Infraestrutura

Privatização de rodovias: o risco político

Exemplos não faltam de que a iniciativa privada sabe administrar melhor. O problema é como a desestatização é feita

Giovanni Sandes
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Giovanni Sandes
Publicado em 06/10/2013 às 0:23
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PT, PSB, PSDB... Não importa o partido, o Brasil finalmente aprendeu que o uso adequado das privatizações é bom para desenvolver o País – ainda que alguns, constrangidos, prefiram o termo técnico, concessão. Um governo que fiscaliza e regula bem a iniciativa privada incentiva o mercado a construir, melhorar e conservar os portos, aeroportos, ferrovias e rodovias, impulsionando a economia e beneficiando a população. Mas há o problema político, de como cada governo faz a privatização. É o que cria a enorme distância entre projetos que melhoram toda uma região e os que provocam insatisfação popular e dívidas longas e pesadas para os governos – pagas, claro, pelo contribuinte.

As rodovias são o maior símbolo do atual debate sobre a necessidade das privatizações. Basta observar os leilões de rodovias da presidente Dilma Rousseff (PT), os projetos do ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB) e do governador Eduardo Campos (PSB), todos eles prováveis nomes das eleições presidenciais de 2014.

O futuro do País é revisitar o passado. Não a época de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas no Brasil Império e depois República, com ferrovias e portos bancados pela iniciativa privada. No início do século passado, o País seguiu uma onda global de estatização. Mas desde os anos de 1980, diante de crises financeiras, a qualidade ruim e baixo ritmo de expansão dos serviços públicos promoveu o resgate da iniciativa privada.

Nesses 30 anos, cada País buscou sua fórmula. França, Inglaterra e Estados Unidos colocaram com sucesso empresas privadas à frente de áreas como rodovias com pedágio. As empresas fazem obras e prestam serviços, como socorro 24 horas, sinalização com novas informações em tempo real, telefones ao longo da rodovia. A Alemanha optou por manter diretamente as autobahns com dinheiro público e também pedágio, só cobrado a caminhões acima de 12 toneladas.

“Existem queixas sobre o valor da tarifa, mas o único local do Brasil com ‘padrão Fifa’ de rodovias é São Paulo, em razão das privatizações feitas no governo Mário Covas, em 1995”, conta o coordenador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. O ranking da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostra que 19 das 20 melhores estradas do Brasil estão em São Paulo.

Tecnicamente, privatização é a venda de patrimônio público e concessão, um contrato que, no final, reverte de volta o patrimônio ao governo. Mas a troca de acusações sobre “entreguismo” fez governantes como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma e também Eduardo Campos, no passado, chamarem de privatização o que hoje exigem que seja tratado apenas como concessão. Isso ocorre em casos como os leilões de rodovias de Dilma ou o acesso viário ao Paiva, no Cabo de Santo Agostinho, parceria público-privada (PPP) que tem quase 100% de aprovação dos usuários, segundo pesquisas de opinião.

“É uma privatização tão envergonhada que nem se usa o nome. É ‘concessão’. Privatização quem fez foi sempre o outro”, diz Adriano Pires. Sobre este temor, vale lembrar as últimas eleições presidenciais, quando o PSDB não teve coragem de assumir o legado de FHC, principal responsável pela desestatização de vários setores, como o de energia e telecomunicações.

Seja qual for o nome, o importante nesse tipo de contrato é o modelo: a criação das regras e o estudo prévio adequado do projeto, a aplicação da lei e a fiscalização efetiva.

“O Brasil tem buscado novos modelos. Governo federal, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco, todos têm projetos de concessão, PPPs. E todos estão enfrentando desafios de gestão”, comenta Bruno Pereira, presidente do Observatório das Parcerias Público-Privadas (PPP Brasil).

Para uma estrada manter a qualidade por toda a concessão, é preciso estabelecer e exigir padrões claros de controle de qualidade e também cuidar da parte financeira, para equilibrar todos os lados: governo, usuários e a concessionária. O presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte, diz que o lado financeiro envolve quatro fatores: o custo das obras, o custo rotineiro da operação, o financiamento e o fluxo de veículos. Se engana quem pensa que a empresa quer cobrar o mais caro possível. Em Portugal, na crise europeia, o pedágio caro esvaziou rodovias. “A tarifa não pode ser alta demais. É preciso equilíbrio”, diz Moacyr.

Hoje o Brasil tem 53 concessionárias à frente de 14.768 quilômetros de rodovias, segundo a CNT. Elas são pagas só com pedágio, nas concessões comuns, e com pedágio e dinheiro público nas concessões patrocinadas. Agora, Pernambuco está prestes a licitar um modelo inédito: a BR-232, uma concessão 100% paga com dinheiro público.

A nova BR-232 proposta pelo governo do Estado entrará em consulta pública a partir de amanhã, no site www.ppp.segov.pe.gov.br. Mesmo sendo um período em que o governo receberá críticas ou sugestões até o próximo dia 5 de novembro, na prática a mera realização da consulta pública já permite ao Estado licitar o contrato bilionário, não importa o tipo de discussão levantada durante esse prazo. E a questão é que o modelo da nova BR-232, inédito no Brasil, pode até não ter pedágio, mas é caro, uma decisão que deveria ser melhor debatida antes de ser tomada.

Neste sábado (5), o JC trouxe uma entrevista com Gustavo Henrique Schiefler, que explica como outros Estados garantem o que Pernambuco não tem em seu Programa de Parcerias Público-Privadas (PPPs): transparência. Enquanto São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais e Alagoas usam editais com convocações públicas para a apresentação de sugestões de PPPs, em Pernambuco isso simplesmente não existe, resultando em pouca transparência e uma concentração grande de empresas pela apresentação de estudos.

Confira a reportagem completa na edição deste domingo (6), no JC.

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