioria, como que roupa colocar, quem levar a tiracolo, quem são os parentes que estarão presentes, não são a principal preocupação de Geni. Ela pensa como vai chegar lá. Com 104 quilos, a senhora tem um imensa dificuldade de sair do lugar. Ficar de pé durante muito tempo é um verdadeiro tormento. Mesmo com esse problema, ela não tem absolutamente nenhuma prioridade no atendimento das empresas de transporte.

Para andar de ônibus é um sacrifício. Para eventos familiares, quase sempre uma van é alugada para transportar a senhora. Já o martírio cotidiano é pegar o ônibus de Campo Grande, onde ela reside, para São José, onde tem um quiosque para vender refeições. Só consegue entrar no ônibus porque o motorista é seu amigo e para o veículo bem perto do meio fio, o que permite uma mobilidade maior na hora da entrada. Como não tem prioridade para sentar, ela pede com toda gentileza e com o sofrimento estampado no rosto para que alguém lhe ceda um assento.
Às vezes causa comoção, e alguém faz o favor. Em outras, o jeito é sentar em cima do motor do ônibus, ao lado do motorista, porque, segundo ela, é humanamente impossível fazer o percurso de pé.



Infelizmente, o martírio de Geni e de milhares de outros obesos pernambucanos devem perdurar por um bom tempo. Segundo entidades de proteção ao consumidor, não existe nenhum legislação no Estado que promova algum tipo de prioridade para essa categoria de pessoas nas filas, nos meios de transporte ou em qualquer outro serviço. “Não estamos falando só de consumo, essas pessoas têm que ter prioridade para se locomover como ter garantia de vagas especiais nos estacionamentos públicos e privados”, informa o presidente do Procon-PE, José Rangel. Segundo ele, a iniciativa de legislar sobre o assunto tem que ser em âmbito federal, ou seja, deve valer para os obesos de todo o Brasil.

A professora de inglês Sandra Waller, que hoje pesa 127 quilos, mas antes da cirurgia de redução de estômago, estava com 157, não anda de ônibus há anos. Tem medo de não passar na roleta e ser alvo de gozações como já aconteceu. “O preconceito contra o obeso é grande e tem que ser superado. Ninguém é assim porque quer, as pessoas têm que ter a consciência de que a obesidade é uma doença”, desabafa. Ela também tem outras privações. Evita ir ao cinema por causa do tamanho das poltronas e quando vai fazer feira sofre aguardando nas longas filas.

Algumas leis estaduais tentam amenizar o problema. No Rio de Janeiro, por exemplo, as instituições de ensino são obrigadas a ter cadeiras adequadas para os obesos. Mas em âmbito federal ou em Pernambuco, não existe uma lei que defenda a categoria. “Não conheço nenhuma empresa que dê prioridade aos obesos ou tenha uma política para amenizar o sofrimento dessa população. Mas aconselho a esses consumidores que tenham dificuldade de locomoção a exigir prioridade nas filas do cotidiano. Se ele não for atendido, deve fazer uma denúncia aos órgãos de defesa do consumidor”, diz a coordenadora executiva da Associação de Defesa do Consumidor, Rosana Grinberg. Ela diz que o consumidor deve procurar a Justiça. “A resposta do Judiciário pode não ser favorável no primeiro momento, mas é preciso reclamar para que essa visão mude”.

Mudança é o maior desejo de Edson Oliveira, 56 anos, hoje com 160 quilos (já pesou 203 kg). Ele fica acanhado de frequentar alguns restaurantes com medo de quebrar as cadeiras. Quando chega em algum lugar, pede logo uma cadeira reforçada que aguente seu peso. Quase não vai ao banco, resolve tudo por telefone. Ele é proprietário de uma revenda de bebidas no bairro de São José. Passa a maior parte do dia sentado atrás de um balcão.
Além da falta de direitos, os obesos têm que vencer o preconceito. Eles são prisioneiros do próprio corpo e vítimas da gozação diária e repetitiva. O cantor Leo Jaime, que também está acima do peso ideal, define bem essa realidade em seu blog. “Há um grande, um enorme preconceito. Este sim está muito acima do peso. E parece que o preconceituoso professa sua maledicência com a generosidade dos santos: é para o seu bem! Um ova! O preconceito contra os gordos é o único tolerado hoje em dia”.

Leia mais sobre este e outros assuntos referentes ao direito do consumidor no caderno de Economia do JC desta terça-feira.

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