Paolo Rossi entrou na vida dos brasileiros de penetra, dos mais incômodos, que vem com autoridade. Não tem como tirá-lo. Ele se fixou. Mancha de molho em roupa branca. Dançou, bebeu. Estragou a festa. Saiu por cima. Aliás, não saiu.
Quem viveu aquele 5 de julho de 1982 lembra. Veio aquele italiano magro de ruim e, lapt!, um gol. Ruim nada, cruel. Lapt! Outro gol. Cruel nada, sanguinário. Lapt! Outro.
E mandou todo um povo para casa. Voltou a seleção que ia nos dar o tetra. A seleção que se tinha certeza ia nos dar o tetra. Mais: a seleção que era o futebol show de bola, que nos faria ganhar bonito mais uma vez, que nos faria os maiores habitantes do mundo de novo, pela quarta vez e de vez.
Valdir Peres; Leandro, Oscar, Luisinho e Júnior; Toninho Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder. Voltaram todos para casa. Voltou ainda Telê Santana, o técnico. O TÉCNICO. Voltaram ainda Paulo Isidoro, Batista, Edinho, Juninho, Carlos, Edevaldo, Leandro, Careca, Pedrinho e Dirceu.
Voltou a esperança morta. Esperava-se tudo daquela seleção, menos a derrota. Tudo. Os empates esdrúxulos, as viradas inacreditáveis. Até uma vitória verde-amarela roubada sem necessidade. Tudo.
Mas naquelas maldades incompreensíveis, quando se duvida da existência de Deus, de que exista justiça maior, o tudo virou nada, virou a dura realidade de que o melhor não é invencível.
Aí se vai para cama chorando aos 14 anos de idade. No primeiro Mundial que de verdade te importou, no qual se deu conta do que era um Mundial, do que é ser brasileiro nessa época.
Restou chorar escondido. Chorar abafado se esforçando para dormir e apagar. Ao menos amenizar. Para não ouvir mais comentários. Para não ouvir mais os “Eu sabia!”, os “Eu avisei!”, os papos furados que jamais existiram, que vieram na arrogância de sabedoria frígida e mentirosa. Dormir para não ouvir mais o silêncio de amordaçar rojões.
Para acordar ainda com a imagem de Paolo Rossi nos metendo três gols. Dele correndo de braços abertos abraçando aquele monte de caras de azul, Smurfs do inferno.
E, deles, apenas ele nos ficou. Nenhum outro italiano nos importou. Era ele e mais 10. Nunca mais seria esquecido. Antes daquele dia, ele nos era coisa nenhuma. Depois daquele dia, ele se tornou a nossa pior coisa.
Era a figurinha no álbum que se queria rasgar. Era a capa de revista que nem se queria olhar. Era a foto de primeira página em jornal do dia seguinte que foi entregue como sal no corte.
O Bambino d’Oro dos italianos era o nosso #$@%¨¨++!!**. Impronunciável. Indefinível. Era a competência, a fatalidade, o capeta, o “como assim?” Era a cara de bobo de Zico e de Sócrates, a cara de raiva de Éder e Júnior, a cara de desânimo³ de Telê Santana.
Era o Brasil de 1982 matando saudade do Brasil de 1950. A bandeira caída do lado. A faixa de cabeça jogada e pisada. A camisa retirada para servir de lenço. O copo entornado sem grito antes, nem depois, sem voz. Era culpar o azar alheio. A blusa nova da esposa, o amigo pé-frio que apareceu para assistir junto. Era o descrédito de que venceríamos uma Copa no futuro.
Com seus três gols contra nossos dois, Paolo Rossi era nossa mordaça. O cara que só precisou de uma partida para entrar na nossa história.
Paolo Rossi foi campeão do que era brasileiro por direito adquirido logo de véspera. Foi o nosso ódio encarnado e nosso desencanto de “fazer o quê?”
Paolo Rossi agora é passado. Já faz 30 anos. Rancor zero. Foi dele. Na crueza gélida da regra, ele ganhou. Apenas cumpriu sua obrigação de artilheiro e patriota. Marcou três por ter sido autorizado pela defesa verde-amarela a fazê-los.
Nesse meio tempo, até passou a faixa de Matador Oficial de Canarinhos para Zinédine Zidane. “Agora é contigo, francês!”
Agora, o italiano se resume a uma imagem distante neste 5 de julho. Vestido de azul-desgosto e com aquele memorável sorriso de alfinete.
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