A casa 107 na Zona Norte do Rio de Janeiro seria o símbolo de um recomeço para o casal gay formado pelo professor Júnior Santos, 24, e o servidor público Maycon Aguiar, 23. O novo lugar para dividir a vida a dois era um sonho deles, juntos há cinco anos. Mas a mudança, feita na noite de Natal, teve uma carta homofóbica e racista como meio de boas-vindas.
“Gente de cor e ainda por cima afeminada não está no nível dos moram [sic] aqui por favor se retirem!!!!”, dizia um dos trechos do comunicado, que tinha como título e introdução, trechos do Levítico, um livro da Bíblia. "Nenhum morador desse condomínio aprova comportamento que envergonha a Deus!!! Toda abominação será condenada em nome do senhor Jesus", constava no texto.
Segundo Júnior, a carta foi deixada entre as plantas de uma janela da casa na madrugada do último dia 20 de janeiro.
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"Maycon foi dormir e olhou a janela pela última vez por volta da meia-noite e não viu nada. Quando acordou, às 6h, viu o papel e ficou chocado. Eu estava viajando, e quando ele me mandou a foto, fiquei sem reação. Nós, nossos amigos e familiares estão perplexos e com medo. Nos sentimentos ameaçados", conta Júnior, em entrevista ao JC, ressaltando que há duas famílias negras que moram no condomínio e também se sentiram ofendidas com a carta.
"Muitas pessoas próximas estão pedindo para que a gente se mude, mas é nossa casa, estamos aqui há um mês. Vamos lutar contra isso. Nunca tivemos problemas com ninguém, pago aluguel, condomínio. Quem cometeu esse crime que pague", relatou.
O relato do caso foi feito através de uma postagem no Facebook, que já conta com quase 600 compartilhamentos.
Justiça
O casal afirma que não tem suspeitas do autor da carta. De acordo com o professor, ele e o companheiro foram prestar queixa em uma delegacia carioca acompanhados por vizinhos, mas não conseguiu registrar o boletim de ocorrência pelos crimes de ameaça e racismo devido a greve dos policiais. O único profissional que estava no local orientou os dois a "deixarem o caso para lá", já que eles não teriam como provar, no momento, o autor do crime.
"Uma pessoa falou, em tom de brincadeira, que se a gente fosse famoso eles resolveriam. Ele respondeu, também brincando, que sim. Então, perguntamos o que poderia ser feito para que isso fosse adiante. Nós vamos correr atrás de justiça", disse o professor.
Júnior relata que já solicitou à administração do condomínio o acesso às câmeras de segurança do local. A resposta veio em forma de emails, informando aos dois que as imagens seriam encaminhadas apenas à polícia conforme solicitação da mesma.
"Solicitamos uma reunião de condomínio em caráter de urgência para debatermos uma série de pendências que existem em relação ao local, essa questão do acesso às imagens das câmeras e a quem estamos incomodando. Queremos que essa pessoa apareça, já que ela é convicta do que pensa que venha a público reafirmar", afirmou o professor.
O caso abalou emocionalmente os dois, que temem pela própria integridade.
"Vivemos com medo agora. Maycon está muito abalado emocionalmente, vamos precisar de acompanhamento psicológico. A gente estava na maior felicidade, por ter se mudado, conhecido novas pessoas e acontece isso. Injúria, racismo e discriminação são crimes no Brasil. Não aceito passar por isso dentro da minha própria casa", relatou.