Contas públicas

Pernambuco esvazia controle de gastos públicos

Além de faltar 60% do pessoal na área, governo manobra para retardar em até 8 anos nomeações de concurso da CGE

Giovanni Sandes
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Giovanni Sandes
Publicado em 09/07/2014 às 0:30
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Além de faltar 60% do pessoal na área, governo manobra para retardar em até 8 anos nomeações de concurso da CGE - FOTO: NE10
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Já pensou se, em vez de estar sem Neymar, a seleção contasse com menos da metade do time titular? E se ainda por cima Felipão brigasse para não completar a equipe e ficar sem atacante, zagueiro, laterais? É a situação da Controladoria Geral do Estado (CGE). Órgão responsável por controlar dentro do governo o gasto público e evitar problemas como o das obras de mobilidade da Copa 2014, que saíram pela metade e mais caras, a CGE está esvaziada: tem 60% de seus 180 cargos sem pessoal. E o governo ainda faz o que pode para não convocar 82 aprovados em um concurso de 2010. Já houve recomendação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e briga judicial. Ainda assim, as nomeações podem ficar para 2018.

“O controle das contas públicas é uma questão muito em alta. Por isso não dá para entender o que está acontecendo em Pernambuco”, afirma Gleisse Gonçalo, 31 anos, uma das aprovadas no concurso da Controladoria. “Não é a única atribuição, mas um dos focos da CGE é evitar a corrupção”, ressalta.

O concurso da Controladoria teve duas etapas, uma prova objetiva e um curso de formação. A primeira fase ocorreu em 2010, último ano da primeira gestão Eduardo Campos. Mas o governo deixou de lado a segunda etapa. Eduardo encerrou sua segunda gestão, rumo à campanha pelo Planalto, e o resultado da segunda etapa só foi homologado nos primeiros dias da gestão João Lyra.

Em agosto de 2013, uma comissão de aprovados brigou na Justiça para o governo realizar a segunda etapa do concurso, o curso de formação, e finalizar a seletiva. Em dezembro passado o TCE recomendou a contratação do pessoal em sua análise das contas estaduais de 2012: afirmou que o governo deveria “estruturar” a CGE “por meio da nomeação de quadro efetivo através do concurso público em vigor, de forma que esta Secretaria desempenhe adequadamente o efetivo acompanhamento” das contas públicas.

Assim, depois de tudo isso o curso saiu. A homologação do resultado do concurso veio em 11 de abril passado. Parecia que era só contar os dias para a nomeação. Nada disso. Enquanto abriu concursos para outras áreas, o governo enfatiza o prazo máximo que tem para convocar o pessoal da Controladoria, de 2 anos, prorrogáveis por mais 2 anos – ou seja, até 2018.

“É o único concurso de Pernambuco em que aconteceu isso. É um descaso. A gente considera proposital”, diz Karlos Bungenstab, 30 anos, outro aprovado. Ele participa de uma comissão formada pelos concursados. “Essa é a atividade que fiscaliza as contas públicas de dentro, faz o controle interno. Existe recomendação do TCE e nada de nomeação. É muito estranho o que está acontecendo”, diz Karlos.

Com a Controladoria reforçada, seria possível fiscalizar melhor contratos como o do corredor Leste-Oeste e o Ramal da Copa. No conjunto, diz o Tribunal de Contas, quatro obras tiveram um gasto excessivo e passível de devolução pelas empreiteiras de R$ 82 milhões.

É uma contradição amplificada pela Contas Abertas, organização não governamental referência no combate à corrupção e reconhecida até pelo governo de Pernambuco. Em 30 de maio passado, indicado ao topo de um ranking da ONG, o Estado divulgou comunicados e notícias em sites oficiais comemorando o reconhecimento da Contas Abertas, por ter o segundo melhor Portal da Transparência do Brasil.

Acontece que, no último dia 2, a mesma ONG mostrou o outro lado: o governo tem um ótimo site, mas para controlar gastos e combater a corrupção, sofre de falta de pessoal. A CGE tem só 72 analistas, enquanto a Lei Complementar 119, de 2008, define 180 cargos para a Controladoria. Mesmo se todos fossem nomeados amanhã, 14% das vagas previstas em lei ainda ficariam vazias.

Procurada, a CGE comunicou que a resposta caberia à Secretaria de Administração, que se posicionou por escrito. Ela enfatizou a homologação da segunda fase do concurso, iniciado em 2010, em abril passado. “Diante disso, as nomeações podem ocorrer dentro da validade do concurso, que se expira em 2016”, comunicou a secretaria. O fato de o prazo poder ser renovado por mais 2 anos joga o limite para 2018.

Gleisse Gonçalo, enquanto esperava a nomeação, foi aprovada em outros concursos. Atualmente ocupa uma vaga temporária na Controladoria Municipal do Recife, para a qual ironicamente foi treinada no ambiente da CGE, e foi aprovada para um cargo efetivo no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo. “Posso ser chamada a qualquer momento para assumir no TRE. Mas o trabalho na Prefeitura do Recife me mostrou que tenho vocação para a Controladoria. Nasci para isso. Se eu já estiver lá e sair a nomeação, acho que eu volto”, diz Gleisse.

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