SÉRIE A PRAGA LATINA

Mulheres atrás das grades

A terceira e penúltima reportagem da série sobre o narcotráfico na América Latina mostra que o número de mulheres presas por envolvimento com drogas cresceu na última década

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 04/10/2011 às 19:42
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CIDADE DO MÉXICO - As mulheres latino-americanas estão virando soldadas do narcotráfico. Recrutadas em situação de vulnerabilidade, seduzidas por propostas tentadoras, obrigadas ou ludibriadas pelos maridos, elas passaram a lotar as prisões da região. As traficantes, via de regra, correspondem a mais da metade das populações carcerárias femininas da América Latina. Sempre em funções inferiores na hierarquia do crime, são peças descartáveis cujo encarceramento sentencia a destruição de lares. O tráfico como desarranjo social e familiar.

A deputada equatoriana María Paula Romo Rodríguez elaborou um levantamento em sete países da América Latina que revela a explosão das mulheres detidas por narcotráfico. ?Em toda a América Latina estão subindo essas estatísticas. Isso ocorre tanto por necessidade econômica delas quanto pelo tráfico crescente, que exige mão de obra cada vez mais variada. Em quase todos os casos, elas são usadas por organizações criminosas ou por seus companheiros, como mulas ou como vendedoras?, afirma ela, que divulgou o documento na 3ª Conferência Latino-Americana sobre Políticas de Drogas, de 12 a 14 de setembro, na Cidade do México.

No Equador, as pessoas presas por tráfico de drogas correspondem a 40% da ocupação prisional. Entre as mulheres, o percentual é de 85%. Na Argentina, as prisões de mulheres cresceram 271% em duas décadas ? o salto masculino foi de 112%. Quase 70% das presas do país estão na cadeia por crimes relacionados a entorpecentes. Um dos três produtores mundiais de cocaína, o Peru tem 66,38% de sua população carcerária feminina condenada por narcotráfico, mas elas são só 7% dos detidos por estes crimes. Na Bolívia, outro centro de cultivo, as mulheres chegam a 20% das pessoas presas por drogas.

A Colômbia tem percentuais menores, mas não menos alarmantes. De acordo com o Instituto Nacional Penitenciário e Carcerário (Inpec), em 2009 havia 4.788 colombianas detidas, das quais 2.124 por narcotráfico (44%). A tendência foi a mesma em toda a década, com pico de 48% em 2004. As mulheres são 6% da população carcerária da nação, mas, quando o recorte se refere apenas às detenções relacionadas a drogas, elas são 17%.

No México, os últimos dez anos assistiram a uma mudança drástica na radiografia prisional: enquanto no ano 2000 a maioria das mulheres estava presa por roubo, hoje os narcodelitos são 48% das detenções femininas ? entre os homens, este percentual é de 15%.

O Brasil não foge à tendência regional. O último formulário do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), de dezembro do ano passado, aponta que 52% das mulheres estão atrás das grades por narcotráfico. São 14.643 presas, entre as quais 782 estrangeiras arregimentadas para atuarem como mulas. A segunda maior causa de condenações são os crimes contra o patrimônio, com 5.103 detidas.

Segundo o Depen, o total de mulheres presas no Brasil em 2000, por qualquer tipo de crime, era de 5.345. Os números atuais expõem um aumento de 527%, com peso decisivo das detenções por narcotráfico.

Pernambuco acompanha o cenário brasileiro. Em cinco anos, o Estado registrou um crescimento de 236% de sua população prisional feminina, que passou de 674 para 1.590 entre 2005 e o ano passado, conforme informações repassadas pela Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) ao Depen.

?Percebo uma vitimização da mulher, sem dúvida alguma. A mulher está sendo vítima do narcotráfico, usada como mula ou vendedora, em muitas das vezes por manter relação com um traficante?, observa o diretor regional do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) para o Brasil e o Cone Sul, o dinamarquês Bo Mathiasen. Paula Romo acredita que a legislação para este tipo de crime deveria ser revista. ?As leis são muito severas, mas não há ações para perseguir e punir os chefes dos cartéis. É preciso revisar o sistema penal latino-americano, pois a Justiça deveria sancionar a parte mais alta da cadeia do tráfico. Encher as prisões de mulas não altera a realidade das drogas?, observa.

O Escritório de Washington sobre a América Latina (Wola) elaborou um documentário que evidencia o drama de mulheres presas como mulas na América Latina. Durante o seminário Políticas de Drogas na América Latina, realizado dentro da conferência no México, trecho do vídeo foi exibido, o relato emocionante de uma equatoriana que passou oito anos presa após ser pega com cocaína. Perdeu o marido, o convívio com os dois filhos e não sabe por onde recomeçar.

O drama desta anônima não é único. Pernambuco tem 554 mulheres detidas por envolvimento com drogas, 35% do total de presas. São 94 por tráfico internacional. Nove estrangeiras. No ano passado, o Jornal do Commercio conheceu as histórias de quatro delas: a espanhola Esther Tapia Llorente, 36 anos, a cabo-verdiana Simone da Conceição Furtado, 32, a dominicana Maria Selina Ledesma, 30, e a boliviana Daniela Vaca, 24. Mulheres com raízes distintas, mas unidas pelo crime, pela condenação pesada, pela liberdade perdida, pelo passado jogado fora. Trajetórias que contamos no caderno especial Conexão Recife, publicado em 16 de janeiro deste ano e um dos vencedores do 1º Prêmio Latino-Americano de Periodismo sobre Drogas.

Esther tem três filhos e o mais velho não fala com ela. Simone não sabe se o marido vai aceitá-la de volta. Selina é mãe de duas adolescentes que vivem com o pai, de quem se separou após ser agredida. Daniela teve o segundo filho na cadeia e deu o bebê para a mãe de uma antiga colega de cela criar.

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