CRIME

Al-Qaeda x EUA na Paraíba

Facções rivais que disputam o controle do tráfico de drogas em João Pessoa adotaram os nomes da rede terrorista e da potência mundial

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 12/05/2012 às 14:00
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De um lado, Estados Unidos. Do outro, Al-Qaeda. Não, não é a disputa entre a potência capitalista e a rede terrorista islamita. EUA e Al-Qaeda também duelam na vizinha Paraíba. Foram os nomes dados às duas facções criminosas que rivalizam pelo controle do tráfico de drogas em João Pessoa. As gangues têm códigos, símbolos e até funks próprios. Nasceram dentro do sistema prisional e hoje levam medo aos moradores da periferia da capital.

Não há uma data precisa, mas se estima que a Al-Qaeda paraibana, também conhecida e grafada como Okaida (OKD), tenha surgido há cerca de uma década, pouco após os atentados do 11 de setembro de 2001. De acordo com o delegado Alan Murilo Terruel, titular da Delegacia de Repressão a Entorpecentes, os bandidos associaram a quadrilha ao movimento radical islâmico pela violência empregada em suas ações. Investigações antigas revelam que a gangue chegou a deixar bilhetes junto a vítimas com os dizeres “Al-Qaeda chegou”.

A princípio, a Okaida se estabeleceu nos bairros do Mandacaru, Novais, Ilha do Bispo, São José e Alto do Mateus, onde comanda a venda de entorpecentes. Seus integrantes, segundo Terruel, tatuam um bobo da corte ou Chucky, personagem do filme Brinquedo assassino, como forma de identificação.

A quadrilha não atuou sozinha por muito tempo. Os Estados Unidos logo surgiram para fazer frente e dar início a um confronto que, a julgar pela nomenclatura, tem um quê de megalomania. As comunidades de Mandacaru e Novais passaram a ser disputadas entre as gangues rivais. Os membros dos Estados Unidos, a exemplo dos inimigos, têm sinais característicos: usam tatuagens com a bandeira americana ou desenham carpas, espécie de peixe, também adotadas por líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que age nos presídios de São Paulo.

O delegado afirma que os Estados Unidos viraram uma espécie de filial do PCC na Paraíba. Os traficantes do grupo recebem em torno de 50 quilos de crack por mês da quadrilha paulista, conforme investigações da Polícia Civil. 

A droga está do outro lado do Brasil e, é claro, para chegar ao Estado tem que ser através de conexões com bandidos de lá. Os americanos usam o mesmo símbolo do PCC e são quase que um braço armado deles aqui

, assinala o delegado.

Okaida e Estados Unidos têm como atributo recrutar exércitos de viciados, em alguns casos até crianças e adolescentes, para atuar como soldados do narcotráfico. O serviço é pago com maconha e pedras de crack. Relatos dão conta de que, para ser admitido em qualquer um dos grupos, é preciso matar outra pessoa. As vítimas são viciados com dívidas com traficantes.

Alan Murilo Terruel frisa que a Secretaria de Segurança Pública da Paraíba tem priorizado o combate às organizações criminosas com a instalação de postos policiais baseados no modelo adotado nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. Há uma unidade da Polícia Militar funcionando na comunidade Bola na Rede, no bairro dos Novais, e núcleos mistos na Ilha do Bispo e em São José. “Com isso, a hegemonia de um grupo sobre determinada região deixou de existir. Estamos inibindo a antiga configuração. Óbvio que o narcotráfico ainda existe, mas está mais velado. É mais difícil visualizar hoje qual bairro é de qual grupo”, pondera.

Após ações repressivas da polícia, a Okaida chegou a promover quebra-quebra em João Pessoa em meados do ano passado. Bandidos ligados ao grupo queimaram dois ônibus. No dia 21 de junho, o principal líder da Al-Qaeda, André Quirino da Silva, mais conhecido como Fão, e outros sete criminosos foram transferidos para o presídio federal de Porto Velho, em Rondônia. Entre eles, Alexandre Neguinho, um dos chefes da gangue inimiga. Três meses depois, três escolas na capital suspenderam suas aulas após boatos de que as instituições de ensino seriam incendiadas por traficantes da Okaida.

A atenção das autoridades de segurança pública paraibanas com criminosos da OKD e EUA não se encerra com as prisões. As facções nasceram nas unidades prisionais e, até hoje, a rivalidade se perpetua dentro das cadeias do Estado, sobretudo na Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, conhecida como Presídio do Roger, onde tudo surgiu. Em outubro, embate entre as gangues no Roger resultou em uma rebelião que deixou dois detentos mortos e 13 feridos. No mesmo mês, outro preso já havia sido esquartejado. Embora fiquem em celas separadas, os rivais acabam eventualmente se encontrando nos banhos de sol e nas refeições. A Polícia Civil afirma que haveria até detentos das duas facções em presídios pernambucanos.

“O que chama atenção é que eles criaram e usam uma nomenclatura muito própria, mas o movimento narcotraficante da Paraíba não tem a mesma proporção que o verificado nos grandes centros, como São Paulo e Rio, ou mesmo no Recife. Recebemos drogas de outros Estados, mas o volume de apreensões não é muito grande”, pontua Terruel. “Quando fazemos apreensões, por exemplo, de 50 quilos de cocaína, notamos que o tráfico morre por um tempo. O quilo do pó, que custava menos de R$ 10 mil, passa a custar mais de R$ 20 mil”, acrescenta.

De acordo com dados de 2011 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, a população carcerária paraibana é de 8.210 presos, dos quais 1.189 estão detidos por tráfico de drogas.

O balanço do ano passado da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Civil foi de 176 pessoas indiciadas e 93 quilos de cocaína e 26 de maconha apreendidos. Conforme a Secretaria de Segurança Pública, a polícia apreendeu ao todo em 2011 mais de 500 quilos de droga. Este ano, até abril, foram 48 detidos, 27 quilos de maconha, 25 de crack e dois de cocaína apreendidos pela delegacia especializada.

Na última quinta-feira, a Polícia Civil realizou uma incineração de 206 quilos de drogas, entre crack, cocaína, maconha, LSD e comprimidos psicotrópicos, em Santa Rita, na Grande João Pessoa. A temperatura usada na ação é de 1.700 graus.

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