Artigo

São Garrincha Arcanjo

Primeiro ele, com sua camisa 7, bem antes de Maradona, derrubou não a maioria, mas a unanimidade do eterno camisa 10

Por Miguel Rios
Cadastrado por
Por Miguel Rios
Publicado em 20/01/2013 às 12:24
NE10
Primeiro ele, com sua camisa 7, bem antes de Maradona, derrubou não a maioria, mas a unanimidade do eterno camisa 10 - FOTO: NE10
Leitura:

 

O João que Garrincha não conseguiu driblar o perseguiu a vida inteira com a maldade de um encosto e acabou com ele. O álcool matou o anjo, o das pernas tortas, o que morreu estrela solitária, o que desafiou o rei do futebol, o que jogava bola por brincadeira, de futebol moleque, o verdadeiro moleque-futebol.

Era 20 de janeiro de 1983 e a notícia de que o gênio número 2 morria abalou o País do futebol número 1. O dia em que não se teve mais certeza das posições no ranking dos gênios. Foi Pelé melhor que Garrincha? Foi Garrincha o grande injustiçado? Quem foi de fato aquele cafuzo que dançava, provocava, irritava dentro de campo, politicamente incorreto com os adversários, que o povo tanto amou? 

Primeiro ele, com sua camisa 7, bem antes de Maradona, derrubou não a maioria, mas a unanimidade do eterno camisa 10.

Garrincha era o cara simples, sem grandes ambições, sem grande desenvoltura extracampo. Vida de homem comum, irmão de 14, de família humilde, com casamentos, separações, amantes, filho ilegítimo, tabacudices, gastança, risível por sua ignorância de quem nasceu e viveu do povo, bebedor sem moderação.

O que maltratava os joões em campo, aqueles de quem desviava sem dó nem dificuldade, mas que considerava covardia malhar Judas na Semana Santa por se tratar de um boneco indefeso.

O que desafiou a anatomia com sua perna direita seis centímetros mais curta que a esquerda e ambas envergadas para um só lado.

As pernas fora de esquadro que fizeram o técnico do Botafogo Gentil Cardoso desacreditar dele. Nilton Santos saiu em defesa daquele que viu jogar apenas em um teste: “Gentil, tá vendo aquele garoto, contrata logo, pelo amor de Deus, senão nunca mais vou poder dormir sossegado”. Na verdade, em defesa própria.

O ponta-direita que "parado já era um drible", segundo Jô Soares. A certeza íntima do adversário de que qualquer esforço seria inútil.

O camisa 7 que nos deu a Copa de 1962, quando a contusão em Pelé doeu em todo Brasil. Deu com a mesma alegria que dava à América Fabril, indústria de Pau Grande, os títulos nos campeonatos locais. Era funcionário nada dedicado. Já bebia, já namorava demais. O talento com as chuteiras segurava o emprego.

O que acabou pobre como nasceu, largado como não merecia, alcoolizado, meio demente, triste como ninguém escolhe, apenas embarca.

O rei que, ofuscado pelo Rei Sol, reinou na sombra. Sem neuras, sem fazer questão.

Garrincha foi o, digamos, vira-lata que nos livrou do complexo rodrigueano. O brasileiro mais que brasileiro que jogou o futebol mais que brasileiro, que mostrou ao mundo desde a Suécia em 1958 o que é o genuíno futebol brasileiro. Ou melhor, futebol mais que brasileiro: o futebol garrinchiano, que até hoje é exclusivo de um.

 

Últimas notícias