Dez anos do Bolsa Família

Uma década de transformação

O Bolsa Família completa neste domingo (20) uma década de erros, acertos, críticas, elogios e - definitivamente - transformações. Até a próxima sexta-feira (25), o Jornal do Commercio publica uma série de reportagens abordando os diversos aspectos do maior programa de transferência de renda da história do Brasil. A série passará pelas editorias de Brasil, Política, Economia, Cidades e Internacional

Renato Mota
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Renato Mota
Publicado em 20/10/2013 às 8:30
Foto: Guga Matos/JC Imagem
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“Só quero ter condições de viver melhor, não quero luxo. Mas não quero criar os meus filhos na miséria. Mesmo com todas as mazelas em que a gente vive, eles estão tendo uma criação melhor do que a minha. Hoje, com o Bolsa Família, a gente pelo menos tem o que comer”, afirma a dona de casa e agricultora Ivaneide Cordeiro, 30 anos, enquanto esquenta a janta num fogão à lenha (há três meses não tem dinheiro para comprar gás). Casada e mãe de oito filhos, Ivaneide é moradora da zona rural de Manari, no Sertão pernambucano, a 400 km do Recife. 

A cidade, com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), possui 3.360 famílias atendidas pelo Bolsa Família. Cada uma recebe em média R$ 251,78. A história de Ivaneide, seu marido Antônio José da Silva, 38, e seus oito filhos sintetiza a realidade do programa de transferência de renda que completa hoje dez anos: não existe mais tanta miséria, mas falta um longo caminho para uma melhor qualidade de vida.

Embora pareça significativo se analisado isoladamente, o benefício de R$ 540 recebido por Ivaneide não a livrou da pobreza extrema. Como são dez pessoas na mesma casa, a renda per capita fica abaixo do limite de R$ 70 considerado pelo governo como “linha da miséria”. “No mês passado, nossa feira deu R$ 780. Fiquei devendo e antes do mês acabar, já estava faltando comida”, conta Ivaneide. Mas o seu marido lembra que, em outros tempos, a situação já foi pior. “Quando era criança, ia junto com a minha mãe cortar cana, para não ficar em casa e passar fome. Cada refeição que ela recebia me dava um pouco.”

Apesar de contar com uma renda mensal do governo, Ivaneide não sente que o benefício é uma “mesada”. “O pobre quando se aposenta, com 65 anos, já sofreu demais. Meu pai tem 61 e ainda não recebe aposentadoria. Tem que catar tomates para sobreviver”, afirma. 

Para Roseli Aparecida Martins Coelho, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, os que avaliam o Bolsa Família como assistencialista e que creem que o programa está criando uma legião de dependentes estão equivocados. “Quando se analisa o cadastro do programa, percebe-se que a imensa maioria é de mulheres donas de casa. Elas já têm um trabalho: cuidar da casa e da família. É preciso dar condições para que ela cuide dos futuros trabalhadores que são seus filhos.” 

Essa opinião é compartilhada pela coordenadora da linha de pesquisa Pobreza e Política Social do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social da Universidade de Brasília (UnB), Camila Potyara. “Muitos dos beneficiários do Bolsa Família puderam sair de empregos abusivos ou nocivos para a sua saúde por causa da segurança que o programa trouxe”, explica. Um exemplo é o próprio Antônio José, que na última vez que conseguiu um trabalho passou 15 dias longe da família cortando mato com uma foice, para ganhar R$ 300. “Quando voltei, encontrei minha esposa e um dos meus filhos doentes. Comprei remédios e paguei a conta de luz, que estava atrasada e fiquei sem dinheiro novamente”, lembra.

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Cadastramento do Bolsa Família é feito pelas prefeituras - Foto: Guga Matos/JC Imagem
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O casal Fernando Seixas Ferreira e Maria Quitéria usam o Bolsa Família para comprar medicamentos. - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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A agricultora Maria Alves Macedo comemora a melhora na saúde dos filhos graças ao benefício. - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Rejane Ferreira da Silva dependeu do programa por oito anos, mas abriu mão ao conseguir um emprego - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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"Não temos mais a Funai, se perdermos o Bolsa ficamos sem nada", explica a indígena Euda de Brito. - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Dez pessoas dependem diretamente do benefício recebido por Ivaneide Cordeiro, de Manari-PE - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Agente de saúde faz a pesagem dos filhos de Maria Auxiliadora e Elisvaldo Bezerra - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Filho de Tarciana Silva sofria agressões do padrasto. Mãe só se separou por contar com o benefício - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Lidiana também sofria agressões do marido. Hoje, se vira sozinha com a renda do programa - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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As irmãs Lidiana e Tarciana alugaram uma casa em Inajá e fugiram de lares violentos - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Para complementar as refeições, os filhos de Ivaneide Cordeiro caçam animais na região de Manari-PE - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Dez pessoas dependem diretamente do benefício recebido por Ivaneide Cordeiro, de Manari-PE - Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem

Por seu lado, o governo comemora a marca de 13 milhões de famílias atendidas pelo programa. “Beneficiamos diretamente cerca de 50 milhões de pessoas, com um foco nas famílias mais pobres. Isso gerou um impacto muito grande na redução da pobreza extrema, ainda mais se considerarmos o baixo custo do programa”, afirma o secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Luís Henrique Paiva. Pelos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 36 milhões de brasileiros estariam na extrema pobreza se o programa não existisse.

Principal alvo dos críticos do programa, a permanente dependência do benefício pode ainda ser uma regra, mas alguns exemplos também mostram que há saída para o Bolsa Família. É o caso da professora Rejane Ferreira da Silva, 29, de Caetés, no Agreste do Estado. “Recebi o benefício por oito anos e foi muito importante para nos dar tranquilidade nos momentos mais difíceis, enquanto estava desempregada”, conta Rejane. Casada e mãe de três filhos, a professora atualizou seu cadastro no ministério assim que conseguiu um emprego na prefeitura. “Tem gente que necessita desse dinheiro mais do que eu. Consegui uma boa oportunidade de trabalho e espero que meus filhos também consigam, e não tenham que depender do governo”, acredita.

Olhando para o futuro, o governo federal planeja ampliar os benefícios para que, até o final de 2014, a pobreza extrema seja erradicada no País. Isso significaria, por exemplo, que a família de Ivaneide receberia pelo menos R$ 700, em vez dos R$ 540 atuais. Mas na opinião do professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Tarcísio Patrício Araújo, aumentar os índices não é o bastante. “É preciso que o Bolsa Família seja acompanhado por outros programas, para que a realidade das pessoas mude, não só a renda”, avalia.

 

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