PAROU O BRASIL

Empresários podem ser responsabilizados por protestos de caminhoneiros

Diferentemente da greve, prática de locaute é iniciativa de patrões, geralmente usada para constranger trabalhadores e impedi-los de trabalhar

Fillipe Vilar
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Fillipe Vilar
Publicado em 31/05/2018 às 17:31
Foto: Divulgação/PRF
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A Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) vem investigando a ação de “agitadores”  em protestos na paralisação dos motoristas de caminhão no Estado. Segundo o chefe da PCPE, Joselito Kehrle, que se pronunciou em coletiva dada na última quarta-feira (30), esta ação se daria por meio de “interdição de vias, impedindo o direito de ir e vir, uso de força e dano ao patrimônio”, com a ação de vândalos apedrejando caminhões.

Todas estas práticas poderiam ter iniciativa de pessoas infiltradas, a mando de donos de empresas, como sugeriu o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, no dia 24 de maio, ao afirmar que o governo está apurando se houve a prática de locaute. O termo, originado do inglês “lock out” (trancar), designa uma situação em que o patronato impede uma categoria de trabalhadores de realizar os seus serviços para, assim, conseguir benefícios.

O locaute, que já foi considerado crime no Brasil, é considerado uma infração à Lei 7.783/1989, a “Lei da Greve”, que diz em seu Artigo 17: “Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout)”.

Desde o dia 23 de maio, quando o governo federal lançou o primeiro acordo com os grevistas, as reivindicações iniciais do movimento foram atendidas. É o que afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Cargas do Estado de Pernambuco (Sintracape),  Wilton Nery. “Naquela quarta-feira (23) os nossos associados se retiraram do movimento, pois achamos que tudo o que a categoria pediu foi dado e, inclusive, ampliado com as medidas provisórias lançadas no domingo (27)”, atestou.

Os associados do Sintracape participaram da mobilização que estava concentrada no Porto de Suape. A movimentação no Porto foi dispersada pela polícia e Forças Armadas na madrugada da terça-feira (29) para a última quarta-feira. Nery explica que o sindicato saiu já na semana passada em cumprimento de diversas liminares notificando a categoria a desobstruir as vias. “Mesmo assim, com a continuidade dos bloqueios, continuamos recebendo liminares”, concluiu.

Também na terça-feira (29), a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) divulgou nota convocando a categoria a encerrar a paralisação, pontuando como conquista dos caminhoneiros autônomos a extinção das ações judiciais propostas pela União contra estes grevistas.

Um estudo divulgado por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) em fevereiro de 2018 atestou  que cerca de 48% dos caminhoneiros na região Nordeste têm carteira assinada. Apenas 29% são autônomos. A proporção é similar em todas as regiões.

Consequência legal

De acordo com o advogado Rômulo Saraiva, o locaute, tradicionalmente, é utilizado para constranger funcionários. “Em geral, a prática acontece quando, por exemplo, um patrão fecha as dependências da empresa, impedindo o empregado de trabalhar. Ou faz com que ele realize suas atividades de forma limitada”. No caso da greve dos caminhoneiros, que trabalham externamente, o locaute se caracteriza quando os patrões impedem o direito de ir e vir dos empregados, os barrando de voltarem às suas casas.

Indícios da prática apareceram em todo o país, além das investigação da Polícia Civil de Pernambuco. No Paraná, vazaram áudios de whatsapp do deputado Marcio Paulik (SD-PR), vice-presidente das lojas Mercado Móveis, pedindo para que seus empregados, motoristas de caminhão, “ficassem firme” na paralisação. Em São Paulo, o Ministério Público abriu inquérito para averiguar se aconteceram sequestros de caminhoneiros nos pontos de bloqueio.



“No caso dessa paralisação, se aconteceu o locaute, os responsáveis podem ser responsabilizados por crime contra a economia, contra o direito de ir e vir dos funcionários retidos. Além disso, podem ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional”, afirmou Saraiva. É crime, segundo o artigo 15 desta lei, “Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres”. A pena é de prisão, de 3 a 10 anos.

Para o caso dos caminhoneiros formalmente empregados, os patrões seriam responsabilizados, sendo provada a prática de locaute. Os empresários identificados serão multados e obrigados a pagar indenizações. De acordo com Saraiva, “o empregador vai ter que pagar aos seus funcionários os dias que eles permaneceram parados, pois eles não estavam no local por vontade própria”.

A greve

A paralisação nacional dos caminhoneiros terminou na última quarta-feira (30) e durou dez dias. Os impactos foram sentidos em vários setores da economia. De acordo o economista Rafael Ramos, da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE), “cerca de 400.000 pessoas circulam pelo centro do Recife em dias normais. Nos dias da greve, os varejistas perderam consumidores por conta da dificuldade de locomoção causada pela falta de combustíveis”.

Foto: Divulgação/PRF
Caminhoneiros voltam a protestar nas rodovias de Pernambuco - Foto: Divulgação/PRF
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Caminhoneiros voltam a protestar nas rodovias de Pernambuco - Foto: Divulgação/PRF
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Caminhoneiros voltam a protestar nas rodovias de Pernambuco - Foto: Divulgação/PRF
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Caminhoneiros voltam a protestar nas rodovias de Pernambuco - Foto: Divulgação/PRF
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Protesto nos quilômetros 96,8 e 98,5 da BR 423, em Garanhuns - Foto: Divulgação/PRF
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Protesto nos quilômetros 96,8 e 98,5 da BR 423, em Garanhuns - Foto: Divulgação/PRF
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Manifestação em Abreu e Lima - Foto: Divulgação/PRF

Supermercados e restaurantes, que armazenam produtos perecíveis, também foram impactados. Os prejuízos são difíceis de calcular. “É complicado estimar esse dado, porque teríamos que levantar como cada varejista lidou com a crise”, afirmou Ramos, “mas todos sentiram, de forma mais ou menos acentuada”.

Os caminhoneiros pediam, entre outras coisas, diminuição de R$ 0,46 no óleo diesel na bomba por 60 dias. O governo concedeu o desconto, além de reajustes graduais mês a mês, acompanhando o preço do petróleo e do dólar no mercado internacional. Os caminhoneiros também conquistaram a isenção do pedágio do eixo suspenso em todas as rodovias do Brasil; conseguiram destinar 30% dos fretes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para motoristas de caminhão autônomos, além de estabelecer um preço mínimo para fretes. Todas as medidas foram garantidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que regulamenta o setor.

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